A Prosopopeia de Bento Teixeira chegou aos dias atuais por meio de uma edição lisboeta de 1601. A obra surge como apêndice de um Relato de naufrágio, que estava em sua segunda publicação e que teve duas grandes tiragens – de acordo com Lanciani (1979, p. 25-6) foram impressos mil exemplares por edição, uma quantidade expressiva em termos de inícios do século XVII. Numa cadeia de leituras que a analisa ora como “documento de reduzido mérito poético” (Antônio Ribeiro,1601; Ramiz Galvão, 1873), ora como “primeira obra da literatura brasileira” (Sílvio Romero, 1905; Afrânio Peixoto, 1923; entre outros), ora como “poemeto” (Bosi, 2006) ou “pequeno poema de assunto brasileiro” (Saraiva e Lopes, 2001), a obra é ignorada por Varnhagen e sequer figura no Florilégio da poesia brasileira, já que o historiador teria apurado a origem lusitana de Teixeira. De maneira geral, porém, a Prosopopeia tem sido interpretada basicamente como uma imitação pouco aprimorada d’Os Lusíadas de Camões. De fato, o épico camoniano é o principal modelo emulado por Teixeira na confecção de sua Prosopopeia, mas não a sua única referência. Fortemente ancorado no gênero épico, o texto de Teixeira dialoga com todo o legado, inicialmente greco-romano, deste. Acima de tudo, tem numa prosopopeia de Proteu o seu ponto alto, além de citar inúmeras divindades marinhas da mitologia. Assim, é possível encontrar na Prosopopeia uma écfrase à maneira da do escudo de Aquiles, expressa na Ilíada de Homero; há, também, uma menção ao episódio da gigantomaquia, narrado por Apolodoro em sua Biblioteca. Por meio de apenas dois exemplos já é possível verificar que Teixeira lançou mão não somente da memória contida no gênero épico, mas também de suas fontes para a construção de um fundamento, que à época arcaica foi mítico, mas que na de Teixeira é principalmente histórico. No Prólogo, Bento Teixeira menciona o símile horaciano ut pictura poiesis e, mostrando familiaridade com o braço romano da épica, cita Virgílio e seu herói Eneias, além de medir forças com os poetas antigos, cantando um herói “cujo valor e ser [...] pode estancar a Lácia e Grega lira”. O poeta se refere a Jorge de Albuquerque Coelho, nascido em Olinda e tornado terceiro donatário da capitania de Pernambuco após a morte de seu irmão Duarte, herói em Alcácer-Quibir. Os irmãos Albuquerque Coelho são considerados capazes de “no valor abater Querino e Remo”, e, metaforicamente, são figurados como heróis fundadores da Nova Lusitânia, à semelhança dos gêmeos romanos. Desse modo, por meio de uma dicção épica, Teixeira insere a América no rol de assuntos possíveis para esse tipo de poema de louvor de grandes ações e de grandes heróis, como Camões o havia feito com relação à descoberta da rota marítima para as Índias. Assim, o gênero ancora o texto na tradição antiga, mas o tema a atualiza. Nesse sentido, é bastante pertinente acionar, além dos preceitos das artes poética e retórica, um evidente legado clássico a fim de ler a Prosopopeia de Bento Teixeira, tarefa a que nos propomos neste estudo.
Palavras-chave: LITERATURA LUSO-AMERICANA, SÉCULO XVI, ÉPICO, EMULAÇÃO