A proposta deste trabalho é analisar a presença da rua e de seus cafés como locais de observação dentro da poética do escritor português contemporâneo Gonçalo M. Tavares, em um diálogo com a tradição de Baudelaire e seus “Quadros parisienses”, criados durante as ações de Eugène Haussmann para a modernização de Paris, no século XIX. Nesse sentido, Baudelaire, em suas andanças pela cidade, em sua “botânica de asfalto” (BENJAMIN, 1989), recolhe as marcas de um tempo em que “o lodaçal de macadame virá a ser um dos fundamentos a partir dos quais brotará a nova literatura mundial do século XX” (BERMAN, 1998), responsável por conspurcar a aura do sagrado e do sublime de seus frequentadores e por buscar um novo sentido para a existência humana. Tavares constrói uma reflexão sobre o contemporâneo, que ultrapassa os limites de uma suposta regionalização lusitana, expandindo sua literatura a um universalismo de lugares e pessoas, situando-se dentro de uma escrita marcada pelo discurso intertextual, mostrando a rua como tradução do modo de vida pós-moderno, caracterizado pelo pragmatismo das ações e eliminação do elemento humano incapaz de produzir, tais como idosos e deficientes. Definindo-se frequentemente em entrevistas como “um escritor de cafés”, Tavares, além de remeter a outro português — Fernando Pessoa —, comporta-se como o escritor benjaminiano que “coloca o pensamento sobre a mesa de mármore do café. [...] Em seguida desempacota gradualmente seu estojo: caneta-tinteiro, lápis, cachimbo. A multidão dos fregueses, ordenada anfiteatralmente, compõe seu público clínico.” (BENJAMIN, 1995). O espaço do café aparece assim como território ambíguo, pois simultaneamente “um espaço privado, em público” (BERMAN, 1998), que encarna a proteção em meio ao mundo das mercadorias e que propõe uma pausa contemplativa em um mundo de agitação, pressa e não permanência. De seu esconderijo, o eu póetico pode analisar os fregueses daquele ambiente, captando seus dramas e histórias de vida, que, em um paroxismo, tendem a uma previsibilidade pelo esvaziamento da experiência. A obra de Tavares dialoga frequentemente com o espaço urbano, seja através da criação da série “O bairro”, que reúne em um espaço fictício diversos escritores e intelectuais, seja pela retomada da temática da flânerie, seja por reflexões sobre a arquitetura. Nesse sentido, tomaremos como corpus principal os poemas que compõem a seção “Observações”, do livro “1”, tentando demonstrar como Tavares constrói uma poética em que o olhar transeunte sobre a cidade e seus passantes se constrói, denunciando a pressa dos habitantes, o pragmatismo econômico nas atitudes e a rejeição à velhice e à deficiência como marcas da sociedade pós-moderna na qual a literatura tenta buscar espaço.
Palavras-chave: GONÇALO M. TAVARES, BAUDELAIRE, CIDADE, MODERNIDADE