XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:603-1


Oral (Tema Livre)
603-1Dostoievski em Paris - espaço e voz nas adaptações de Robert Bresson
Autores:Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Resumo

Entre os treze longametragens do cineasta francês Robert Bresson, chamam a atenção duas adaptações do escritor russo Fiodor Dostoievski - Uma mulher doce (1969, adaptação de A dócil) e Quatro noites de um sonhador(1971, a partir de Noites brancas)-, além da adaptação livre de Crime e castigo em Pickpocket(1959). Nesses filmes, Bresson transpõe a São Petersburgo do século XIX para a Paris contemporânea: são “adaptações transculturais”(STAM, 2008) da periferia (Rússia) para o centro (França), que não deixam de discutir temas do autor russo, como os dilemas morais e a relação entre humilhados e ofendidos, tal qual analisado por Mireille Le Dantec (2000). Porém, além da presença dos temas de Dostoievski na obra de Bresson, é interessante observar como se dá a transposição do estilo polifônico do autor e seus personagens excessivamente falantes (em diálogos ou no pensamento)para a sobriedade característica do cineasta. Com esse objetivo focaremos na questão do espaço e nas formas de narração nos filmes, destacando o uso ou não de voz over nos filmes e o papel da música como mais uma voz na polifonia das obras cinematográficas. Nos citados livros de Dostoievski, a paisagem urbana de São Petersburgo é fundamental. Na Paris dos filmes também são abundantes as referências dos lugares por onde passam os personagens flâneurs, como os barcos no Sena e placas de ruas. Na verdade, o espaço está presente em Bresson numa forma fragmentada. Não seriam esses fragmentos alguns exemplos da figura do “limiar”, identificada por Bakhtin em Dostoievski e tão presente nos filmes de Bresson? Pois não é o limiar um fragmento de espaço que esconde um não-dito (ou um não-visto)? Em Pickpocket, no lugar da terceira pessoa de Crime e castigo, a voz over dá ao filme um caráter de confissão, mas pouco revela: conforme o estilo de Bresson, há uma economia de falas e muitos silêncios. Segundo Le Dantec (2000), essa opacidade seria a maneira pela qual o filme mostra as contradições expressas pelos personagens de Dostoievski e seus comportamentos impetuosos. E para sugerir a polifonia característica do autor contribuiria a música extradiegética de Jean-Baptiste Lully, quase uma “segunda voz” do personagem. Contrariamente, em Quatro noites de um sonhador, se o livro é em primeira pessoa, Bresson não usa o recurso óbvio da voz over. Diferente do narrador sentimental de Dostoievski, no filme impera uma atmosfera de contenção, perturbada, porém, por um erotismo latente sugerido pelas músicas diegéticas. Também em Uma mulher doce não há voz over, embora no livro de Dostoievski a narração seja em primeira pessoa e se dê toda na consciência do marido da personagem-título. Assim, a polifonia do filme se constrói com outras vozes para além da narração não-confiável do marido: o silêncio de sua interlocutora, a empregada Anna - “o espectador no texto” (Lindley Hanlon,1986, citando Nick Browne)- e a esposa, seja com o seu cadáver silencioso, seja com a presença dela na história contada e também com as músicas clássicas e barrocas (em oposição ao rock ouvido pelo marido) que ela coloca na vitrola.