Oral (Tema Livre)
589-1 | A correspondência de Caio Fernando Abreu: escrita e testemunho do homem do fim do século XX | Autores: | José Roberto Silveira (UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro) |
Resumo Propõe-se a leitura da correspondência de Caio Fernando Abreu como registros confessionais que testemunham sobre os acontecimentos que marcaram o homem nas três últimas décadas do século XX. O montante epistolar do escritor – editado e publicado por Ítalo Moriconi (2002) – agrupa o relato em primeira pessoa, no calor do acontecimento, em diálogo constante com o outro, pontuando, numa escrita íntima e confessional, observações sobre si mesmo, e operando, assim, como registro, testemunho e documento informativo sobre o tempo histórico. As cartas são importantes documentos que mapeiam territórios e guardam na linguagem, conteúdo e caligrafia, os rastros de circunstâncias e circunferências da escrita. O mapeamento corresponde ao diário de bordo do escritor, fadado a escrever sobre quase todos os momentos, registrando seus sentimentos e avaliações sobre aquilo que vivencia, experimenta e observa e que transforma em literatura. Com grande riqueza de detalhes, a correspondência do autor expõe, em sua extensão – lida como o romance de uma vida –, a compreensão do tempo e do espaço onde se trava o embate do autor-personagem com destinatários-personagens, com sua grande pátria-mãe, e, principalmente, consigo mesmo. O tempo de Caio F. é o tempo da opressão, do ensaio da liberdade, e dos pódios “sem beijo de namorada”. Ao se corresponder constantemente com inúmeros amigos e escritores, por um período que engloba as décadas de 70, 80 e 90 do século XX, suas cartas escrevem uma “outra” história da ditadura militar, do ensaio da redemocratização, das “Diretas já”, dos planos econômicos frustrados, da alta da inflação, e da eleição e impeachment de Collor. Suas missivas são, principalmente, o relato e testemunho dos sobreviventes da década de 80, que, entre destroços e entulhos restantes da ditadura militar, passam a conviver com a epidemia da Aids. Em resumo, Caio Fernando Abreu faz do território epistolar lugar para se ensaiar sobre relacionamentos, viagens; sobre o Brasil, sua política e sociedade; sobre o surgimento e alargamento da AIDS, suas complicações para a vida íntima e para a saúde pública; e ainda refletir de forma crítica a respeito da literatura, da construção do texto, da relação entre vida e escrita, e da profissão de escritor no Brasil. Dessa forma, as cartas se tornam lugar privilegiado para a expressão e discussão de questões que emergem do sentimento íntimo e pessoal do autor e tangenciam questões históricas, políticas e sociais do tempo em que elas são confidenciadas. Esta leitura crítica ainda nos permite uma discussão e reflexão sobre questões teóricas e epistemológicas a cerca do gênero epistolar e do próprio conceito de literatura e testemunho, na profusão de espaços biográficos e espaços literários. |