Oral (Tema Livre)
856-1 | De quimeras e viajantes: práticas do deslocamento na ficção contemporânea | Autores: | Claudete Daflon (UFF - Universidade Federal Fluminense) |
Resumo Em Routes (1997), James Clifford propõe “a view of human location as constituted by displacement as much as by stasis.” Para o autor, práticas de deslocamento são constitutivas dos significados culturais e, portanto, não representam simplesmente a possibilidade de difusão ou transferência de cultura. A viagem pode ser assim compreendida também como um “lugar”. A reflexão contemporânea sobre os deslocamentos, as fronteiras e a constituição do sujeito tem ocupado importante espaço na produção ficcional, seja literária ou cinematográfica. E, nesse sentido, tem contribuído para a compreensão desses deslocamentos enquanto “human location”. É o caso da obra de autores como Bernardo Carvalho. Em seu romance O filho da mãe (2009), definida como mistura de dois embriões, a quimera é percebida como monstruosidade a ser eliminada, sinal de mau-agouro. Ao encarnar a estranha condição de ser dois sem ser nenhum, tem sua condenação atrelada à sua constituição híbrida, que não cumpre a ordem natural das coisas. O filho da mãe é uma quimera, desterrado que é, alienado da terra e da família. Em Teoria da viagem, publicado originalmente em 2007, Michel Onfray discute a viagem como expiação. O errante seria, antes de tudo, um condenado: “O capitalismo atual condena do mesmo modo à errância, à ausência de domicílio ou ao desemprego os indivíduos que rejeita e amaldiçoa”. Ferindo a lógica do isto ou aquilo, a condição híbrida e errante estaria de acordo com uma “índole processual”, para usar expressão empregada por Heidrun K. Olinto. Nos sistemas binários, ainda segundo a autora, há uma relação de exclusão em que um dos pares conceituais se torna totalizante e o outro invisível. Essa, porém, também é a chave do filme Incêndios (Incendies, 2010), do diretor Denis Villeneuve, em que irmãos gêmeos, após a morte da mãe, encarnam a quimera, em que dois são um. Ao encontrarem o pai, filhos-da-mãe, descobrem o irmão. Não há a designação de uma terceira instância como alternativa, mas o investimento no múltiplo, porque também um são dois. Isso, de alguma maneira, se traduz na multiplicação de relações possíveis, dos pontos-de-vista em que se constroem os relatos e da própria forma como a narrativa é encaminhada seja no romance de Bernardo Carvalho seja no filme de Villeneuve. Múltiplos caminhos, talvez como as 300 pontes de São Petersburgo que não levam a lugar algum. Narrativa em trânsito que se reveste da dimensão trágica que a errância, enquanto “human location”, traduz em sua direta relação com a guerra, o terrorismo e a intolerância. |