Oral (Tema Livre)
932-1 | O CONTAR ALINHAVADO NO REBULIÇO DO IMAGINÁRIO, DAS VOZES E DAS MEMÓRIAS NO POVOADO DO VALE DE JAVÉ | Autores: | Benedita Afonso Martins (UFPA - Universidade Federal do Pará) |
Resumo
Tudo que é bom de passar é ruim de contar.
Ariano Suassuna
Resumo
Este texto, emaranhando múltiplos fios discursivos, versará sobre as artimanhas do ato de contar e da necessidade de se manter o registro dos relatos, indubitavelmente, como uma forma de sobrevivência apresentada no filme Narradores de Javé, de Eliane Caffé (2004). O longa trata da importância da memória contida nos relatos orais do povoado nordestino, até então relegados às margens da história oficial. Lugar pacato onde todos sabiam tudo sobre todos. Lugar onde o contar histórias era, aparentemente, uma maneira de encurtar o tempo. Mas para além do contar, havia a rememoração de cada um, tão falha e tão rica, porque atravessada pelo imaginário individual-coletivo e, ainda, permeada pelos diversos tons de vozes enunciadoras de “mentiras” condutoras das várias versões que tentam recompor um tempo ido. Esses moradores do Vale de Javé conviviam ao sabor do devir, até que foram confrontados com outra lógica de existência.
A partir de referências zumthorianos: poética da voz; performance, quando enfoca a oralidade, os efeitos da presença, do ambiente e do corpo em ação; a ligação de memória a um futuro; a força do imaginário que se sobrepõe aos fatos, se fará uma leitura desse tessitura exposta em peripécias e imagens. Os diversos narradores precisavam registrar suas memórias de forma grandiosa – "uma coisa é o fato acontecido, outra é o fato escrito" – para que surtissem efeito contrário à devastação que viria com o maquinário e o suposto desenvolvimento do lugarejo. Estes, ao contrário do Gênesis ao afirmar que "o mundo inteiro falava a mesma língua, com as mesmas palavras" (Gn 11,1), os narradores de Javé, falavam em diferentes vozes, tons, versões com as mesmas palavras, mas carregadas dos sentidos que lhes cabiam atribuir no momento de contar a história que os salvaria, desde que fosse escrita. Estes narradores, à semelhança do narrador sedentário de Walter Benjamim, ainda praticavam a experiência repassada de boca em boca. Eles se viram de repente diante da lógica da máquina, da técnica e, então se deram conta de que, seus relatos orais apenas não os salvariam, se apegaram à única alternativa que lhes veio à mente: contratar a única pessoa letrada do lugarejo, espécie de malandro – já enxotado do lugar por ter enganado os moradores – para escrever, registrar a “verdadeira” história que, ao ser contada por uma moradora mulher, a heroína era Maria Dina. Na versão de um morador negro, o herói principal é um negro chamado Indalêo. Assim o enredo segue, cada um elegendo seus personagens principais. Todos, no entanto, querendo protagonizar o “Livro da Salvação”.
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