XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:517-1


Oral (Tema Livre)
517-1O poder artístico de criação por intermédio da palavra criativa. As narrativas da tradição judaico-cristã revelam a semelhança entre Deus e o Homem em sua proporcional capacidade de criação ex nihil por meio da palavra poética.
Autores:Jaime dos Reis Sant'anna () ; Jaime dos Reis Sant'anna (UEL - Universidade Estadual de Londrina)

Resumo

A Literatura é a arte da palavra, e o homem – quando cria por meio da instrumentalização da palavra – desfruta de aspectos essenciais da natureza divina: o poder artístico de criação por intermédio da palavra. Ao lançar mão do poder criativo da palavra, o talento do escritor cria – à semelhança de Deus – homens e mulheres, personagens que são colocados em espaços estabelecidos pelo seu arbítrio, para viverem o destino que a sua onipotência predestinou-lhes por um tempo determinado. Há, de fato, um estreitamento entre homem e Deus, quando ambos se entregam ao processo de criação, cuja forma de atuação tem marcas de profunda aproximação. Daí afirmarmos que várias características do trabalho do escritor o tornam semelhante a Deus, posto que o processo de criação de ambos obedece às mesmas idiossincrasias. A começar pela constatação de que ambos dão início ao trabalho criativo a partir do nada, uma operação que os teólogos chamam de criação ex nihil. Na narrativa do Gênesis, a propósito, encontramos que antes da criação “a terra estava sem forma e vazia”, e que do nada, Deus criou todas as coisas. Trata-se de uma situação similar à de um pintor perante uma tela aparentemente vazia e sem forma, ou de um escritor diante do papel em branco (ou da tela negra do monitor de um computador pessoal). A partir do nada, Deus e artista preenchem o vazio que os precede, dando vazão ao dinâmico fenômeno da criação. No trabalho do Criador e do Escritor, este processo inicia-se igualmente com a utilização do poder criador/criativo da palavra. Os antigos rabinos, quando perguntados acerca do que existia antes de o decreto soberano de Deus estabelecer a criação, respondiam: “O silêncio!”. Ao pronunciamento da palavra de Deus, interrompe-se o império do silêncio absoluto que reina “no meio do nada”, e inicia-se a criação: “E disse Deus: haja luz; e houve luz”. Ou seja, quando Deus diz a palavra imperativa da criação (“e disse Deus: haja!”), à semelhança de quando o escritor escreve – ou do contador de “causos” da tradição oral, ao proferir a sua palavra – as coisas não criadas, ou pré-existentes na mente criadora, passam a existir. À ordem do criador, o que outrora era inexistente é instantaneamente criado e passa a existir sob a determinação volitiva dos articuladores da palavra. Trata-se do milagre da criação. O propósito deste trabalho é analisar a maneira pela qual tal fenômeno se apresenta na produção literária de José Saramago, em romances como "Levantado do chão", "A história do cerco de Lisboa" e "O ano da morte de Ricardo Reis", cuja principal marca denominamos "prescindibilidade do sagrado" na obra saramaguiana.