Oral (Tema Livre)
601-1 | DO TRÂNSITO ESTÉTICO AO TRANSE POLÍTICO: TEMPO E ESPAÇO EM SIMULTANEIDADE E DILATAÇÃO NA NARRATIVA DE MANHÃ CINZENTA
| Autores: | Claudio Cledson Novaes (UEFS - Universidade Estadual de Feira de SantanaFAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) |
Resumo Nesta comunicação analisamos Manhã Cinzenta (1969), de Olney São Paulo, discutindo o trânsito entre a linguagem do conto e da adaptação audiovisual no média-metragem que faria parte do filme idealizado por cineastas da primeira geração do cinema moderno brasileiro. O deslizamento estético do filme apresenta personagens deslocados entre o contexto histórico e linhas de fuga imaginárias de narrativa alegórica em moldes da ficção científica, provocando reflexões sobre as imagens-rizomas nacionais em contraponto ao discurso global do cinema. O filme mescla personagens imaginários do conto homônimo com as cenas reais captadas dos movimentos políticos do Rio de Janeiro no período de enfretamento ao regime militar. A película transita entre o documentário e a ficção, constituindo um gênero em trânsito do “documento real” à mise en scéne do “cine verité”. A leitura a contrapelo também é instigante para a percepção do deslocamento estético entre a linguagem do filme e a reconstituição da narrativa do conto Manhã Cinzenta (1966). No texto literário, observamos o movimento do discurso cinematográfico potencializando a escritura que trasita por espaços e tempos urbanos fragmentários num exercício do imaginário visual transcrito para o verbal. O trânsito estético interlinguagem e intermidiático do conto ao filme, e vice-versa, potencializa a reversão crítica do cenário político brasileiro representado em Manhã Cinzenta. O filme e o diretor são envolvidos no transe da censura do regime militar, tornando-se ambos personagens de enredo kafkiano. A narrativa do conto escrito em 1966 já apresenta esteticamente elementos éticos que são retomados na narrativa audiovisual do filme rodado em 1969, e este trânsito entre o contexto inicial do regime autoritário e o período de intensificação dos atos repressivos instaura o transe político sem precedentes na cultura brasileira, que é a censura total de uma obra de arte. O filme Manhã Cinzenta foi apreendido, assim como seu diretor foi preso e respondeu processos militares. Estes acontecimentos fragilizaram a saúde do cineasta e contribuiram para a morte prematura de Olney, excluindo autor e obra da cena cultural, o que os tornam emblemáticos no trânsito estético e no transe político do Brasil, como declara Glauber Rocha ao instituir Olney São Paulo como “marty” da política-cultural brasileira. A obra literária e a cinematográfica, consciente ou inconscientemente, atuou sobre o imaginário cultural e político do país nesta tensão que permanece submersa e dilatada até hoje, como um choque político único na arte nacional. Só recentemente o filme Manhã Cinzenta foi reencontrado e recuperado para exibição; da mesma forma, o conto homônimo voltou a circular entre novos leitores, através do livro publicado em 1969, que é o corpus do projeto de pesquisa que coordenamos na Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, Bahia, e que já se desdobrou em teses de Pós-Doutorado, na UFRJ, e em dissertações de mestrado e planos de iniciação científica em universidades baianas. |