Oral (Tema Livre)
681-1 | Escritas do Acaso (?), ou
Quando os Straub Lançaram os Dados de Mallarmé | Autores: | Fernando de Mendonça (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco) |
Resumo Obra de ruptura da literatura moderna, o poema Coup de Dés escrito por Stéphane Mallarmé (1842-1898), no final do século XIX, permanece como uma incógnita sem precedentes para o domínio da expressão poética. De sua influência junto às vanguardas proliferadas no século seguinte, vários são os questionamentos por ele levantados que ainda carecem de maior discussão e repercussão, principalmente pelo alcance de códigos que excedem o literário, abarcando outros níveis e parâmetros de representação.
Na vasta fortuna crítica gerada ao seu respeito, algumas vezes foram lembrados os pontos de intersecção que o poeta simbolista nutriu para com outras artes (Foucault; Derrida), pelo revolucionário entrelaçamento de significados intrínsecos a sua própria constituição de linguagem (Barthes), assim como pela relação com linguagens que transcendem o tratamento exclusivamente literário. Nesse sentido, Leyla Perrone Moisés trata sensivelmente o poema chamando-o de “partitura literária”, onde as palavras reconfiguram seu sentido conforme o tamanho e topologia tipográfica.
Em 1977, o casal de cineastas Jean-Marie Straub e Danièle Huillet filmaram Toute Révolution est um Coup de Dés, fazendo de Mallarmé a matéria-prima de seu experimento cinematográfico. O curta-metragem apresenta, com extrema economia de meios, um grupo de nove pessoas sentadas no gramado do cemitério Père Lachaise, em Paris, recitando o poema. Dedicado aos mortos na Comuna de Paris (1871), o filme, pela intercalação de vozes, traduz para o movimento audiovisual as possibilidades do texto, fazendo com que cada orador denote uma das manipulações literárias propostas por Mallarmé.
Diante disso, nossa análise pretende apropriar-se desta combinação interartística para investigar de que maneira o literário ganha configuração cinematográfica e como, especificamente, o cinema dos Straub não apenas rompe uma tradição romanesca de adaptação, redefinindo o estatuto da linguagem cinematográfica (já que toda a obra deles é prioritariamente pautada pelo diálogo intersemiótico) e, ainda, reconfigura novas possibilidades de leitura para o original de Mallarmé.
A aplicação de conceitos advindos da teoria do cinema deve nortear esta pesquisa, importando desde idéias mais gerais, como a da configuração de um cinema moderno (Deleuze), até reflexões particulares sobre os Straub que não poderiam ser descartadas. Exemplo destas encontramos no renomado crítico Serge Daney (Cahiers du Cinéma), em sua “pedagogia strauberiana”, assim como no teórico Jacques Aumont, pela leitura que ele faz da “cenografia lacunar” (Bonitzer) nos Straub.
Da idéia de “escrita para morte” (Blanchot) aberta por Mallarmé, observaremos de que maneira o cinema também se relaciona com o morrer; como ele, a partir de uma enunciação particular, origina este túmulo do olhar (de Daney e sua “imagem-túmulo”). Se é pela linguagem estética que a morte pode ser vivida e sobrevivida, cremos que nesta (re)apropriação de vozes subsiste o maior dos desafios ao acaso, pois um feito de arte sempre é semelhante a um lance de dados. |