XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:658-1


Oral (Tema Livre)
658-1JÓ, I
Autores:João Batista Pereira (UFPE - UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO)

Resumo

A migração de narrativas e personagens bíblicos para obras ficcionais e sua rememoração como arquéticos deslocados do seu tempo de elaboração ressalta a presença atemporal de componentes teológicos influenciando a literatura na contemporaneidade. No espectro teórico que define a tragédia esteticamente, a alusão às agruras impingidas a Jó por Deus é usualmente designada como trágica. Todavia, o diálogo com o fundo, a forma e o conteúdo nos quais foi forjada a versão daquele sofrimento na Antiguidade exige repensar essa nominação definindo os conceitos desse pathos na modernidade. Centrado em refletir sobre o alcance dos fundamentos estéticos incidentes sobre o relato de um ato de fé inamovível, este artigo recupera a importância da relação hierárquica estabelecida entre o sagrado e o terreno como pressuposto definidor do trágico. A problematização da vida do indivíduo subordinada a desígnios divinos, cerceando o instituto da vontade que deliberaria sobre os seus atos, e um universo destituído de asserções que estabeleçam um conflito irreconciliável, obscurece a tragicidade reclamada em O Livro de Jó. A natureza judaico-cristã dessa parábola assente para uma transcendência vinculada a ditames religiosos, preconizando obediência às emanações divinas, compensada pelo manto da justiça redentora que acobertará o homem no futuro. Essa condição pétrea contraria a emergência do trágico no mundo moderno: ancorando-se no eterno desequilíbrio entre o dever e o querer, ele deriva da cegueira humana alçada ao absoluto, na hybris incontornável praticada em nome da razão. A paradoxal constituição na qual a incubência do dever entra em conflito com a potência do querer demonstra uma cisão na interioridade do sujeito: afastado de Deus, ele afirma sua existência através das ações, confrontando o mundo material que o circunda, residindo nas volições da consciência o espaço para a conquista de sua alteridade.