XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:110-1


Oral (Tema Livre)
110-1Graciliano Ramos, a infância e o inferno.
Autores:Luiz Gonzaga Marchezan (UNESP - Faculdade de Ciências e Letras)

Resumo

A chamada mediadora da Abralic para trabalhos em seminários passa pelo conceito de weltliteratur, de Johann Wolfgang von Goethe (1749/1832), pensado, a partir de Frankfurt, em 1827, momento em que o pensador alemão avaliou a capacidade da literatura em promover diálogos culturais entre povos, entre seus saberes adquiridos. Seu modelo de romance de formação, esteticamente marcante, mostra-nos uma narrativa voltada para a transformação do homem na construção da sua identidade, personalidade; para a necessidade humana em centrar-se na composição do seu universo pessoal, moldado num conjunto intenso de conhecimentos. Na sua vontade civilizatória, Goethe, naturalista e artista, contou com uma noção precisa acerca das metamorfoses decorrentes do processo mundial de trocas de valores culturais. Entre os nossos, Graciliano Ramos (1892/1953) também trabalhou com transubstanciações. Em Vidas secas (1938), conforme observou em carta para João Condé, construiu personagens de maneira metamórfica: Baleia tem origem na notícia de uma cachorra sacrificada na Maniçoba; o avô Pedro Ferro transformou-se em Fabiano; a avó, em Sinhá Vitória; os tios, nos dois meninos. O episódio do Inferno, percebeu-se depois, originou outro, homônimo, em Infância (1945). Em Vidas secas, ele acontece quando o menino mais velho pede à sua mãe, Sinhá Vitória, explicações sobre tal lugar de sofrimento e dela recebe um cocorote. Em Infância, Graciliano constata que, diante da necessidade de recordar-se menino até os seis anos de idade, metamorfoseou-se em personagem de uma obra memorialista. No episódio do Inferno um menino, novamente, questiona sua mãe e dela tem uma explicação impaciente sobre o sentido de inferno. Neste trabalho, comparamos as duas obras de Graciliano Ramos e analisamos semelhanças e diferenças entre episódios identicamente nomeados. Acontecimentos de motivos idênticos, vistos e revistos em obras distintas, mostram-nos que o escritor não trabalha exclusivamente com tipos de uma mesma dimensão ou somente de uma região; quer ele estimar, acreditamos, a proporção da amargura que passa pelo interior das personagens implicadas nos dois episódios anunciados. O tema da amargura ganha figuras nos dois textos, que motivam e sustentam suas narrativas. O conceito de weltliteratur de Goethe representa a possibilidade vislumbrada pelo autor de um dado texto compará-lo, nos seus nexos, com outros, na contextualização de valores e na construção de uma cultura literária abrangente para o espírito. Acreditamos que o semelhante se dê em relação a Graciliano Ramos; no caso, a partir da feitura de suas duas obras, em atmosferas culturais localizadas nas épocas dos seus lançamentos: a primeira no interior do modernismo já avançado e a segunda no âmago da revisão do próprio movimento; situações localizadas no contexto mundial do início e final da primeira metade do século XX. Vidas secas e Infância voltaram-se para as qualidades e falhas do indivíduo no homem, numa visão, para nós, além de regiões ou fronteiras.