Oral (Tema Livre)
458-1 | A ESTÓRIA EM TUTAMÉIA COMO PROJETO POLÍTICO-LITERÁRIO | Autores: | Maryllu de Oliveira Caixeta (UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) |
Resumo Os fragmentos do jovem Schlegel inauguram o estatuto da literatura moderna aproximando-a da poesia e distinguindo-a da abrangente concepção retórico-humanista herdada do Renascimento. A literatura continua indefinida e seu estudo foi subordinado ao da história desde então até boa parte do século XX. Os primeiros românticos alemães principiaram a tematização da literatura e desdobraram o postulado kantiano da autonomia da experiência estética, embora as vertentes românticas que fundam a concepção de literatura no sujeito individual, como expressão, tenham obtido maior ressonância entre leitores e críticos. A noção de autonomia da arte pressupõe um sujeito não integrado à comunidade e a crescente inoperância da ordem metafísica com o desmembramento do sensível e do inteligível pela eleição da razão analítica como direcionamento. O homem consciente de si como sujeito da história dessacralizada também experimentou o desamparo que desde então estimula a nostalgia romântica que a modernidade atualizou em propostas estéticas. Considerando a inauguração romântica da literatura moderna e seu caráter crítico na linha dos fragmentos do jovem Schlegel, propomos o estudo comparado de aspectos do projeto literário de Guimarães Rosa, especificamente do modo como esse autor apresenta e discute a forma estória na última obra que editou em vida. Tutaméia - terceiras estórias é composta por quarenta minicontos e quatro prefácios agrupados como estórias no índice inicial da obra. O autor começa o primeiro prefácio de Tutaméia, “Aletria e hermenêutica”, apresentando a forma estória por seu modo de ser diferente da história (gênero narrativo) por vontade e da História (processo social) por dever. “A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História. A estória, às vezes, quer-se um pouco parecida à anedota”. A definição quase totalmente negativa do modo de ser da estória alude à hierarquização aristotélica entre a poesia e a história, depois apresenta a anedota de abstração como dispositivo mínimo para análise “nos tratos da poesia e da transcendência”. O prefaciador retoma e confunde os critérios aristotélicos da inteligibilidade e superioridade filosófica da poesia ao inventar a categoria “anedota de abstração” que inclui não-sensos como os dos sofistas cujos pressupostos éticos preocupavam Aristóteles. Os limites da forma literária são problematizados na aproximação da estória com formas narrativas comunitárias comparadas à anedota de abstração: o Koan, a adivinha e o provérbio. Guimarães Rosa define a estória como ser e paradoxalmente trata-a como constructo ficcional, ou seja, eleva a invenção à condição moderna de mecanismo produtor de supra-senso tradicionalmente atribuído à ordem metafísica com que a modernidade rompeu. A definição quase totalmente negativa da estória a inclui no heterogênico terreno do literário e a intenção de comunicar é reiterada por quatro prefácios e na contribuição de formas narrativas comunitárias e orais. O projeto político-literário de Rosa aconselha outras leituras e paciência. Conforme declarou em entrevista a G. Lorenz, como reacionário da língua cultivava a idéia antiga mas sempre moderna de que o som e o sentido se pertencem e a missão do escritor depende do postulado antigo da poesia como reativação do caráter motivado do signo. |