Oral (Tema Livre)
906-1 | Como pintar um atuto-retrato: errância e descentralização da escritura em Rousseau e André Breton | Autores: | Marta Dantas da Silva (UEL - Universidade Estadual de Londrina) |
Resumo Jean-Jacques Rousseau, na tentativa de se defender daqueles que supostamente o perseguiam, concebeu um projeto: escrever — não literatura mas contra a literatura — toda a sua história, toda sua vida afim de mostrar-se por inteiro ao público; eis suas Confissões. Mas para não deixar a menor lacuna escreveu, em seguida, seus Diálogos e, ao perceber que se perdeu no caminho em que esperava se achar, escreveu seus Devaneios de um caminhante solitário na esperança de responder a pergunta “quem sou eu mesmo?”. Para responder tal questão, descobriu que o que importava não era tudo dizer, mas dizer o tudo do imediato e terminou por descobrir que a verdade do que escrevia residia no seu próprio erro: “Estou persuadido de que somos sempre bem pintados quando nos pintamos nós mesmos, inclusive quando o retrato não é nada semelhante”. Para tanto, abandonou o ideal clássico de escritura, também a linguagem ordinária e se lançou num movimento em que as palavras não reproduziam mais a realidade prévia mas sim sua verdade a partir de um desenvolvimento livre e ininterrupto. A possibilidade de alcaçar a verdade sobre si mesmo residia nas palavras em liberdade, num abandono a um acaso íntimo. A busca do “verdadeiro eu” cedeu espaço para a invenção de si por meio do devir da linguagem. Desta forma Rousseau inaugurou, com o pacto do eu com a linguagem, uma nova atitude que se tornou a da literatura moderna; e deu origem a uma nova concepção de linguagem que tem o surrealismo como herdeiro. O surrealismo, por sua vez, pretendeu abandonar a linguagem como instrumento para torná-la “vida imediata” por meio da escrita automática e de outros experimentos; promoveu a mesma à sujeito, ou melhor, a linguagem, nada mais tendo a ver com o sujeito, parecia dizer adeus à literatura. O problema ético colocados pelos surrealistas — não fazer literatura mas viver poeticamente, não fazer obra de arte mas transformar a vida em arte — levou-os, entre outras coisas, à pesquisa artística e literária e, paradoxalmente, o surrealismo criou uma estética e uma nova noção de literatura, descentralizada, que não expressa mais a liberdade mas que é a própria liberdade e justamente por isso, pode ter eficácia e sentidos extraliterários. Essa comunicação visa refletir sobre “as reververações éticas e estéticas no decurso da descentralização da escritura” a partir de duas experiências errantes que buscavam reponder a mesma pergunta, “quem sou eu?”: a de Rousseau e a de André Breton em Nadja. Além destes autores, Maurice Blanchot, Jean Starobinki, Margarite Bonnet, entre outros, serão nossos guias. |