Oral (Tema Livre)
504-1 | Meu nome não é ninguém: os excluídos em Cidade de Deus | Autores: | Martha Sertã Padilha (UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro) |
Resumo A exclusão é um dos assuntos recorrentes entre nossos escritores contemporâneos. Esse tema não é, aliás, novo para a literatura. O título mesmo desse trabalho evoca a célebre passagem da Odiseia, em que Ulisses sobrevive e salva seus companheiros de um inimigo mortífero exatamente, ao omitir sua identidade, anulando-se como pessoa. Bem diferente é a situação dos excluídos da vida real, que reivindicam o reconhecimento de sua identidade e exigem ser vistos como gente. Hoje a fala dos excluídos se superpõe à de Ulisses: “Meu nome não é ninguém”. Podem ser citados inúmeros exemplos de autores que, sensíveis a esta realidade, retrataram a figura de excluídos, desde o século XIX e atravessando o século XX.
Porém, na atualidade mais recente, percebe-se uma forma diferente daquela tratada no final do século XIX, ou ao longo do século XX, que mostrava pessoas e ambientes de forma mais velada, com certo pudor que a ficção sabe camuflar e a dignidade humana merece. Agora, as portas do submundo foram escancaradas, com narrativas como Cidade de Deus (Paulo Lins: 1997), Estação Carandiru (Dráuzio Varela: 1999), Meu nome não é Johnny (Guilherme Fiúza: 2002) e Falcão: meninos do tráfico (MV Bill e Celso Athaydel: 2006).
A noite e seus encantos, os becos, o submundo, a criminalidade abrem suas portas e apresentam-se assim como são, sem meias-palavras.
Esse trabalho pretende estudar o processo de exclusão no romance Cidade de Deus, que se passa na favela, na periferia de uma grande cidade. O contraste, a tensão é visível desde a localização geográfica até os temas que perpassam a obra: a imundície, a pobreza, a penúria de bens simbólicos, a ausência do poder público e da legalidade, o vício, a droga, o tráfico de drogas, a ilegalidade, a contravenção, o crime organizado, a corrupção policial, a violência, a barbárie e a pornografia.
Pretendo analisar a obra sob o prisma dos filósofos idealistas do século XIX, sobretudo em relação às suas abordagens sobre o sentimento trágico, que, além estar presente nas relações, sentimentos e inquietudes do homem moderno, se agudiza na realidade dos excluídos. Nesse sentido, procurarei os vestígios de tragicidade que podem ser verificados nas situações descritas e nas relações entre os personagens.
Por se tratar de um romance escrito no final do século XX, esses traços não poderiam deixar de estar presentes, caso contrário, não representaria a realidade de seu tempo. Tanto os bandidos de Cidade de Deus quanto seus trabalhadores vivem numa tensão nervosa, maximizada, momento após momento. O ambiente é tenso, as situações são tensas, assim como as relações entre os personagens. Enfim, tensão, descarga emocional, expectativa, medo dominam a narrativa. Em alguns momentos, no entanto, percebemos uma suspensão na narrativa, em que não mais predomina a intensidade dos fatos, a tragédia, mas o sentimento da gravidade e medo, a densidade trágica, o trágico. São esses momentos que pretendo captar, a partir do pensamento de alguns teóricos alemães do século XIX, analisando a passagem do estudo da tragédia para a filosofia do trágico.
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