Oral (Tema Livre)
887-1 | Estética da fratura e ética da memória: intraduzibilidade e representação testemunhal da Shoáh na poética de Logocausto, de Leandro Sarmatz | Autores: | Fernando Oliveira Santana Júnior (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco) |
Resumo O objetivo deste trabalho é analisar a temática da Shoáh em Logocausto, obra do poeta, jornalista, dramaturgo e escritor Leandro Sarmatz (1973-), de 2009, e que se insere na literatura brasileira contemporânea de expressão judaica. Nossa análise dessa temática se deterá nos poemas que têm ligação com a Shoáh, com reflexões sobre a estética da fratura, a ética da memória, o testemunho. Por estética da fratura entendemos, no caso da poética de Sarmatz, o modo pelo qual o trauma implode as estruturas miméticas de uma concepção tradicional de poesia lírica, pois a representação testemunhal da Shoáh se esbarra num evento bárbaro que pôs em xeque os conceitos tradicionais de representação tanto na teoria literária quanto na historiografia. O aspecto estético é afetado pela preservação e pela transgressão do real, bipolaridade que no caso da Shoáh ocasiona, devido ao excesso de realidade do Lager, uma fissura entre o real e o irreal, exemplificado por Primo Levi, em A trégua, e também presente em Logocausto. A (des)estruturação fragmentária do poema Logocausto, por exemplo, eclode uma poetização instável da realidade rasurada pelo trauma da Shoáh, pois a linguagem desse poema e de outros redefine o real como o fundo lugar no qual nem mais o fundo é divisado, como diz o poeta no poema A forma de uma ideia. Essa linguagem poética se configura no que Maurice Blanchot chama de L’écriture du désastre; escrita das cinzas da barbárie, Logocausto é uma poética do desastre, desastre que, segundo Blanchot, é a força da écriture du désastre, caracterizado pelo excesso marcado por uma perda impura, e cujo limite é o que escapa à absoluta experiência. A ética da memória, em Logocausto, é o dever do testemunho segundo a concepção de Elie Wiesel, em Por que escrevo?: o de não dever nada a ninguém e tudo aos mortos da Shoáh, escrevendo-os para não serem engolidos pelo esquecimento e para ajudá-los a derrotar a morte, ou, como atesta Roney Cytrynowicz, em Memória da barbárie, para que a Shoáh não se inscreva como mais um mero fato passado na memória da Humanidade. Assim, a memória da Shoáh se coloca como força-motriz da tradução do passado, numa reescrituração aberta, que labora a partir do trauma da recordação patológica dos sobreviventes, para que eles, o “outro/ ‘resto’”, no dizer de Seligmann-Silva, reivindiquem sua voz de uma maneira não anteriormente realizada. Nesse sentido, mesmo distante da geração da Shoáh, o poeta-neto verseja em Logocausto uma poética do testemunho; o zeugnis, dentro da concepção psicanalítica do trauma, conforme Seligmann-Silva, e ao mesmo tempo dentro de uma conceituação a partir do hebraico, que proporemos: “edút, um testemunho-memória para as gerações do povo judeu. Diante do exposto, Logocausto condiz com a reflexão de Sidra DeKoven Ezrahi: uma nova ética e uma nova estética da representação que estão sendo moldadas tendo a Shoáh como fundamental ponto de referência. Consequentemente pensamos Logocausto como interpenetração poética entre o estético e o ético, mantendo a tensão entre a (im)possibilidade e a necessidade da tradução testemunhal da Shoáh. |