Oral (Tema Livre)
108-1 | O PANGARÉ, O VIRA-LATAS E O BURRICO | Autores: | Rauer Ribeiro Rodrigues (UFMS / CPAN - Universidade Federal de Mato Grosso do SUL) |
Resumo A aguerrida competitividade que permeia as relações sociais e interpessoais, no Brasil, transita e mescla de aspectos pré-cabralinos a pós-industriais, tendo no âmbito acadêmico face institucionalmente fomentada pelo produtivismo imposto ao trabalho de pesquisa em área de lenta maturação como é a dos estudos literários. Essa competitividade divide o universo em dois mundos — os bons e os maus, os decentes e os indecentes, os incorruptíveis e os corruptos, os gênios e o restolho, os que são fonte e os copiadores. Tal concepção não decorre tão só das imposições estatais, antes vem dos fundamentos basilares da civilização ocidental, que biblicamente opõe os puros e tementes àqueles decaídos no pecado. No âmbito da diacronia histórica, a visão que o brasileiro tem de si mesmo termina por pagar o preço da dicotomia apontada, fazendo com que nos vejamos sempre como o pangaré ou o vira-latas. No complexo de vira-latas, sentimo-nos vicejando dos restos do grande banquete universal: somos despossuídos de qualquer bem ou valor e perambulamos sarnentos, desprezíveis, magros, famélicos, catando o que quer que sobre, procurando com o que nos alimentar como moscas varejeiras. No complexo de pangaré exercitamos toda a nossa profunda incapacidade de competirmos, de crescermos, de superarmos nossas deficiências estruturais, de nos realizarmos no concerto universal das nações, de sermos alguém mais que papagaios ventríloquos dos verdadeiros gênios da humanidade. Entre o vira-latas e o pangaré, ao olharmos o quintal vizinho, sempre o percebemos mais verde, mais florido, mais guarnecido dos manjares da existência, os quais nunca vamos fruir. Desse conúbio histórico nos resta o perene julgamento de que a literatura brasileira é ramo menor de galho secundário no jardim das musas, o que aliás é desdobramento óbvio da pequenez de nossos estudos filosóficos, da incúria de nossos governantes, da insuficiência dos fundamentos de nossas pesquisas, da ausência de um pensamento nacional autônomo, da falta de proposições teórico-metodológicas aclimatadas à realidade desses trópicos sul-americanos. Fadados estamos, pois, a ser burrico de carga carreando para os centros hegemônicos não só riquezas materiais, mas também nossa alma, corações, lágrimas e sangue, além de nossa inteligência. Não concordo com essa visão. Vislumbro, ao longo de nossa história, motivos para nos avaliarmos de forma diversa. Vejo, em muitos momentos de nossa literatura, a emersão de inventores e a produção de mestres que configuram um sistema literário frondoso, capaz de ombrear com qualquer outro, seja considerando nossos exíguos quinhentos anos de labor em língua portuguesa, seja mesmo não condicionando o juízo a tal circunstância. O objetivo desse ensaio é mostrar aspectos na literatura em que o Brasil nada fica a dever aos centros hegemônicos na economia e na cultura. |