Oral (Tema Livre)
119-1 | DE JAGUNÇOS FALSOS, “VERDADEIROS” E BANDIDOS: GUERRA E LITERATURA | Autores: | Penna João Camillo (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro) |
Resumo Para além da tipificação cultural do malandro, ou moral-policial do criminoso, há quem sabe uma outra figura, que subsume as duas, e que nos permitiria talvez um olhar enviesado para historicizar a criminalização do malandro na cultura brasileira recente. Esta figura é o "inimigo". País considerado pacífico, a história do Brasil é, no entanto, pontuada por guerras fundadoras, cujos nomes—Paraguai, Condestado, Canudos, para citar apenas alguns—contra inimigos internos ou externos, assombram ao mesmo tempo que estruturam a nação. Nesta comunicação examinarei brevemente três livros centrais da literatura brasileira, os três centrados na guerra. São eles: "Os sertões" de Euclides da Cunha (1901); "Grande Sertão: veredas" de João Guimarães Rosa (1956); e "Cidade de Deus" de Paulo Lins (1997). Guerras sem dúvida diferentes, contra inimigos diferentes, diferentemente ficcionalizadas a partir de guerras históricas. O que teriam em comum as sucessivas campanhas armadas do governo contra a “Tróia de taipa” habitada por religiosos no interior da Bahia, as guerras entre grupos armados chefiados por senhores locais no interior de Minas Gerais, e a guerra entre facções do narcotráfico no conjunto habitacional da zona oeste do Rio de Janeiro? A figura do inimigo interno: jagunço, ou bandido, isto, é “banido”. As analogias vão muito além do conhecido binômio da pobreza brasileira: sertão-favela, mas seria preciso começar por ela, ou mais precisamente por uma história dos nomes. É sem dúvida uma grande ironia histórica o deslocamento onomástico que fez com que a “favela”, que nomeava o morro nas imediações do arraial de Canudos, e suas 5.200 casas arrasadas, passasse a denominar as comunidades pobres em periferias urbanas brasileiras, na proliferação conhecida em larga escala, do “planeta favela”. Ou então, a falsificação onomástica de Euclides ao nomear “jagunço” os crentes de Antônio Conselheiro, criminalizando-os, mesmo que seja para, ao final, denunciar essa criminalização, e o extermínio que caracterizou o seu tratamento pelo estado brasileiro. Falsificação corrigida anos depois por Guimarães Rosa, ao colocar no centro de seu livro a formação dos bandos armados de “jagunços” de fato, e a guerra entre “clãs rurais”, para usar a expressão de Oliveira Vianna. Ou a guerra entre "bandidos" donos de boca na favela produzida pela política de remoção de favelas situadas na zona Sul do Rio de Janeiro durante o regime militar brasileiro. |