XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:237-1


Oral (Tema Livre)
237-1A HISTÓRIA DE GRACILIANO
Autores:Marcos Falchero Falleiros (UFRN - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE)

Resumo

Graciliano Ramos, autor-ator, dá provas de que a obra literária vem do mundo e da história – uma obviedade que o bizantinismo contemporâneo obriga a lembrar. É essa de fato a complexidade do óbvio, sua singela visibilidade requerendo a interpretação da obra literária, operação que deverá lembrar-se da opacidade da linguagem, que é sua essência, ao ser, como linguagem, resultante da infinidade de significações potenciais da referência esparsa. Num ensaio de combate à bizarria, Alfredo Bosi observa as relações de ler-colher e interpretar-escolher: “Entre o querer-dizer e o texto ultimado há a distância que separa (e afinal, une) o evento aberto e a forma que o encerra”. Frisa os termos trazidos da estética de Carlo Diano: evento e forma. O evento deve ser visto como um modo mais complexo de dizer conteúdo: é a experiência do mundo subjetivada no artista, à qual ele dará forma em sua expressão estética. Antonio Candido lembra em “A personagem do romance” que no desenvolvimento novelístico as ideias são o enredo, e o enredo é a personagem: “estes três elementos só existem intimamente ligados, inseparáveis, nos romances bem realizados”. Observa a relação entre realidade e ficção, que faz desta um filtro daquela, porém com estrutura própria na montagem interna de coerência e verossimilhança, mais articuladas que a vida. A autoria, unidade daquela trindade, é a fonte da memória do processo criativo, por onde se darão os níveis gradativos de aproximação e afastamento do real para a produção das personagens, isto é: das ideias, ou seja: do enredo – personagens copiadas, recompostas, alusivas, deformadas, condensadas a partir da realidade e da corrente coletiva da arte, que o artista absorve e trabalha. O percurso biográfico que acabou por conduzir Graciliano Ramos à autoria literária nasceu de uma alfabetização infeliz e do consequente incitamento para decifrar as letras, sob a promessa de uma colheita do mundo à maneira de os astrônomos lerem as estrelas do céu – imagem que a doce prima Emília lhe sugeriu para apaziguar as agonias em busca de sentido do menino semianalfabeto. Tal será a condição do escritor, que experimentará os temas ficcionais, gradativamente no descenso das três classes, sob as condições possíveis de sua origem, exacerbando-se na vitória de Pirro de Paulo Honório ou, encolhendo-se, “major” Graça aquém do coronel, mais ainda para baixo: da condição mediana sempre na corda bamba à falência rural definitiva em Luís da Silva. Aparentemente atinge a saída de si através de Fabiano e família, mas quem sabe auxiliado pelo primeiro aprendizado, “obrigado a participar do sofrimento alheio” com o moleque José, no episódio de Infância, quando, sinhozinho, enxerindo-se a ajudar o pai no castigo do moleque, o castigo do pai se voltou para ele. Particularidades banais tornam-se relevantes ao contextualizarmos o “autor-ator” (Rolando Morel Pinto) no seu percurso biográfico extensivo, sob cujas condições subjacentes da memória é conduzido, por exemplo, o momento específico de 1932, em que inaugurou a construtura da grande obra, articulada pela dialetização estética entre situação pessoal e avaliação histórica para a fantasia do enredo.