Oral (Tema Livre)
104-1 | CARTOGRAFIA(S) DE ORFEU NA POESIA BRASILEIRA | Autores: | Antônio Donizeti Pires (UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA) |
Resumo Tradicionalmente, o ciclo mítico de Orfeu constitui-se de quatro mitemas fundamentais: a) a fabulosa viagem ao lado dos Argonautas, em busca do Velocino de Ouro; b) o casamento infeliz com a ninfa Eurídice, que, vitimada por uma serpente, é logo perdida pelo poeta; c) a consequente catábase de Orfeu ao Hades, aonde vai para tentar resgatar a esposa do mundo dos mortos; d) por fim, a violenta morte de Orfeu, esquartejado pelas enciumadas bacantes da Trácia. Em todas as situações, sobressai o Orfeu portador da lira, cujo canto soberbo (música e palavra) encanta os monstros marinhos, os animais da Terra e outros elementos naturais, bem como os próprios deuses do mundo subterrâneo, Hades e Perséfone. Além destes aspectos, outros avolumam o “feixe de contradições” que é Orfeu, pois se crê que ele teria sido fundador de um culto mistérico e iniciático que leva seu nome, o Orfismo: este, mais propriamente vincado por aspectos místico-religiosos, nem por isso deixou de imiscuir-se nas representações mais estritamente mítico-poéticas do bardo lendário. Assim, se em alguns momentos da literatura universal tais representações "mais puras" possam prevalecer, em outros é quase impossível deslindar-se, no vasto acervo literário e iconográfico que provém de Orfeu, o limite entre questões estético-poéticas e questões ético-religiosas. Isto se dá principalmente a partir da modernidade romântico-simbolista, quando o poeta se caracteriza como demiurgo, iniciado, vidente, tradutor, profeta, vate, eleito... e tem em Orfeu seu protótipo platônico-ideal. No Brasil, ainda que não haja tradição de estudos sobre Orfeu e sobre o Orfismo, é possível vislumbrar-se pelo menos três fases (ou modos) diferentes da aparição de Orfeu em nossa poesia lírica: no primeiro (que vai, grosso modo, do Barroco ao Parnasianismo), ele é apenas tema e motivo; b) no segundo (que pode englobar Simbolismo e Pré-Modernismo, abarcando os anos de transição de 1893 a 1923), já subjaz certa "cosmovisão órfica" na obra de alguns poetas; c) no terceiro momento (a partir dos anos 1940/50 até a esta parte), decerto por influxo da divulgação, entre nós, de poetas como Rilke e Fernando Pessoa, constata-se a configuração mais plena e efetiva de uma poesia realmente órfica e original, em vários matizes, que pode misturar elementos mítico-poéticos e místico-religiosos típicos do ciclo de Orfeu; ou acrescer a estes atributos católico-cristãos; ou emular Orfeu com o poeta moderno decaído, sem função na sociedade capitalista; ou ainda explorar uma imagética mais tradicional, em termos de tema e motivo, dos vários mitemas que compõem a trajetória do lendário poeta-amante. Esta proposta de comunicação pretende colaborar, através da seleção e da leitura comparativa de poemas de autores dos três períodos esboçados, para o estabelecimento de uma história e de uma cartografia do mito de Orfeu na poesia brasileira, em seus vários e até contraditórios significados estéticos e éticos. |