XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:1163-1


Oral (Tema Livre)
1163-1O papel do horizonte histórico na percepção da forma poética: silenciamentos formais em traduções do verso de Dante, e suas implicações teóricas
Autores:Artur Almeida de Ataíde (UFPE - Universidade Federal de Pernambuco)

Resumo

Para além da variabilidade das acepções que um vocábulo possa ter, ou das ambivalências inadvertidas que a sintaxe de um texto possa esconder, dados esses que por si sós já parecem relativizar grandemente qualquer pretensa univocidade da página impressa, há ainda, sempre à espreita de qualquer leitura, atenta ou não a elementos estruturais, a possibilidade de se dar o que alguns chamariam uma superinterpretação do texto. Na leitura, diz enfim Barthes, “a estrutura se descontrola”. Com base num caso concreto – as traduções do decassílabo de Dante para o português, e eventualmente para outras línguas –, o nosso trabalho visa a demonstrar de que modo mesmo a percepção do padrão acentual de uma cadeia de vocábulos – a percepção do material linguístico, diriam os formalistas – pode estar também sujeita, no momento da leitura, a um condicionamento segundo códigos contingenciais e históricos, formadores do olhar que lê. A neutralização sistemática – inclusive por tradutores contemporâneos atentos à composição formal, como Augusto de Campos ou Décio Pignatari – de variações métricas não apenas típicas da época de Dante, mas defensavelmente utilizadas, segundo nossa análise, com fins expressivos, pode ser o resultado de uma sedimentação, em nossos modos de ouvir, escrever e traduzir o decassílabo, de costumes métricos que se tornaram hegemônicos na tradição de língua portuguesa ainda à época do Renascimento. Tais costumes – basicamente, a acentuação par introduzida na península por Sá de Miranda – não comportariam a totalidade das cadências do corpus dantesco, dois séculos mais antigo. A partir da confrontação e da discussão de trechos da Lírica de Dante e de suas traduções, é então possível trazer-se à tona um exemplo do jogo dinâmico entre desvendamento e simultânea constituição da alteridade – indecidível claro-escuro – que se dá quando uma cultura, uma época ou um sujeito se volta sobre um(a) outro(a). Problematizar a pretensão de imediaticidade perceptual da forma, ou a forma pura e meta-histórica, longe de pôr em cheque a concepção do poema como palco de uma experiência também sensorial, vem apenas atualizá-la, tornando-a (essa concepção) permeável a questionamentos que já se dão há tempo na teoria: questionamentos acerca da objetividade de elementos do texto ou da interpretação, e, por extensão, acerca do ideal de neutralidade – semântica ou métrica – do tradutor.