Oral (Tema Livre)
486-1 | Machado de Assis cronista | Autores: | Mariana da Silva Lima (UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro) |
Resumo A comunicação irá apresentar as conclusões parciais obtidas na pesquisa de tese de doutorado intitulada "Machado de Assis, um cronista na Primeira República - Visões do país na série 'A Semana'", que tem por objeto a última série de crônicas publicadas pelo autor (entre 1892 e 1897 na Gazeta de Notícias). O estudo comparativo entre a série "A Semana" e as séries anteriores, além de três outros textos de 1859, propiciou um novo eixo de análise e sugeriu algumas hipóteses relativas à influência do mecanismo editorial sobre o conteúdo e a forma das crônicas machadianas em momentos-chave do processo histórico brasileiro no final do século XIX.
Em dois artigos de 1859, Machado louva os avanços da indústria e, em particular, o jornal como “grande veículo do espírito moderno”. Tanto em “O jornal e o livro” quanto em “A reforma pelo jornal”, o escritor argumenta que o jornal representaria “um sintoma de democracia”, uma vez que, constituindo-se como espaço propício ao debate público, possibilitaria o questionamento do status quo e a derrota das monarquias. O argumento liberal, contudo, é relativizado em outro texto do mesmo ano – “O folhetinista”, que indica a existência de um problema de transposição da crônica do solo europeu para o brasileiro. Em 1876, outra crônica já aponta uma clara mudança em relação àquela primeira percepção, muito influenciada pela ideologia liberal, que via no jornal “o gérmen de uma revolução” não apenas literária, mas também social e econômica. Este novo texto, em que o cronista comenta o recenseamento do Império – “do qual se conclui que 70% da população não sabe ler” –, aponta claramente o obstáculo que o analfabetismo representava para a democracia.
Essa consciência mais aguda da realidade brasileira vai gradualmente penetrando seus textos e se intensifica na década de 1870, de modo que esse conteúdo social se sedimenta na forma literária (Adorno). Assim, o período compreendido entre as séries “Badaladas” e “Bons dias!” mostra que Machado foi desenvolvendo literariamente formas de expressar o nó ideológico (na expressão de Roberto Schwarz) que representava o liberalismo no país.
Quando finalmente chegamos à série “A semana”, é possível perceber a maestria do autor no trato com a forma literária, e a exposição daquela tensão por meio de recursos complexos e variados. Sintomaticamente, o final da série coincide com uma grande encruzilhada na história brasileira: a campanha de Canudos. As sete crônicas que abordaram esse assunto (dispersas entre 1893 e 1897) parecem revelar uma nova visão por parte de Machado quanto ao papel da imprensa na modernidade e aos limites da posição dos intelectuais. Nota-se uma oscilação de posições contra e a favor dos canudenses, o que expressaria uma dificuldade do autor de assumir uma postura diferente daquela defendida não só pela Gazeta de Notícias como também pela imprensa como um todo. Se a hipótese estiver correta, isso significa que Machado teria chegado a uma percepção segundo a qual a imprensa não só pode ignorar as desigualdades sociais, mas ainda pode ajudar a aprofundá-las.
Instituição de fomento: FAPERJ |