XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:371-1


Oral (Tema Livre)
371-1Entre transculturalidade e moradia fixa: a representação do espaço brasileiro em obras de Ulrich Becher
Autores:Ruth Bohunovsky (UFPR - Universidade Federal do Paraná)

Resumo

No seu livro Literaturen ohne festen Wohnsitz (literaturas sem moradia fixa), Ottmar Ette diferencia entre as práticas mono- inter- e transculturais, e entre as mono-, inter- e translinguais (2005: 21), para sistematizar as possíveis representações da alteridade em escritas literárias que transitam entre línguas e culturas diversas. Enquanto uma prática mono- ou intercultural e/ou mono- ou interlingual se baseia numa clara delimitação entre diferentes universos culturais e/ou linguísticos, uma prática transcultural e/ou translingual impossibilitaria tal separação, já que se caracteriza por constantes ligações transversais entre esses universos, sem definir limites claros. Partindo desses conceitos, analisamos a representação do espaço social e linguístico brasileiro em obras selecionadas de Ulrich Becher – autor de língua alemã que viveu exilado no Brasil entre 1941 e 1943. Definimos o Romanceiro brasileiro – escrito pelo referido autor sob a influência concreta da experiência de exílio e do seu estranhamento frente à alteridade cultural – como um exemplo de uma obra literária em trânsito, de caráter transcultural e translingual. Nesta obra, a voz do eu lírico e do próprio autor não apenas cedem espaço para a voz do outro, mas se entrelaçam com perspectivas narrativas e práticas discursivas desse outro de uma tal maneira que torna-se impossível definir limites - provocando assim uma irritação da dominante representação do Brasil em escritas e discursos europeus da época. Porém, obras escritas depois da volta de Becher à Europa (Makumba; Samba) evidenciam uma volta também a modelos altamente estereotipados de representação de alteridade cultural, criados e alimentados por representações anteriores do Brasil e marcadas pela voz do europeu com poder de interpretação em relação ao outro que é sempre diferente. Assim, a fase “em trânsito” na vida do autor Ulrich Becher coincide com a produção de uma obra literária “sem moradia fixa”, enquanto a volta à Europa traz consigo também à volta a uma literatura “de moradia fixa”, que levanta e confirma supostos limites claros entre universos culturais e linguísticos. É interessante mencionar ainda que as condições de recepção das obras aqui analisadas de Ulrich Becher nos países de língua alemã nas décadas pós-guerra foram bem mais favoráveis àquelas que definimos como interculturais e –linguais, a serviço de uma prática representativa que satisfaz as expectativas do leitor/espectador quanto à sua própria superioridade cultural e diferença clara em relação ao outro, neste caso, o brasileiro. Tais condições de recepção das obras discutidas também serão abordadas na comunicação.