Oral (Tema Livre)
874-1 | Na clave da fadiga intelectual | Autores: | Tiago Hermano Breunig (UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina) |
Resumo Nos anos 1920, a fadiga intelectual emerge no pensamento marioandradiano como motivo da poesia dos precursores dos modernistas, de modo que a distração se oferece tanto como condição da poesia moderna, quanto como objeto, dada a poeticidade do estado de distração, a exemplo do devaneio que Baudelaire procura apreender na poesia.
O simultaneismo que se experimenta com a modernidade equivale, na teoria marioandradiana, deslocada da teoria musical para a poesia, ao harmonismo ou polifonismo, provenientes, segundo o autor, da “teorização de certos processos empregados quotidianamente por alguns poetas modernistas”. E a fadiga intelectual aparece, para o autor, condicionada justamente ao nivelamento e ao sincronismo dos sentidos, provocados pelo excesso de atenção subjacente a uma “intelectualização exagerada” que caracteriza a modernidade.
Nesse sentido, na medida em que realiza a simultaneidade por meio da harmonia e da polifonia, a musicalidade “encanta e sensualiza grande parte da poesia modernista”, como evidencia exemplarmente a obra mallarmeana. E, assim, contamina a poesia com a irrepresentabilidade e ininteligibilidade intelectual que a caracteriza. Afinal, a arte musical se define pela impossibilidade de representação e intelecção por meio dos fatores musicais e, sobretudo, por ser desprovida dos defeitos dos sentidos e da moral. A teoria marioandradiana ressoa, assim, a afirmação de Nietzsche de que a poesia consiste em uma linguagem dotada de um impulso musical que se manifesta em detrimento de uma moral, compreendida como uma recusa da vida e um sinal de uma profunda fadiga.
Nos mesmos anos 1920, no entanto, o serialismo de Schoenberg, ao abolir sistematicamente o tonalismo, rejeitando, para tanto, as categorias tradicionais da arte musical, ironicamente potencializa a intelectualização da linguagem musical no campo erudito. Se em meio a um momento de crise em que o questionamento das formas, que condiz, como observa Foucault a respeito de Boulez, com o questionamento do sentido, a calculabilidade radical dos processos composicionais das vanguardas musicais, muitas vezes influenciadas pela poesia, transforma profundamente a musicalidade constitutiva da teoria marioandradiana da poesia modernista, o que permanece presente em sua teoria?
Ora, se as vanguardas musicais se afirmam, nas palavras de Pierre Schaeffer, ironicamente como “a representação rasteira do mundo que fabricamos”, a sua matematização e aritmetização reflete um mundo que, como o seu produto musical rigorosamente calculado e racionalizado, permanece invariavelmente sem sentido. Afinal, o impulso irracional da musicalidade permanece associado com a linguagem, sobretudo com a poesia, que se manifesta, como observa Nietzsche, como uma “disposição musical” inerente ao ato de poetar, e reconcilia, para sempre, a arte musical e a poesia. Pois, como afirma Jean Wahl, “la poesie est plutôt création d’un langage ou d’une musique, d’un langage qui est une musique”, ao mesmo tempo que o instante do poeta, segundo Wahl, condensa “une multitude d’instants”, precisamente como uma sorte de simultaneidade.
A discussão a respeito das artes e seus regimes autonomistas, particularmente estabelecida nos limiares da poeticidade e da musicalidade, constitui o objeto deste trabalho, visando a ressoar a questão do que é e o que não é literatura. |