Oral (Tema Livre)
1128-1 | A poética e os xamanismos: Ted Hughes | Autores: | Sérgio Alcides Pereira do Amaral (UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais) |
Resumo Ted Hughes (1930-1998) declarou em entrevista que a arte “talvez seja o componente psíquico do sistema imunológico”. Para o artista, ela atua como cura; para os outros, como remédio. “Daí nossa enorme e insaciável sede por ela”. No cerne da poética de Hughes está uma radicalizada concepção de poesia como terapia, assim pensada em via de mão dupla, seja na escrita (ou na oralização), seja na leitura (ou na audição). Tal idéia tem uma longa história. Giorgio Agamben relembra em Stanze que os médicos antigos prescreviam a música ou a recitação de versos para os que sofriam das desordens amorosas, em busca de uma “cura espiritual” superior. M. H. Abrams retraçou as fontes principais de um debate sobre a poesia como catarse, no período moderno. Na própria tradição inglesa, o ideal de cura pelo discurso se aproxima da poesia em antecedentes do porte de Shakespeare (“Give sorrow words”, diz o conselho de Malcolm contra a “dor que não fala”, em Macbeth) e de Keats (para quem o poeta é aquele que “passa o bálsamo no mundo”). Hughes, porém, sem se desprender dessa tradição, representa dentro dela um ponto de ruptura com o legado intelectualizante do humanismo europeu, visto por ele como estéril. Num contexto de declínio da modernidade e do ideal civilizatório que a Europa representou até a Segunda Guerra Mundial, Hughes ergueu uma poética radicalmente aberta a contaminações heterodoxas, dentre as quais se destaca o seu interesse fundamental pelos xamanismos, sobretudo no que diz respeito à cura e ao enfrentamento dos tormentos psíquicos e espirituais. O estranhamento, então, torna-se constitutivo da poesia também num sentido cultural – tão contrastante a ponto de exigir do sujeito, antes de mais nada, estranhar-se de si mesmo e dos limites do individualismo ocidental. A poesia passa a ser concebida e vivida como a violenta transformação psíquica trazida por uma “morte mágica”: “Os resultados, quando o xamã retorna ao mundo dos vivos, são a manifestação de algum poder de cura, ou uma mostra de informação clarividente”. |