Oral (Tema Livre)
561-1 | Ficcionalizando o real, realizando a ficção: romance e representação em Ruy Duarte de Carvalho e Mia Couto | Autores: | Sueli da Silva Saraiva (USP - Universidade de São Paulo) |
Resumo As literaturas de Angola e Moçambique ascenderam de forma mais notória como “literaturas autônomas” a partir da segunda metade do século XX, acompanhando as revoltas anticoloniais que ganharam fôlego na década de sessenta e culminaram nas independências desses países em 1975. No decurso desse processo de emancipação política, a poesia e a prosa desempenharam papel fundamental como “armas” de repúdio ao colonialismo europeu, sendo que parte considerável dos mentores intelectuais e ativistas dos movimentos de libertação nacional era formada de escritores que, não raro, empunharam armas, literalmente. São, portanto, literaturas que emergiram firmemente atreladas à uma realidade social específica. A menos de quarenta anos do advento da independência de Angola e Moçambique, mas tendo já se constituído entre nós, brasileiros, um profícuo campo de estudo de suas literaturas, deparamo-nos com algumas questões pertinentes à representação ficcional da realidade desses jovens países, em obras cuja temática muitas vezes evoca algo do engajamento literário (no melhor sentido do termo) dos primórdios dessas literaturas nacionais. Chama a atenção o modo como tais narrativas fiam-se no contexto sócio-histórico e na experiência pessoal (biográfica e testemunhal) de seus autores para dar conta desse diálogo com o real, vislumbrado em sua forma e conteúdo.
Neste trabalho pretendemos abordar comparativamente o exercício do gênero romance (um alienígena enriquecido pela cultura que o acolhe) no âmbito das literaturas africanas de língua portuguesa, tomando como exemplos as obras: Os papéis do inglês (2000), do angolano Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010), e O último voo do flamingo (2000), do moçambicano Mia Couto (1955). Sabidamente, ambos os autores fazem convergir para a escrita literária ecos de suas ponderações críticas (comumente publicadas em textos de intervenção ou opinião), as quais, no plano da realidade, iluminam e denunciam um estado de coisas hostil, para usar um termo de Tânia Pellegrini (“Realismo: a persistência de um mundo hostil”. In Revista da ABRALIC, n. 14, 2009). É nosso interesse colocar tais narrativas em diálogo com a proposta de Pellegrini, que observa hoje um revigoramento do realismo literário, tratado por ela como “refração” da realidade Considerando a estreita associação dessas narrativas ficcionais com a realidade social de onde se originam, pretendemos verificar que mecanismos literários possibilitam a esses autores representar ou “refratar” tal realidade na escrita romanesca. São narrativas de duplo mérito: provocam a crítica apegada aos enquadramentos canônico-formais, e desafiam os coveiros da representação realista na ficção. Esperamos assim confirmar mais um caminho interpretativo para a abordagem crítica do romance africano de língua portuguesa, nosso atual objeto de pesquisa.
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