XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:759-1


Oral (Tema Livre)
759-1Cordel e bush ballads: representações da autoridade na poesia popular do Brasil e da Austrália
Autores:Déborah Scheidt (UEPG - Universidade Estadual de Ponta GrossaUEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa)

Resumo

Brasil e Austrália compartilham de uma importante característica em comum: no coração de seus territórios encontram-se o sertão e o outback: vastas extensões de terras com paisagens climáticas, topográficas e vegetais menos propícias à habitação humana do que as áreas litorâneas e que seriam lugares de vazio, aridez, dureza, selvageria, isolamento e mistério. Uma rápida olhada no imaginário popular permite que tracemos paralelos entre alguns tipos humanos dessas regiões: sertanejos e bushmen, sertanejas e bushwomen, vaqueiros e drovers, indígenas e aborígenes. Como personagens-tipo eles compartilham de atributos mais ou menos semelhantes: conhecimento aprimorado de seu meio, sabedoria instintiva, valentia, errância, mateship (princípios de companheirismo em situações adversas, especialmente em face aos elementos naturais), altivez (mesmo quando desafiam a lei e a ordem), severos códigos de honra, rejeição à autoridade formal, entre outros. Do outro lado da escala de poder temos os antagonistas mais frequentes: senhores de terras, latifundiários, escravocratas, especuladores e a autoridade oficial (governo e polícia). A própria terra também pode se constituir um antagonista poderoso na forma de tórridas secas, fome, enchentes impiedosas, incêndios florestais... Dentre os movimentos sociais representativos desses grupos podemos chamar especial atenção para o cangaço e seu correspondente australiano, bushranging. As origens de tais fenômenos, no final do século XIX e início do XX, podem ser associadas a circunstâncias histórico-sociais ligadas às origens australianas como colônia penal e, no Brasil, aos sistemas de favorecimentos que desembocariam nos governos oligárquicos e no latifúndio. Lampião e o bushranger Ned Kelly são os personagens mais ilustres desses movimentos e distinguem-se por sua posição de extrema resistência em relação à autoridade formal. Eles têm características em comum reconhecidas por Eric Hobsbawm no âmbito do “banditismo social”: são considerados criminosos pelas instituições estatais, porém heróis, vingadores ou justiceiros pelo seu próprio povo. Para Hobsbawm os mitos construídos em torno das figuras de cangaceiros e bushrangers acabam se tornando mais relevantes do que suas ações propriamente (para as quais há pouco consenso), daí as representações ambíguas que nos chegam deles até. A literatura de cordel no Brasil e as bush baladas (narrativas musicadas, ou canções que contam uma história) australianas são algumas das formas literárias que se encarregam de propagar as façanhas desses personagens. Neste trabalho examinamos tais manifestações literárias, comparando-as e contrastando-as, chamando especial atenção para seu caráter complexo. Se por um lado, ao dar voz a grupos marginalizados de áreas periféricas elas assumem uma posição de contestação e resistência refletindo as ironias decorrentes das origens históricas e sociais dos dois países, por outro parecem corroborar noções de identidade nacionais (no caso da Austrália) ou “regionais” (no caso do Brasil), que, ainda nos dias de hoje, privilegiam valores essencialmente masculinos, caucasianos e de origem europeia. Bibliografia: HOBSBAWM, Eric. Bandidos. Barcelona, Editorial Crítica, 2001. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São Paulo: Paz e Terra, 1998. HUTCHEON, Linda. Irony’s Edge: the theory and politics of irony. London: Routledge, 1994. TAYLOR, Charles et al. Multiculturalism: examining the politics of recognition. Princeton: Princeton University Press, 1994.