XII CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
Resumo:457-1


Oral (Tema Livre)
457-1Marafa, 40 graus: palavra e olhar sobre o Rio
Autores:Ariovaldo José Vidal (USP - Universidade de São Paulo)

Resumo

As relações entre literatura e cinema têm quase sempre uma motivação dada pela própria obra de partida. O caso mais claro nesse sentido é o da adaptação, cujo diálogo é explícito. Entretanto, aparecem como surpreendentes determinadas aproximações em que o universo de uma obra ecoa o de outra arbitrariamente, sem que haja na origem qualquer intenção por parte dos autores. Nesse caso, a aproximação pode ser um ganho, e exigirá que as divergências entre as obras também sejam consideradas, a fim de evitar a leitura forçada. Um caso dessa natureza pode se dar entre o romance Marafa (1935) de Marques Rebelo, escritor carioca situado no quadro da ficção de 30, e o filme Rio, 40 graus (1955) de Nelson Pereira dos Santos, cineasta paulista que, em muito, antecipa com o filme o cinema que virá na década seguinte. Como a aproximação se dá pela leitura do leitor/espectador, sem que haja qualquer presença de uma obra na outra, essa leitura deve-se justificar de algum modo, ainda que com uma liberdade maior do que, por exemplo, o caso da adaptação (não menos rigorosa). Na aproximação das obras acima, o primeiro elemento de articulação é o espaço social da capital carioca (ainda ali capital do país), que conecta os episódios e determina o destino das personagens (por isso aparece implícita ou explicitamente nos títulos). Outro ponto decisivo a considerar é o modo de articulação formal das várias linhas narrativas que cada obra estabelece, criando um diálogo com a outra. Finalmente, para falar em grandes traços, a ação dramática desenhada por filme e romance, curiosamente apresentando certas identidades que, mais do que gratuitas, são fruto do universo comum vivido pelos seres de Rebelo e Nelson. Ao lado disso, surgem divergências marcantes entre os dois autores (os registros de tons por ex.), dadas no fato de uma obra pertencer à década de 30, já vivendo o clima de autoritarismo que só se agravará pouco depois, e a outra aos anos de 50, em que o trágico parece substituído por uma possível saída, o que leva também a diferentes perspectivas de seus criadores: de um lado, o ceticismo feroz do primeiro; de outro, a visada solidária (e comunista) do segundo. Terminadas tais obras, seus autores, de certo modo descontentes com o resultado, vão em busca de outra solução, saindo do romance/filme de espaço para outro, de personagem, uma personagem que domina a ação dramática: no primeiro caso, a cantora de rádio Leniza Maier do romance A estrela sobe (1939) de Rebelo e, no segundo, a personagem Espírito da Luz (interpretado por Grande Otelo), o compositor de sambas do filme de Nelson, Rio, Zona Norte (1957). Ainda aqui, nos temas e forma, os autores se encontram.