A forma como as palavras estão dispostas em uma produção literária e o sentido que elas despertam no leitor podem fazê-lo caminhar sobre a obra, a cada travessia de uma página, adentrando as portas do imaginário e, ao mesmo tempo, ofertando ao leitor a capacidade de transitar entre a fantasia e a realidade. Em Cem Anos de Solidão, um dos clássicos da literatura latino-americana, Gabriel García Marquez conduz o leitor a conhecer o teor da sua obra através do realismo fantástico, um ingrediente prodigioso da narrativa literária que combina elementos de caráter histórico juntamente a elementos fantasiosos, em uma alquimia tão bem dosada que acabou por elevar o romance do colombiano ao status de paradigma do realismo mágico. Contudo, o que aqui se propõe, baseando-se nas ideias de Tzvetan Todorov, é que este realismo mágico não se restringe à exterioridade que conceitua o Fantástico e o Maravilhoso, mas, sim, é configurado a partir da receptividade das personagens ao extraordinário, por intermédio de elementos e indicações intrínsecas à obra, saltando das páginas à construção conceptiva do leitor, não o caminho inverso. Objetiva-se, aqui, discutir não sobre a percepção leitora diante dos fenômenos “fantásticos” presentes na narrativa, mas a reação das próprias personagens, especificamente de José Arcádio Buendía e Aureliano Babilônia, frente aos episódios sobrenaturais que rondam a aldeia de Macondo, onde é narrada a saga da família Buendía. Estabelece-se uma linha condutora que passa pelo narrador, assim como pelos mistérios, maldições, enfermidades, tragédias e relacionamentos que envolvem as vivências em Macondo, para esmiuçar os sobressaltos das personagens perante o universo criado por García Marquez. Enfim, busca-se saber se essa lúdica arte, sob o fio quimérico da linguagem de seu criador, dá voz às suas criaturas para nos responder o que se indaga: o que é maravilhoso em Cem Anos de Solidão?
Palavras-chave: Cem Anos de Solidão., Realismo Fantástico., Estudo da Narrativa.