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LEITURA E ESCRITA LITERÁRIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RESIDUALIDADES, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS
- Cássia Maria Bezerra do Nascimento (UFAM) - cassiambnascimento@ufam.edu.br
- Ana Maria Furtado Néo (Universidade Federal do Ceará) - aninha.neo@gmail.com
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Literatura e ensino frente às censuras
- Ana Crelia Penha Dias (Universidade Federal do Rio de Janeiro) - anacrelia@gmail.com
- MARIA AMÉLIA DALVI (Universidade Federal do Espírito Santo) - dalvimariaamelia@gmail.com
- Rosana Cristina Zanelatto Santos (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/CNPq) - rzanel@terra.com.br
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O ensino de literatura infantil/infanto-juvenil: perspectivas e possibilidades
- MONICA ASSUNCAO MOURAO (UEMASUL) - monicamourao_15@hotmail.com
- Mariana Soares dos Santos (UFNT) - marisanttosoares@gmail.com
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REDES LITERÁRIAS E INTELECTUAIS: CIRCULAÇÃO E DIFUSÃO DO LIVRO, LEITURA E LITERATURA NA AMÉRICA LATINA E CARIBE
- Graciane Cristina Mangueira Celestino (Centro Universitário Planalto do Distrito Federal - UNIPLAN) - graciane.letras@outlook.com
- JANARA LAÍZA DE ALMEIDA SOARES (Universidade Estadual da Bahia) - janara_soares@hotmail.com
LEITURA E ESCRITA LITERÁRIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RESIDUALIDADES, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS
EIXO: REDES LITERÁRIAS
SIMPÓSIO: LEITURA E ESCRITA LITERÁRIAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: RESIDUALIDADES, CONCEPÇÕES E PRÁTICAS
COORDENADORES:
- Cássia Maria Bezerra do Nascimento (UFAM) cassiambnascimento@ufam.edu.br
- Ana Maria Furtado Néo (Universidade Federal do Ceará) aninha.neo@gmail.com
RESUMO: O Simpósio “Leitura e Escrita Literárias na Educação Básica: Concepções e Residualidades” se propõe a ser uma espaço de diálogo sobre as ações de ler e escrever os gêneros literários na sala de aula, em um processo de gradação constante, do mais simples ao mais complexo, da Literatura Infantil à Clássica, das atualizações aos autores contemporâneos. A ação de mediação da leitura e da escrita feita pelo docente e a relação aos modos de ler e produzir literatura, os protocolos específicos para a construção do texto e a reconstrução de sentidos dada pelo leitor/escritor, assim como, os reconhecimentos das vozes que compõem os textos, dos resíduos, das marcas próprias de cada gênero literário, da construção de um repertório global e particular ao mesmo tempo. E é partindo dos estudos de Residualidade Literária e Cultural, sistematizada por Pontes (1999) e também presente em José Torres (2011), que buscamos debates para este simpósio, os quais devem versar sobre a promoção do letramento literário por meio do desenvolvimento de habilidades e competências literárias dos estudantes para manusear a linguagem literária de forma ativa, crítica, consciente e criativa. Para tanto, a leitura e a escrita literária devem ser ensinadas considerando as particularidades das dimensões texto, intertexto e contexto. Para o paradigma do letramento literário, a literatura é “uma linguagem que se apresenta como um repertório de textos e práticas de produção e interpretação, pelos quais simbolizamos nas palavras e pelas palavras que nós e o mundo em que vivemos” (Cosson, 2020, p. 117). Desse modo, o valor da literatura se estabelece pelo princípio da transação entre o leitor, e o texto e essa transação constitui a própria obra literária (Rosenblatt, 2002). Toma-se aqui o letramento literário como um fenômeno individual, social, dialógico e plural, assim, esta atividade acadêmica busca relatos e pesquisas que possibilitem compreender in loco o espaço ocupado pela literatura nos eventos e as práticas de letramentos disponíveis na agência escolar, a qual está ligada às complexidades da vida contemporânea, percebendo, também, a inter-relação social e individual dos usos da leitura e da escrita literária. Para uma compreensão mais ampla destes processos, o simpósio deseja discutir as concepções dos estudantes em relação à leitura e à escrita, e, ao se basear na teoria de Barré-De Miniac (2000), alvitra-se compreender as representações coletivas, individuais ou partilhadas que o aluno tem sobre o ato de ler e escrever literatura dentro e fora da sala de aula. Assim, busca-se pesquisas que trabalhem as dimensões de Barré-de-Miniac (2002), ao se perceber os investimentos, as opiniões, as atitudes e as concepções dos estudantes sobre a leitura e a escrita literária, considerando as falas e as observações mais relevantes para caracterizar a relação do estudante com essas duas ações em relação ao texto literário.
PALAVRAS-CHAVE: leitura; escrita; letramento literário; concepções; residualidade
Literatura e ensino frente às censuras
EIXO: REDES LITERÁRIAS
SIMPÓSIO: Literatura e ensino frente às censuras
COORDENADORES:
- Ana Crelia Penha Dias (Universidade Federal do Rio de Janeiro) anacrelia@gmail.com
- MARIA AMÉLIA DALVI (Universidade Federal do Espírito Santo) dalvimariaamelia@gmail.com
- Rosana Cristina Zanelatto Santos (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/CNPq) rzanel@terra.com.br
RESUMO: O ensino de literatura no Brasil enfrenta grandes desafios, pelo menos desde a década de 1970 do século XX, histórico estudado por Regina Zilberman (2012) em alguns textos em que trata do crescente desaparecimento da literatura na escola. Cada época acrescenta novas variáveis a esses desafios, e entre muitos elementos a censura ao texto literário, à atividade docente e ao pensamento crítico tem se tornado constante e tomado diferentes feições. No primeiro semestre de 2024, três estados da federação recolheram das escolas públicas exemplares do romance O avesso da pele, de Jeferson Tenório. O livro fora incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2022 e, em 2024, foi considerado como leitura inadequada para adolescentes por um grupo minoritário, que se apresenta ruidosamente e sem designação oficial para tanto como representantes de pessoas que julgam a obra. Situações como essa foram intensificadas a partir do movimento Escola sem Partido, que age no sentido de acuar e de criminalizar as/os trabalhadoras/es da educação e todo e qualquer conteúdo de formação humanística e critica, sob o pretexto de serem nocivas à formação de crianças e jovens. Pensando a relação entre literatura e formação, podemos remeter a um texto fundador de Antonio Candido, “A literatura e a formação do homem”, no qual faz um longo percurso sobre as orientações do literário na formação humana e problematiza a relação da literatura com as intenções pedagógicas de formar o leitor, no entendimento de que os processos educacionais estão irremediavelmente ligados a projetos de poder, os quais encaminharão o pensamento sobre o lícito ou não-lícito em relação aos conhecimentos em geral, e na literatura de modo específico, entendendo o literário como objeto de fascínio “por sua força humanizadora” e de temor por “sua indiscriminada riqueza”. A censura às obras literárias, aos professores e ao pensamento crítico tem sido um relevante entrave à formação literária de crianças e de jovens na educação básica, uma vez que não só tem conseguido retirar livros das indicações docentes como tem provocado o encaminhamento paradidático no mercado editorial, resultando em livros que se distanciam do propósito do literário. A “adequação” aos despropósitos dos ataques aos livros e aos conteúdos humanísticos e críticos pode provocar o fenômeno da autocensura, já indicado por autoras/es que relatam modificações nos textos indicadas pelo editor para adequação ao contexto escolar. Este simpósio, organizado pelos membros do GT Literatura e Ensino da ANPOLL, tem por objetivo refletir sobre os mecanismos de censura à literatura, em especial no contexto de escolarização, para não só compreender o fenômeno, mas também traçar possíveis caminhos para combatê-lo. A legislação brasileira garante ao professor a liberdade de cátedra no Art. 206 da Constituição Brasileira (“O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;”) e no Art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96 (“O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II– liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;”). Há também que se considerar a Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, cujo Art. 26-A, § 2º, prevê que “Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” São diretrizes como essas que não somente garantem a autonomia docente, mas também desafiam a escola e seus atores a assumirem perspectivas antirracistas, não eurocêntricas e que primem pela valorização da diversidade, na tentativa de romper como uma “história única” (Adichie, 2019). Entretanto, numa ordem inversa ao propósito formativo e àquilo que a legislação preconiza, instâncias políticas avançam na direção da instituição escolar e promovem a censura a obras literárias sob pretextos vários, todos eles externos ao próprio universo literário. São desejadas para este simpósio discussões sobre: a) formas de censura literária, à docência e ao pensamento crítico na contemporaneidade; b) relação entre censura à literatura à docência e ao pensamento crítico e movimentos antidemocráticos; c) formação docente para as políticas de enfrentamento às censuras; d) análise de casos recentes de censuras ligadas à educação literária; e) análise de seleções de obras literárias em estados e em municípios; f) importância do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD Literário) para o acesso a obras literárias que valorizem as diferenças.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura e ensino; censura; formação para a docência de literatura
O ensino de literatura infantil/infanto-juvenil: perspectivas e possibilidades
EIXO: REDES LITERÁRIAS
SIMPÓSIO: O ensino de literatura infantil/infanto-juvenil: perspectivas e possibilidades
COORDENADORES:
- MONICA ASSUNCAO MOURAO (UEMASUL) monicamourao_15@hotmail.com
- Mariana Soares dos Santos (UFNT) marisanttosoares@gmail.com
RESUMO: Silvia Castrillón, quando discorre sobre O direito de ler e escrever (2011), afirma que a história do ensino de literatura é uma seara de exclusão, por vezes nas mãos da igreja, por outras nas mãos do estado, mas sempre expropriando um público socialmente vulnerável do direito à leitura. De fato, o ensino de literatura mobiliza espaços de escuta a envolver a reflexão sobre as subjetividades, atitudes que requerem tempo, cuidado e atenção à leitura literária, atividades essas historicamente excluídas dos processos tradicionais de ensino-aprendizagem (Bajur, 2012). É nessa encruzilhada entre a promoção da leitura literária e as lacerações curriculares e estruturais, permeadas pelos processos de ensino, que a escola brasileira hoje se encontra absorvida. Permitir a presença do Outro (leitor e texto) e a manifestação da linguagem em prol do combate à crueldade do mundo talvez sejam os maiores desafios de escolas e professores na convivência com a leitura literária, em sala de aula (Goldin, 2012). Ademais, a literatura, seja oral ou escrita, é uma forma de oferta da construção de espaços íntimos e/ou coletivos, no compartilhamento de experiências, perspectivas, e na constituição de olhares mais humanos com o texto literário e com o mundo (Petit, 2009). Todo o processo de leitura literária envolve uma complexa rede de instrumentos, ações, espaços e atores acionados para a manifestação da leitura e sua experiência (Petit, 2009), considerando públicos específicos, nesses processos, essa complexidade é elevada, como é o caso da literatura infantil e infanto-juvenil voltada para crianças e adolescentes, nas escolas brasileiras. A literatura infantil e infanto-juvenil brasileira, como pontuam Regina Zilberman e Marisa Lajolo (2006), além de colocar o protagonismo da criança sob o holofote principal da narrativa literária, provocando a linguagem a partir do entorno, também compreende a historicidade da literatura brasileira e das representações da infância e da adolescência, nas obras literárias, além dos processos de circularidade e curricularização dessas obras. A manutenção, e mais tarde até a subversão, de estereótipos familiares e sociais e a decorrente reflexão dos imbróglios sociais, políticos, religiosos, culturais e econômicos, na literatura brasileira, foram fundamentais para o estabelecimento de materiais de leitura para as escolas brasileiras e para a representação da criança e do adolescente, na literatura infantil e infanto-juvenil, no seu auge, no início do século XX (Zilberman; Lajolo, 2006). A manipulação dessas representações, na literatura brasileira, fez surgir a necessidade de uma crítica especializada, bem como também na ampliação de repertório estético dessas obras e de sua circulação, o que hoje é visualizado, por exemplo, nos programas de escolha de livros literários voltados para as escolas públicas brasileiras como o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) ou o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) (Andrade; Dias; Monteiro, 2017). Esses recortes ajudam a compreender todo o processo que envolve a chegada do livro literário infantil e infanto-juvenil, ao espaço da sala de aula, e como a obra de literatura só se realiza no momento da leitura (Carvalho; Dias; Oliveira, 2019), e considerando a criança e o adolescente como público final desses processos é pertinente pensar os fatores mobilizadores de leitura literária na escola e os seus possíveis obstáculos. Quando Antonio Candido (2004) pondera sobre o direito à literatura como uma paridade inalienável ao ser humano, também aponta as históricas desigualdades sociais brasileiras como impossibilidades na experiência social da leitura e da emancipação do cidadão frente às precarizações da vida humana. Alinhada a essa perspectiva, Teresa Colomer (2003), reforça a leitura do aspecto social da literatura ao destacar o propósito social da formação de leitores para o combate às disparidades sociais e em prol das construções subjetivas e compartilhadas provocadas pela leitura de literatura. Mediante a essas disposições, entende-se a importância da produção e divulgação de pesquisas em torno do ensino voltado para a literatura infantil e infanto-juvenil, sobretudo, se se considerar as construções dos aspectos lúdicos e da percepção criativa que a imaginação, a narrativa e a linguagem que permeiam o universo dessas literaturas são capazes de proporcionar (Arroyo, 2011), ainda mais quando aplicadas a contextos sensíveis e complexos como o da escola pública brasileira que, por sua vez, repercute em sala de aula as estratificações políticas, culturais, sociais e econômicas a que a sociedade brasileira é envolvida. Dessa maneira, o objetivo principal deste simpósio é reunir pesquisas científicas voltadas para a reflexão da literatura infantil e infanto-juvenil, no contexto do ensino público brasileiro, bem como elencar algumas das suas perspectivas e publicizar as possibilidades tangíveis para o seu ensino.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura infantil/infanto-juvenil; Ensino; Leitura literária.
REDES LITERÁRIAS E INTELECTUAIS: CIRCULAÇÃO E DIFUSÃO DO LIVRO, LEITURA E LITERATURA NA AMÉRICA LATINA E CARIBE
EIXO: REDES LITERÁRIAS
SIMPÓSIO: REDES LITERÁRIAS E INTELECTUAIS: CIRCULAÇÃO E DIFUSÃO DO LIVRO, LEITURA E LITERATURA NA AMÉRICA LATINA E CARIBE
COORDENADORES:
- Graciane Cristina Mangueira Celestino (Centro Universitário Planalto do Distrito Federal - UNIPLAN) graciane.letras@outlook.com
- JANARA LAÍZA DE ALMEIDA SOARES (Universidade Estadual da Bahia) janara_soares@hotmail.com
RESUMO: As perspectivas teóricas e críticas dos intelectuais latino-americanos potencializam debates e discussões nas mais variadas áreas do conhecimento. No cenário internacional as perspectivas multiculturais, interseccionais e decoloniais concebidas por esses intelectuais têm importante presença nos trabalhos de pesquisadores de diversos países da região. No Brasil, todavia, tanto eventos quanto simpósios acerca desse tema ainda são relativamente raros, quando comparados com o potencial de produção dos professores e estudiosos da América Latina, e nem sempre atravessam as diversas áreas de conhecimento das ciências sociais, das humanidades e das artes em seu conjunto e entrelaçamento. O simpósio ora proposto se apresenta como um espaço que tem por finalidade pensar e refletir acerca da América Latina e sua produção cultural, literária, artística e teórica a partir do Brasil. O objetivo do simpósio “As redes literárias e intelectuais: circulação e difusão do livro, leitura e literatura na América Latina e Caribe” é discutir pesquisas desenvolvidas no âmbito da História Intelectual, centradas na relação entre intelectuais, construção e consolidação da leitura e difusão do livro, além de debater a circulação de ideias nos países que compõem a América Latina e o Caribe nos séculos XX e XXI. Serão recebidas propostas que versem acerca das articulações e políticas de promoção do livro e da leitura e a integração de ações de leitura no currículo escolar dos países latino-americanos e caribenhos. Nas duas primeiras décadas do século XXI ocorreu um potencial crescimento de censura a livros e escritores, repressão e ataques aos direitos das minorias. Neste diapasão, as concepções atinentes a memória, história e/ou as experiências individuais e coletivas em mediação de leitura são contribuições eficazes para as discussões doravante recebidas, bem como a apresentação de resultados e dados referentes às redes de agentes de literatura (escritores, professores, bibliotecários) sobre projetos, atividades, práticas e eventos, tanto na Educação Básica quanto na Universidade. Do mesmo modo, interessam à discussão reflexões acerca da identidade e função da literatura e das artes enquanto sistema em que se configuram os elementos de recepção que as sustentam e legitimam. Também serão aceitos trabalhos referentes às concepções teóricas de intelectuais latino-americanos acerca das práticas de leitura de literatura, e suas novas potencialidades quando introduzidas por meio das novas tecnologias digitais. As relações estabelecidas entre a circulação e difusão do livro, leitura e literatura são privilegiadas, no sentido de que, muitas vezes, as visões de mundo, ideias e projetos intelectuais vão se constituindo a partir da formação leitora e intelectual dos indivíduos. Esses fatores, quando debatidos e questionados no conjunto das sociedades, ajudam-nas a constituírem-se como nações. Ao mesmo tempo, analisar tais constituições e reflexões teóricas implica perscrutar os projetos de nação gestados e experimentados em cada sociedade, bem como estabelecer uma visão comparatista que ultrapasse a compreensão tradicional, sobretudo nos estudos de literatura comparada, calcada no nacional. Neste sentido, os projetos de nação que estavam sendo gestados e experimentados, impõe ultrapassar a visão tradicional de uma literatura comparada que parta do nacional; daí a necessária ênfase na circulação de ideias. A proposta do simpósio pretende contemplar ainda pesquisas que analisem como determinadas ideias, palavras e conceitos foram criados e/ou ressignificados nestes momentos de construção de identidades nacionais e continentais, constituindo novos vocabulários políticos no Continente. A concepção a que se dedica o simpósio é a de que inúmeros pensadores, intelectuais, teóricos e professores, desde meados do século XIX até as décadas de 1960, 1970 e 1980, constituíram projetos intelectuais profundamente engajados na rica tradição histórica e cultural dos países da América Latina e Caribe. O simpósio que ora se apresenta tem por finalidade reunir trabalhos que versem sobre teorias e perspectivas críticas, não precisando ser somente multicultural, mas também multirracial, traçando comparações e confluências entre pensamentos e teorias distintas. Os textos referentes às reflexões teóricas devem apresentar o objeto de estudo, seus objetivos, método de análise e apreciação dos conceitos que serão analisados. Também serão aceitos textos que apresentem produtos de pesquisa de mestrado ou doutorado, além de resultados de projetos de leitura aplicados na educação básica e em espaços não formais de educação (clubes de leitura, movimentos sociais, museus, bibliotecas, cooperativas, coletivos etc.) que versem sobre as noções sistêmicas apresentadas, de maneira a debater essa temática nos cronogramas de literatura e língua portuguesa, língua espanhola e ensino de literatura em língua portuguesa e espanhola, tanto na universidade quanto na educação básica, objetivo que orienta o simpósio ora apresentado.
PALAVRAS-CHAVE: Intellingetsia; América Latina; Pensamento; Identidade; História Intelectual
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A malungagem e o brutalismo: outros modos da margem na literatura e na cultura brasileiras
- Jorge Hoffmann Wolff (Universidade Federal de Santa Catarina) - jocawolff@gmail.com
- Pedro Brum Santos (Universidade Federal de Santa Maria) - pedrobrum@uol.com.br
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CRÍTICA POLIFÔNICA EM LETRAS E ARTES: LITERATURA COMPARADA NO NOVO MILÊNIO
- AUGUSTO RODRIGUES DA SILVA JUNIOR (Universidade de Brasília) - augustorodriguesdr@gmail.com
- Willi Bolle (Universidade de São Paulo) - willibolle@yahoo.com
- Luciane Viana Barros Páscoa (Universidade do Estado do Amazonas) - lpascoa@uea.edu.br
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ESCRITAS DA RESPOSTA: POESIA, TRADUÇÃO, ENDEREÇAMENTO
- Marcos Antonio Siscar (UNICAMP) - siscar@unicamp.br
- Mauricio Mendonça Cardozo (UFPR) - maumeluco@gmail.com
- MARCELO JACQUES DE MORAES (UFRJ) - mjdemoraes@gmail.com
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ESCRITAS EM MOVÊNCIA E CONVIVÊNCIA: RELAÇÕES E REAÇÕES TRANSCULTURAIS NAS LITERATURAS DO MUNDO
- Gerson Roberto Neumann (UFRGS) - gerson.neumann@gmail.com
- Ricardo Postal (UFPE) - ricardo.postal@ufpe.br
- Fernanda Boarin Boechat (UFPA) - fernandaboechat@gmail.com
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LITERATURA COMPARADA DESCOLONIAL: conceituações e teorizações a partir da América Latina
- EDGAR CÉZAR NOLASCO (NECC-PPGEL-FAALC/UFMS) - ecnolasco@uol.com.br
- FÁBIO DO VALE (UFMS/FUNDECT/NECC/INSTED) - professorfabioletras@gmail.com
- LUIZ LOPES (POSLING/CEFET-MG) - luigilopes@gmail.com
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LITERATURA, CULTURA E IDENTIDADE NA/DA AMAZÔNIA: circulação, tramas e sentidos na literatura
- Roberto Mibielli (UFRR) - rmibielli@yahoo.com.br
- Sheila Praxedes Pereira Campos (UFRR) - sheilapraxedes@hotmail.com
- Márcio Araújo de Melo (Universidade Federal do Norte do Tocantins) - marciodemelo33@gmail.com
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Margens e fronteiras amazônico-andinas: memórias, oralidades, visualidades, literaturas
- Gerson Rodrigues de Albuquerque (Universidade Federal do Acre (UFAC)) - gerson.ufac@gmail.com
- Luana Ferreira Rodrigues (Universidade Federal do Amazonas) - luanarodrigues@ufam.edu.br
- Francisco Bento da Silva (Universidade Federal do Acre) - francisco.bento@ufac.br
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ONTOCOSMOLOGIAS INDÍGENAS E ESTUDOS LITERÁRIOS
- ALEXANDRE ANDRÉ NODARI (Universidade Federal de Santa Catarina) - alexandre.nodari@gmail.com
- ADALBERTO MULLER JUNIOR (Universidade Federal Fluminense) - adalbertomuller@gmail.com
- Marina Santos Ferreira (Universidade Federal de Santa Catarina) - mazinhagaspar@hotmail.com
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Redes e conexões latino-americanas nos estudos eslavos e do leste europeu
- PRISCILA NASCIMENTO MARQUES (UFRJ) - priscilamarques@letras.ufrj.br
- BRUNO BARRETTO GOMIDE (USP) - bgomide@usp.br
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Tradução, infâncias e ecologia
- KATIA AILY FRANCO DE CAMARGO (UFRN) - kafcamargo@gmail.com
- Lia Araujo Miranda de Lima (Universidade Federal de Minas Gerais) - liaamiranda@gmail.com
A malungagem e o brutalismo: outros modos da margem na literatura e na cultura brasileiras
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: A malungagem e o brutalismo: outros modos da margem na literatura e na cultura brasileiras
COORDENADORES:
- Jorge Hoffmann Wolff (Universidade Federal de Santa Catarina) jocawolff@gmail.com
- Pedro Brum Santos (Universidade Federal de Santa Maria) pedrobrum@uol.com.br
RESUMO: Este simpósio pretende pensar e debater “outros modos da margem na literatura e na cultura brasileiras” a partir dos conceitos de “malungagem”, proposto por Jerome Branche, e de “brutalismo”, desenvolvido por Achille Mbembe. No ensaio “Malungagem: para uma poética da diáspora africana” (2009; 2015; 2024), Jerome Branche expande a noção de malungo (termo de origem banto) sob a forma de um conceito que, desde sua etimologia, será pensado “como uma espécie de princípio básico para o imaginário discursivo da diáspora” (Branche, 2024, p. 326). Em seus “registros e variações translocais” e em suas dimensões políticas, o conceito inclui “ideias de intersubjetividade, reconhecimento mútuo e solidariedade subalterna” (p. 327). Oriundo da diáspora africana e da experiência da escravidão nas Américas, o termo “malungo” se disseminou de diversas formas no país, tornando-se corrente no campo da literatura e da cultura brasileiras desde o Mafuá do malungo (1948) de Manuel Bandeira até os Malungos na escola. Questões sobre culturas afrodescendentes e educação (2007) de Edimilson de Almeida Pereira – sendo este autor, que também nos interessa invocar como poeta e pensador, um expoente da atual “estética de base afrodiaspórica na literatura brasileira”, como lemos no subtítulo de seu ensaio Entre Orfe(x)u e Exunouveau (2022). Quanto ao conceito de “brutalismo”, Achille Mbembe apropria-se dele na arquitetura e nas artes plásticas para pensá-lo enquanto extensões de sua reflexão sobre a “necropolítica” e a “razão negra”. Publicado originalmente em 2020, o ensaio Brutalismo busca definir os vários modos contemporâneos de “combustão do mundo” sob a forma da “dominação universal”, da “fraturação”, do “animismo”, do “virilismo”, dos “corpos-fronteiras”, das “circulações”, da “comunidade dos cativos”, até chegar a um vislumbre de uma “humanidade potencial e política do vivente”. Tendo em mente a colonização da África, o ensaio de Mbembe nos estimula a pensar sobre outras geografias políticas e estéticas e sobre outros modos da margem, a exemplo do que ele exalta na plasticidade das manifestações artísticas e rituais originárias de África. No que diz respeito à literatura e à cultura brasileiras, e tendo o conceito de malungagem como amarração e contraste, esta proposta de simpósio mira uma série de textos outramente marginais, desde os diários de Lima Barreto, os romances proletários de Patricia Galvão (Parque industrial) e Pedro Wayne (Xarqueada), os diários e romances de Carolina Maria de Jesus, os romances e contos de Marilene Felinto, a discursividade manifestária dos Racionais MCs, os romances e contos de José Falero, os romances Louças de família de Eliane Marques e Matei minha mãe de Anderson Félix, entre outras tantas possibilidades de leitura crítica do mundo e do país nessa linha que gostaríamos de situar entre o brutalismo e a malungagem e de abrigar neste simpósio. Cabe destacar que o problema racial e a herança da escravatura como marcas indeléveis da formação do país estão presentes de alguma forma em cada um dos títulos mencionados, assim como segue definindo as relações de trabalho e entre as classes sociais no Brasil contemporâneo. No caso do conceito de malungagem de Branche, trata-se de experiências e modos de reconhecimento e de resistência de ordem transnacional ou extranacional (ainda que nos limitaremos, neste simpósio, ao contexto brasileiro). Segundo Branche, “como contra-ideologia à aniquilação psíquica da travessia e à morte social da escravidão (cada encontro casual de malungos implica as incontáveis separações não documentadas forjadas pela chegada do navio negreiro), [a malungagem] torna-se portanto uma afirmação da vida e um emblema de sobrevivência” (Branche, 2024, p. 330). A noção de brutalismo surge aqui, portanto, como contraface e suplemento da malungagem, sendo intrínseca à própria experiência da diáspora africana, e podendo ser lida também – seguindo a reflexão de Mbembe – como uma forma de recriar a vida a partir do invivível: “Para muitas regiões do Sul, na verdade, recriar a vida a partir do invivível tem sido a condição reinante ao longo dos séculos” (Mbembe, 2021, p. 26). Seus trabalhos, segundo o mesmo ensaio, “não são outra coisa senão um longo argumento a favor de uma nova consciência planetária e da refundação de uma comunidade de seres humanos em solidariedade com todos os seres vivos. O pertencimento a um terreno comum, tangível, palpável e visível não ocorrerá, porém sem luta. Como pressentiu Frantz Fanon, a autêntica luta é em sua primazia uma questão de reparação, a começar pela reparação daquilo que se quebrou” (p. 19). De modo que, entre aquilo que se quebrou e aquilo que resistiu e se transformou, o presente simpósio propõe articular ambos os conceitos através da leitura destes “outros modos da margem”, em suas diferentes contradiscursividades poéticas e literárias, prevendo nelas igualmente, como escreve Branche citando Paget Henry, “um potencial orientador da ação” (Branche, 2024, p. 321).
PALAVRAS-CHAVE: Malungagem; Brutalismo; Margem; Cultura brasileira; Literatura brasileira
CRÍTICA POLIFÔNICA EM LETRAS E ARTES: LITERATURA COMPARADA NO NOVO MILÊNIO
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: CRÍTICA POLIFÔNICA EM LETRAS E ARTES: LITERATURA COMPARADA NO NOVO MILÊNIO
COORDENADORES:
- AUGUSTO RODRIGUES DA SILVA JUNIOR (Universidade de Brasília) augustorodriguesdr@gmail.com
- Willi Bolle (Universidade de São Paulo) willibolle@yahoo.com
- Luciane Viana Barros Páscoa (Universidade do Estado do Amazonas) lpascoa@uea.edu.br
RESUMO: O que pode a Literatura Comparada no século XXI? Nosso Simpósio deseja responder a essa pergunta mapeando pesquisadores que dialoguem com nossa época, olhando para o passado e mirando uma história inacabada. Atualizando ferramentas analíticas para nosso milênio – brevíssima era de extremos – estabelecemos movimentos responsivos e responsáveis por “margens, rios e redes”. Buscamos intelectuais nômades em travessias por caminhos metodológicos e intelectuais enraizados em questões seminais e fecundas da crítica polifônica. Vivendo, hoje, um novo mal-estar na civilização, diante do progresso tecnológico, a sociedade das massas passa a coexistir com uma sociedade do algoritmo. Visto que desde a Pandemia (Covid-19) não é mais possível fazer crítica literária apenas pela teorização, antigos temas benjaminianos, tais como, aura e alegoria, tradição e revolução, materialismo e dialética permitem entabular discussões sobre espaço e crítica, ética e estética, performance cultural e educação, poéticas e representações. Logo, os participantes dessa arena temática devem apresentar seus itinerários dialógicos, seus caminhos de pesquisa e as vivências mais íntimas que o trabalho acadêmico pode revelar. O etnoflâneur Willi Bolle destaca a força arquivística do hipertexto nas “Passagens” (Benjamin, 2006; Bolle, 2006). Ao destacar a organização do saber no campo da história polifônica, o pensador alemão entrelaça questões sociais e econômicas num painel com milhares de luzes e ideias. Sua primeira publicação sobre o caráter artístico das novas mídias foi a tradução de um artigo de Tristan Tzara, sobre a produção da fotografia sem câmera de Man Ray, na revista G, em 1924, tornando conhecidas na Alemanha, as ideias da vanguarda internacional (Schöttker, 2012). Ao conjugar o “acontecimento” numa espiral de “magia e técnica”, “arte e política” – o Anjo da história alça novos voos. A historiadora Luciane Páscoa aponta para a prática da catalogação e expansão dos acervos artísticos e literários – analógicos e digitais. A arte, assim, nos paradoxos entre a modernidade e a pós-modernidade, gera formas iconográficas que levam a alteridades consonantes. Entre variações verbivocovisudigitais e fotoformas as consonâncias irrompem em multiplicidade: o cinema literário, a peça-filme, a proliferação das telas, a sobrevivência do rádio em tempos de podcast, a música na indústria cultural e nas plataformas e teletelas (Orwell) de smarts. Com isso, imagens e narrativas ganham corpo e levam às práticas da recepção que movimentam leitores e teóricos, “seguidores” e produtores de conteúdo. Expandindo o diálogo de Augusto Silva Junior com Benjamin em direção à geopoesia em perspectiva comparada: onde se lê Era da reprodutibilidade técnica, leiamos Era da reprodutibilidade digital; onde se lê O narrador e/ou O contador de histórias, leia-se o geopoeta [Der Erzähler]; onde se lê História a contrapelo, leia-se história a piracema... Nas paisagens comparatistas com outros gêneros, o eterno retorno, os rastros, o ócio, as conspirações, as ruas de mão única e as ruas sem nome, encontram ecos nos conceitos de etnoflânerie, cyberflânerie, raizamas, literatura de campo, corredores da geopoesia. Na relação entre margens e fronteiras as águas pensamentais e os rios e ruas sentimentais evocam conceitos da geopoesia, geocrítica, ecocrítica – em suas territorialidades: atuais abordagens diante da ordem mundial (ainda de memória colonial e revisada em caráter de urgência pelo eixo Sul-Sul). Entres os saberes tradicionais e os campos acadêmicos propomos novas enunciações para mapear o mundo dialogicamente (Bakhtin, 2008). Em diálogo com o regionalismo, o tradicional, o marginal, o periférico e outras vertentes, temos um apreço pelas manifestações literárias e artísticas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Mas, também, prezamos por “passagens” berlinenses e parisienses, paisagens sudestinas e sulistas, panamazônicas e do mundo todo, como diria Ribaldo. As literaturas e artes, relatos e diários das zonas de influência (das capitais) e cidades-satélites, dos saberes quilombolas e originários, dos relatos de viagem e cadernos de camponeses, em meio a ribeirinhos e navegantes, são bem-vindos em nosso arquipélago (de água doce) pensamental. Queremos, tal qual Benjamin e Krenak, adiar o fim do humano. Enfim, três cidades atravessaram o destino de Benjamin: Berlim, Paris e Portbou. Três fazedores convidam para essa travessia partindo de três capitais: Manaus, São Paulo, Brasília. Três catadores de fisiognomias, flâneurs buscando seres nas multidões, bibliômanos entre estantes, seres à procura da geopoesia como libertação diante de tempos sombrios e tão desleais. Niemar, em paráfrase-livre com Caetano e Drummond, oferece uma síntese inacabada de nossos sentimentos do mundo: onde querem revólver, sejamos amor/ onde querem dinheiro, sejamos paixão/ onde querem tortura, sejamos mansidão/ onde querem cidadãos de bem, sejamos revolução.
PALAVRAS-CHAVE: Crítica polifônica; Letras e Artes; História; Geopoesia; Literatura Comparada;
ESCRITAS DA RESPOSTA: POESIA, TRADUÇÃO, ENDEREÇAMENTO
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: ESCRITAS DA RESPOSTA: POESIA, TRADUÇÃO, ENDEREÇAMENTO
COORDENADORES:
- Marcos Antonio Siscar (UNICAMP) siscar@unicamp.br
- Mauricio Mendonça Cardozo (UFPR) maumeluco@gmail.com
- MARCELO JACQUES DE MORAES (UFRJ) mjdemoraes@gmail.com
RESUMO: Em depoimento de 1983, Ana Cristina Cesar encerra dizendo ao público: “Depois vocês me escrevam cartas. Eu quero receber cartas”. Embora aparentemente anedótica, a frase guarda estreita relação com a metáfora postal, um dos eixos centrais de sua poética. Esse apelo à resposta, presente tanto em sua poesia quanto em sua correspondência, pode ser visto como elemento estruturante da própria ideia de escrita. Toda escrita já é – antes mesmo de reconhecer-se como tal – uma resposta dada e um pedido de resposta, ou seja, uma espécie de “dom” (DERRIDA, 1991) e um imperativo (um “você deve” proveniente da coisa; DERRIDA, 1988). Após um século de teoria literária marcada por valores de textualidade, objetividade, autonomia ou intransitividade, cabe reconsiderar a relação crítica com o texto. Para isso, trata-se de superar tanto a reverência à origem como autoridade final do sentido (autor, texto original, contexto de origem) quanto a destinação definida por seus fins imediatos (por exemplo, políticos ou editoriais). Uma abordagem alternativa consistiria em ver a escrita como convite ao compromisso com o outro texto, ou seja, uma negociação com a alteridade em que leitura e tradução – distintas da afirmação “subjetiva” ou da “recepção” histórica – aparecem como gestos responsivos. Como costuma ser mais evidente no campo da tradução poética, a escrita encena ou solicita a “reescrita”; tanto ilustra um “gênio não original” (PERLOFF, 2013) quanto amplia a lógica da “retradução” (MATTOS; FALEIROS, 2014). Este simpósio busca explorar as diversas situações e as diversas implicações das escritas da resposta, entendidas como instâncias de uma relação crítica com o outro. Propomos investigar como as figuras de abertura, excesso e transbordamento aparecem em obras específicas, bem como suas consequências para a compreensão do texto e para a prática do crítico ou tradutor. Com isso, pretendemos dialogar com o problema das margens e das fronteiras. Respondendo à alteridade, seja ela textual, geográfica ou cultural, nos deparamos com diversos fenômenos de oposição e hierarquia, incluindo aí a divisão entre humano e não humano (animal, vegetal), os limites disciplinares e os traçados geopolíticos que definem nossos lugares enunciativos. Nesse contexto, seria importante questionar as hierarquias sem simplesmente inverter oposições entre centro e margem, entre lugar e “fora do lugar”. Evocar a resposta como gesto enunciativo é justamente assumir o trânsito da "relação" (CARDOZO, 2022) como problema que articula o político ao ético e ao estético. A noção de “endereçamento” (CULLER, 2015; SERMET, 2001; PEDROSA et al., 2018; SISCAR, 2023) oferece uma ferramenta relevante para essa discussão. O dispositivo apostrófico, que coloca o texto em relação com um leitor potencial, explicita o trabalho com as margens, encenando aquilo que está fora da cena textual. Tal processo remete a elementos da tradição poética, mas também atua, em determinados casos, como dispositivo crítico que coloca em jogo a “quebra da quarta parede”, como se diz no teatro, desafiando a separação entre a cena e o público. Tal dinâmica coloca a alteridade como instância ao mesmo tempo precisa e indeterminada, suscetível ao jogo dos pronomes (“tu”, “você”, “vocês”), tensionando os limites com o lugar do autor, do leitor e do tradutor. Analogamente, a tradução pode ser vista como resposta ao apelo do texto original. O próprio conceito de “intraduzibilidade” aparece como desafio à tradução, entendendo-a como tarefa responsiva e criativa diante da desmesura ou da estrangeiridade (sedutora e/ou aterrorizante) do original. Leitura, reescrita e tradução convergem com a ideia de que o texto carrega em si uma “exigência” (AGAMBEN, 2018) infinita que não se dirige a nenhum sujeito em específico, mas que cabe a cada um, a cada momento, responder. Responder à exigência de um texto é assumir uma responsabilidade – ou uma “hostipitalidade” (DERRIDA; DUFOURMANTELLE, 2003) – que redefine os limites entre escrita e leitura, criação e tradução. O simpósio convida pesquisadores a refletirem sobre as diferentes modalidades dessas “escritas da resposta”, abordando obras críticas, literárias ou tradutórias, com foco especial no campo poético. Serão bem-vindos trabalhos que explorem a relação com aquilo que excede o espaço próprio do texto, valorizando as dinâmicas de apelo e resposta, investigando regimes diversos de alteridade. As hesitações entre eu e outro, autor e leitor, original e tradução oferecem um espaço onde as margens projetam não apenas barreiras, mas movimentos responsáveis de travessia, de releitura e de reinvenção.
PALAVRAS-CHAVE: Endereçamento poético; Poesia e tradução; Ética da leitura; Poesia e alteridade.
ESCRITAS EM MOVÊNCIA E CONVIVÊNCIA: RELAÇÕES E REAÇÕES TRANSCULTURAIS NAS LITERATURAS DO MUNDO
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: ESCRITAS EM MOVÊNCIA E CONVIVÊNCIA: RELAÇÕES E REAÇÕES TRANSCULTURAIS NAS LITERATURAS DO MUNDO
COORDENADORES:
- Gerson Roberto Neumann (UFRGS) gerson.neumann@gmail.com
- Ricardo Postal (UFPE) ricardo.postal@ufpe.br
- Fernanda Boarin Boechat (UFPA) fernandaboechat@gmail.com
RESUMO: A literatura contemporânea, em permanente diálogo intertextual com a que lhe antecede, cada vez mais nos indaga a estabelecer, a partir da rede que em si formula de saberes interdependentes, as negociações que todo processo de escritura mantém com a alteridade, tanto no desejo por e apropriação da cultura outra, quanto na tradução e recepção de obras em territórios distantes de sua origem. Dessa forma, as populações em movência e os aportes culturais que consigo espalham vão promovendo tessituras de múltiplas linguagens e lógicas dentro das literaturas em que são acolhidos. Porém, sabendo-se que esses diálogos não são pacíficos, estando imersos em disputas de poder pelo controle de imaginários, discursos e narrativas, fazem-se necessário aportes teóricos comparatistas amplos e inclinados à variedade das literaturas do mundo, imbricadas em suas historicidades e localidades, mas em permanente relação com as demais. Isto “[p]orque a época atual é uma época da rede. Ela demanda concepções de ciência móveis e relacionais, transdisciplinares e transareais e uma terminologia orientada pelo movimento. (ETTE, apud CAPAVERDE, 2021, p. 299). Este simpósio, portanto, parte do princípio de que as “Literaturas do mundo” são um vasto campo a ser investigado nas suas correlações, em que se “mostra que as formas de produção, de recepção e de distribuição da literatura, em escala planetária, não se alimentam de uma única ‘fonte’, não são reduzíveis a uma única linha de tradição como à tradição ocidental, por exemplo", como elaborado pelo teórico romanista e comparatista alemão Ottmar Ette (2016, p. 13). São esperadas, assim, neste simpósio, pesquisas alinhadas às perspectivas decoloniais que, a partir das ressonâncias teóricas do Grupo Modernidade/Colonialidade, afirmem um reposicionamento epistemológico em que “[a] crítica à modernidade, da perspectiva decolonial, concebe que a emancipação [...] só será possível uma vez que a subalternização de experiências e de epistemologias instituídas pela modernidade seja suplantada." (BALTAR, 2020, p. 38), o que só é possível acontecer através de “um outro estatuto de alteridade, estabelecido pela transmodernidade” (Idem), conceito este desenvolvido por Mignolo e Walsh (2018) e por Enrique Dussel, que o define como: “todos os aspectos que se situam ‘além’ (e [...] ‘anteriores’) das estruturas valorizadas pela cultura euro-americana moderna, e que atualmente estão em vigor nas grandes culturas universais não europeias e foram se movendo em direção a uma utopia pluriversal.” (DUSSEL, 2016, p. 63). Tais movências propiciam a percepção e a discussão sobre o (con)viver e o bem viver nos territórios atravessados por populações em (des)locamento, em obras cuja temática, perspectivas narrativas e linguagem elaborem a migração, a viagem, o exílio e o refúgio, a exclusão, segregação ou a convivência. Nessa encruzilhada de povos, culturas, línguas e lógicas diversas, interessa a esse simpósio observar a participação social e o direito à voz das pessoas migradas por meio de sua produção literária, a saber, considerando-as tradutoras culturais por meio da autoria literária. Tal escrita, dessa forma, é também um medium privilegiado de integração, que mobiliza a articulação entre a cultura de origem e a de acolhida. Recebe nossa atenção a reflexão e simbolização intercultural do deslocamento que vai além das limitações de uma lógica internacional, visto que cada vez mais a nação é uma ilusão superada pelos estudos comparatistas e pela circulação de povos e de suas literaturas transculturais. Escritas deslocadas podem sinalizar para conexões interculturais e de convivência que ultrapassam a noção limitada a aspectos históricos, político-econômicos ou territoriais, como é o caso de sujeitos indígenas do Brasil e que migram para outras Regiões e Municípios do mesmo país por razões diversas. A autoria literária, nesse sentido, abre-se como um caminho de inserção intercultural que tanto promove a integração dos sujeitos migrantes na lógica do sistema cultural de permanência, como pode ser denúncia das reações de tal cultura à sua presença, instigadora que é de alterações no status quo vigente a partir do que contribuem com sua bagagem cultural (Walsh, 2009). Por meio de narrativas e poéticas de sujeitos (des)locados é possível vislumbrar uma dimensão da transculturalidade que impulsione a chegada a universos culturais ricos em processos de alteridade e que sejam capazes de ressignificar o olhar sobre os migrantes, exilados, refugiados, e povos em movência bem como sobre a cultura de acolhida. A proposta deste simpósio temático está, por fim, em consonância com os Estudos Transareais de Ottmar Ette, uma vez que os caminhos tornam-se mais relevantes que as localidades, o deslocamento se sobressai à fixação, e a apresentação de si por meio da produção literária, ela mesma como ambiente, atravessa e conecta elementos diversos que compõem os territórios do globo. Portanto, são convidados a enviarem comunicações, pesquisadores e pesquisadoras que promovam discussões teóricas sobre os conceitos previamente elencados, bem como análises de obras literárias articuladas comparativamente no âmbito das “Literaturas do mundo”, das perspectivas decoloniais e dos deslocamentos culturais (literatura migrante, sem morada fixa etc).
PALAVRAS-CHAVE: Literaturas do mundo; migrações; convivência; transculturalidade; decolonialidade
LITERATURA COMPARADA DESCOLONIAL: conceituações e teorizações a partir da América Latina
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: LITERATURA COMPARADA DESCOLONIAL: conceituações e teorizações a partir da América Latina
COORDENADORES:
- EDGAR CÉZAR NOLASCO (NECC-PPGEL-FAALC/UFMS) ecnolasco@uol.com.br
- FÁBIO DO VALE (UFMS/FUNDECT/NECC/INSTED) professorfabioletras@gmail.com
- LUIZ LOPES (POSLING/CEFET-MG) luigilopes@gmail.com
RESUMO: A proposta basilar do Simpósio centra-se em, e tendo por parâmetro os estudos descoloniais ou fronteiriços, pensar, ou problematizar, acerca da rubrica intitulada de Literatura comparada descolonial. Para tanto, e tendo por contraponto a disciplina de Literatura comparada e como delimitação de lócus a América Latina, conceitos advindos da teorização descolonial como desobediência epistêmica e desprendimento, geopolítica e corpo-política, pensamento próprio e desmetaforização podem servir de comparação para argumentar e contextualizar uma possível concetiiualização pelo que aqui se entende por literatura comparada descolonial. Assim, tendo por parâmetro a disciplina de literatura comparada no ocidente, bem como o lugar em que ela ocupou enquanto disciplina, incluindo aí sua metodologia assentada num discurso descentrado e indisciplinado, mas hegemônico, posto que não se desprendeu da razão moderna ocidental, torna-se importante pensar na possibilidade de inscrição de uma comparada descolonial, uma vez que esta estaria arrolada a partir de uma epistemologia fronteiriça(descolonial) e não mais moderna. Afora o caráter ou visada dualista que aqui pode parecer imperar, o que deve destacar-se mesmo, além do fato inconteste de que ambas estariam presas a epistemologias diferentes, é que o ato de comparar da disciplina de literatura comparada deixa de ser a razão fundante da literatura comparada descolonial, uma vez que aqui tal ato seria, grosso modo, uma opção descolonial implicando uma escolha declarada do pensador comparatista descolonial. E mais: a própria palavra “comparar” perderia seu sentido, ou melhor, deixa de fazer sentido, posto que o que teríamos em tal visada ou opção seria uma ação de compartilhamento entre o “um” e o outro, como forma, inclusive, de ao invés de apagar ou relativizar a diferença colonial, ler a ambos a partir dela, como não aconteceu, por exemplo, na prática comparatista realizada no ocidente. Como forma de mostrar a relevância da proposta do Simpósio, bem como justificar a importância da sistematização de sua problematização, vamos arrolar parte de um histórico que vem acontecendo em torno da rubrica supracitada: na ABRALIC de 2023, ocorrida em Salvador, propusemos o Simpósio intitulado de “Comparar para descomparar para re-comparar”. Assim, tal proposta de trabalho já encetava uma visada que antecipava a inscrição de uma literatura que viria a ser chamada de descolonial, haja vista que se tal literatura existe, a possibilidade de a pensar começa a partir, precisamente, do re-comparar do título do referido Simpósio. E entende-se o re-comparar, que aqui não deixa de ser um re-aprender ou um re-teorizar, como a possiblidade de se pensar “comparativamente” a partir do fora, ou seja, da exterioridade, exatamente daquele lugar (ou lugares) não contemplados pelo pensamento comparatista moderno ocidental que, por mais que tenha tido uma vontade salvífica e messiânica de inclusão, acabou, por sua vez, reforçando uma exclusão sumária no mundo, posto que só podia ser pensado de-dentro do ocidente e de seu sistema colonial de pensamento. Reiteramos que os trabalhos ali apresentados, na forma de comunicação no referido Simpósio, a seu modo trataram ou tangenciaram tal problemática, contribuindo, assim, para que investíssemos ainda mais naquela discussão, como agora ilustra esta proposta. Como desdobramento daquele Simpósio ainda, o professor Edgar Cézar Nolasco teve aprovado um projeto de extensão que ocorreu durante todo o ano letivo de sua Universidade (FAALC/UFMS) intitulado precisamente de Literatura Comparada Descolonial, em que vários pesquisadores da pós-graduação (PPGEL/FAALC/UFMS) e respectivos professores e convidados tiveram a oportunidade de discutir acerca da temática. Ainda no bojo de realizações em torno da temática, destacamos a publicação do periódico CADERNOS DE ESTUDOS CULTURAIS (2024), cuja temática foi exatamente o de Literatura comparada descolonial. (https://www.seer.ufms.br/index.php/cadec/issue/view/913). Entre os trabalhos ali publicados, destacamos quatro deles por trazerem, desde seu título, a presença das referidas literaturas comparadas e suas respectivas problemáticas : de autoria de Fábio do Vale ( um dos propositores deste Simpósio) temos o texto “Literatura comparada: (des)comparar para (re)comparar a partir do idioma brasileiro (p.111-133); de autoria de Marcos Antônio Bessa-Oliveira, temos o texto “Descolonizar o pensamento para desprender-se do comparar, e, para não teorizar decolonial como apreendido: comparar-se é um ato de fraqueza” (p.165-201); de autoria de Facundo Giuliano & Valentina Giuliano, temos o texto “Compulsión a la comparación o literatura compartida: una arma de la modernidad/colonilaidad y outro desarme por descoloniladad” (p.135-145); e, por último, de autoria de Edgar Cézar Nolasco ( um dos propositores deste Simpósio), temos o texto “Literatura comparada descolonial: conceituações” (p. 77-99). Esperamos, com isso, que nossa proposta esteja devidamente justificada e esperamos, sinceramente, que a oportunidade de encontro compartilhado, por meio do Simpósio, agregue ainda mais interessados em discutir acerca das literaturas comparadas, sejam elas descoloniais ou não.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura comparada; Literatura comparada descolonial; Pensamento moderno; Pensamento descolonial
LITERATURA, CULTURA E IDENTIDADE NA/DA AMAZÔNIA: circulação, tramas e sentidos na literatura
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: LITERATURA, CULTURA E IDENTIDADE NA/DA AMAZÔNIA: circulação, tramas e sentidos na literatura
COORDENADORES:
- Roberto Mibielli (UFRR) rmibielli@yahoo.com.br
- Sheila Praxedes Pereira Campos (UFRR) sheilapraxedes@hotmail.com
- Márcio Araújo de Melo (Universidade Federal do Norte do Tocantins) marciodemelo33@gmail.com
RESUMO: O simpósio que propomos não pretende dar conta da diversidade cultural da Amazônia, mas abrigar, contrastar, comparar, o possível, tanto interna, quanto externamente, questionando as fronteiras e limites de sua regionalidade/universalidade, além de mostrar uma fatia desta construção/invenção em seus múltiplos aspectos. Pretendemos exercer a comparação tanto no que concerne aos objetos abordados em cada trabalho, na sua relação com o cânone central, quanto na relação entre seus centros, margens e periferias, dentro e fora do âmbito do espaço regional amazônico, propondo sempre o necessário debate entre seus autores/pesquisadores. Nesse sentido, o simpósio objetiva, sempre a discussão acerca dos limites e das confluências linguísticas e culturais da/na Amazônia, nas perspectivas da Teoria da Literatura, dos Estudos Culturais do comparatismo (e áreas afins), deslocando-se o eixo da análise da cultura, desfazendo ideias já constituídas acerca dessa região, com vistas a tornar possível o debate em torno das identidades híbridas, de uma compreensão dessas identidades frente às estruturas globais e às novas configurações do lugar do periférico, das fronteiras, das culturas e das epistemologias não ocidentais, bem como da circulação, tramas e sentidos da Literatura neste universo. Pretendemos, principalmente, privilegiar questões relativas à literatura (sua teorização, suas possibilidades, suas categorias, o modo como se apresentam ao leitor os narradores, o que propõem como narrativa, que tipo de intervenção pedagógica é feita nas escolas a partir do objeto literário, por exemplo); privilegiar a estética de contos, fábulas e mitos da literatura latino-americana, de origem oral ou escrita. Também é nosso objeto de investigação a identificação e interpretação de certo discurso identitário, a partir do estudo comparado de textos literários diversos, enfocando questões culturais específicas, quase sempre oriundas ou emanadas, da produção literária/mitológica amazônica, de sua circulação, tramas e sentidos. Visa-se, deste modo, a compreensão das representações do ser amazônida, quer no habitat, quer longe dele, em seus anseios locais/universais, seja através da leitura das diversas relações de confronto entre a textualidade amazônica e a produção cultural na América Latina, ou do levantamento crítico da(s) identidade(s) plasmada(s) na produção literária da Região. Neste sentido, reunir-se-ão, inicialmente, professores pesquisadores das IFES de Roraima e do Tocantins, bem como, vêm se somando a esses pesquisadores dos demais estados amazônicos, bem como de outras paragens, interessados em temas e textos literários oriundos desta Região. A cada nova ABRALIC temos visto crescer a quantidade de trabalhos sobre a região Amazônica, ao mesmo tempo em que vemos crescer também a ignorância sobre ela. A diversidade de fronteiras e de culturas, dentro e fora das comunidades indígenas locais, é um dos elementos que tem merecido destaque em nossas pesquisas. Nesse sentido, a relação com as culturas ancestrais, ao longo das edições deste simpósio, em especial, tem se ampliado, amplificando o alcance da necessidade de discussão em torno das questões inerentes às culturas tradicionais da Amazônia. Em termos bibliográficos, algumas publicações resultaram das edições presencias anteriores desse simpósio como a publicação de um livro Nós da Amazônia: Literatura, Cultura e Identidade na/da Amazônia, em 2014, Literatura, cultura e identidade na/da Amazônia de 2018 e Literatura, cultura e identidade da Amazônia: circulação, tramas e sentidos em 2021, sempre levando o título do simpósio e os textos completos resultantes deste. É bem verdade que boa parte do conhecimento sobre nossa Região Amazõnica ainda está por ser construído. A imagem que prevalece, geralmente, é a de um “lugar periférico”, subdesenvolvido ao extremo (“primitivo”, para alguns), fechado em seus limites regionais, pobre, tomado pela floresta, em que há grande diversidade de culturas indígenas e pouca intelligentsia. Ou, como tem sido demonstrado pela imprensa nacional e internacional, um espaço de garimpo, subjugado pelo crime, terra sem lei. No Brasil, em especial, este imaginário (a que chamamos senso comum) construiu a equivocada ideia de que além de una, enquanto região, a Amazônia é brasileira. Mas, além de abranger vastas áreas urbanas, como Belém e Manaus (ambas com população acima de um milhão de habitantes cada, os centros regionais), a Amazônia já é internacional. Basta que verifiquemos a existência das outras amazônias fronteiriças e sulamericanas: a venezuelana, a boliviana, a colombiana, a peruana, a equatoriana, as guianenses... O ambiente que figura no senso comum tão pouco corresponde à realidade da Região. Se de um lado predominante, mas nunca homogêneo, há matas exuberantes e abundantes, por outro lado, também há o pântano, o altiplano e o lavrado (savana, pobre de florestas e rica em vegetação rasteira). Entendemos que estar, dessa vez, na Amazônia, falando dela é algo ainda mais importante. Não apenas em função dos temas e da vitrine para o mundo, que proporciona a ABRALIC, mas, principalmente, porque precisamos, entre nós, em nosso próprio solo, adquirir consciência do que somos. Nada melhor do que a pesquisa acadêmica para isso.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura da/na Amazônia; Literatura Comparada; Margens, periferias e Fronteiras
Margens e fronteiras amazônico-andinas: memórias, oralidades, visualidades, literaturas
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: Margens e fronteiras amazônico-andinas: memórias, oralidades, visualidades, literaturas
COORDENADORES:
- Gerson Rodrigues de Albuquerque (Universidade Federal do Acre (UFAC)) gerson.ufac@gmail.com
- Luana Ferreira Rodrigues (Universidade Federal do Amazonas) luanarodrigues@ufam.edu.br
- Francisco Bento da Silva (Universidade Federal do Acre) francisco.bento@ufac.br
RESUMO: A perspectiva que norteia este Simpósio Temático está inicialmente relacionada com as proposições teórico-críticas da escritora, ensaísta e crítica literária chilena, Ana Pizarro (2023) e do poeta, ensaísta e filósofo martinicano, Édouard Glissant (2005): com Pizarro é possível adentrar na significativa reflexão que aponta para a necessidade de se pensar formas outras de produção/análise do texto literário ao propor o conceito de fluxos culturais, por ela tomado como uma rede em constante mudança e movimento. Os fluxos culturais se transformam em fala, se expressam em língua, se tornam oralidade, escritura, gesto, movimento, canto, afirma a autora, destacando sua natureza múltipla. Tais fluxos se sobrepõem, se anulam, se intensificam e incorporam novas formas em diferentes sentidos, configurando outras dobras e linhas de fuga; com Glissant apreende-se o texto literário não como algo produzido em suspensão ou solto no ar, mas que sempre provém de um lugar, de um espaço/tempo, de uma paisagem que proporciona a produção de palavras, discursos, afetividades, percepções estéticas, poéticas, políticas. E esse lugar é parte da totalidade-mundo, uma categoria analítica que embasa a poética da relação e a percepção de que todo texto literário provém de um lugar que é sempre inseparável do todo-mundo. Na vertente das categorias formuladas por Pizarro e Glissant, encontra-se um rico veio para debater a relação literatura, margens e fronteira a partir de narrativas que vêm sendo urdidas em localidades amazônicas e andinas que podem constituir-se como elementos de fundamental importância para uma espécie de cartografar ou mapear toda uma literatura e/ou textos críticos produzidos nas margens transfronteiriças dos mundos latino-americanos, em uma significativa geografia de encontros, percepções e sentimentos (Albuquerque 2015). Cartografar esse que também implica em estabelecer um distanciamento crítico do que se convencionou chamar de “literatura de expressão amazônica”, geralmente legitimadora de noção de uma região fundada sob o “signo da colonização, da ocupação, do desenvolvimento, da evolução, da integração, da civilização, e da modernidade ininterruptas” (Albuquerque 2024), em uma redundante repetição acrítica e objetivista dos mesmos lugares comuns que reduzem os mundos amazônico-andinos a um fantasmagórico lugar vazio, desértico, distante, isolado, primitivo e selvagem. Nessa direção, sem perder de vista os desafios dos tempos presentes, compreendendo que não se diz qualquer coisa em qualquer tempo, em qualquer lugar (Foucault, 2007) e pautado na ideia de que sempre que a dimensão estética entra em debate é necessário lançar mão de um olhar profanador (Benjamin, 1993) ou de um olhar político em substituição ao olhar histórico (Sarlo, 1997), este ST abre espaço para abrigar pessoas dispostas a compartilhar estudos, leituras e reflexões críticas que coloquem no centro das discussões as memórias, as oralidades, as visualidades e as literaturas dos mundos andino-amazônicos, pensando suas muitas margens e fronteiras como lugares em que a totalidade-mundo é tecida. Nesse diapasão, a relação entre o lugar e sua relação com o mundo coloca em cena a crítica ao eurocentrismo, mas sem deixar de problematizar essencializadas categorias provincianas e amazonialistas (Albuquerque, 2016) que tomam a Amazônia ou o mundo andino como coisas em si, como substâncias. O que se busca é ampliar e colocar em outras bases o debate em torno do binômio local–global com o objetivo de contemplar variadas possibilidades interpretativas para se pensar cidades, florestas, rios, planícies e montanhas como espaços/tempos multifacetados nos quais são alinhavadas as experiências, as mediações, as relações socioculturais simétricas e assimétricas de mulheres e homens de distintas comunidades humanas e de distintos componentes étnicos e linguísticos. No rastro de redes de relacionamentos, estruturas de sentimentos e processos de apropriação/incorporação, as memórias, as oralidades, as visualidades, as literaturas ou os fluxos culturais se constituem como imprescindíveis elementos para se estabelecer diálogos com múltiplas formas de simbolizar vivências, experiências, resistências, reexistências, sobrevivências e escrevivências (Evaristo, 2020) de sujeitas e sujeitos sociais e históricos em exercícios de suas próprias invenções e reinvenções como seres iguais/diferentes (Arendt, 2009), bem como com as territorialidades, margens e fronteiras que são produzidas, renovadas ou refeitas em seus modos de viver, sonhar, amar, lutar. No amplo espectro dessas questões ganham sentido e relevância as narrativas orais, escritas e imagéticas potencializadoras de vozes, performances, imaginários, viveres, saberes e fazeres capazes de permitir incursões em trajetórias individuais e coletivas em contínuos diálogos com processos identitários e com alteridades. A tecitura de outros caminhos para a formulação de novos diálogos histórico-literários, para o acolhimento de interpretações humanizadoras e para a percepção de intervenções sustentáveis sobre as diversas realidades culturais amazônicas, andinas, indoamericanas pode ganhar consistentes fios nas conversações, debates e diálogos acadêmicos centrados nas temáticas norteadoras deste Simpósio Temático.
PALAVRAS-CHAVE: Amazônias; Mundos andinos; Fronteiras; Margens; Literaturas.
ONTOCOSMOLOGIAS INDÍGENAS E ESTUDOS LITERÁRIOS
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: ONTOCOSMOLOGIAS INDÍGENAS E ESTUDOS LITERÁRIOS
COORDENADORES:
- ALEXANDRE ANDRÉ NODARI (Universidade Federal de Santa Catarina) alexandre.nodari@gmail.com
- ADALBERTO MULLER JUNIOR (Universidade Federal Fluminense) adalbertomuller@gmail.com
- Marina Santos Ferreira (Universidade Federal de Santa Catarina) mazinhagaspar@hotmail.com
RESUMO: Em tempos de agravamento das crises climáticas e, portanto, de urgência por mudanças nos modos de ser e de se relacionar com outros seres (humanos e não-humanos), este simpósio pretende abordar as margens e cruzar as fronteiras de diálogo entre a literatura e os saberes/práticas ancestrais dos povos originários, pensando a literatura como forma de “antropologia especulativa” (Nodari) que situe tais saberes/práticas frente às proposições cosmopolíticas e pluriversais (Stengers, Latour, Escobar). Assim, antes de partir para o mero confronto ou diferenciação polarizada (p. ex., entre “centro x margem”, “original x cópia”, “metrópole x periferia”; “nacional x cosmopolita”; “escrita x oralidade” etc.) queremos pensar/passar por margens e por fronteiras, lá onde as ideias de inscrição, de rastro e de traço criam heterotopias, onde o método volta a ser caminho e passagem, lugar de transversalidade de saberes e de horizontalidade das relações entre sujeito e objeto. É nessa condição que acreditamos ser possível repensar os pontos de ruptura e de sutura da tradição humanista e da modernidade com as ontocosmologias não-modernas ou extra-modernas. Trata-se de pensar, assim, a inscrição histórica (o rastro, a contra-escrita, as marcas) de outros saberes que permanecem ou permaneceram silenciados pela tradição colonial alienígena (moderna) que se instalou em Abya Yala – ou o grande e antigo continente que os europeus chamaram de América. Considera-se que tal tradição sempre teve a seu serviço o que se pode chamar de uma epistemologia branca, que via de regra operou tacitamente no sentido de escrever sobre (e sobrescrever) as formações discursivas e “literaturas menores” e/ou subalternizadas, as quais, em contrapartida, sempre foram (contra-)escrevendo uma outra História, e inscrevendo outros sentidos e outras formações no corpo heteróclito (e heterotópico) do sistema colonizador. Vale recordar que, via de regra, tais saberes/práticas (cosmologias, epistemologias ou ontologias) não fizeram parte nem da “formação” das literaturas nacionais nem da fundamentação econômica e jurídica de Estados que se estruturaram justamente sobre os corpos e territórios dos excluídos (inclusive os corpos animais e vegetais). Embora a história da violência originária seja incontornável, inclusive atuando de modo a perpetuar e manter as estruturas de silenciamento, é importante notar que não se trata apenas de evocá-la na formação moderna, mas de abrir-se à escuta efetiva de vozes, corpos e saberes tradicionalmente subalternizados. Trata-se, em outras palavras, a partir da escuta, de procurar traduzir essas outras vozes, ou os rastros dessas outras vozes, que muitas vezes falaram (direta ou indiretamente) em suas línguas de origem – como as línguas mesoamericanas e andinas e sub-equatorianas –, seguindo as lições dos próprios nativos que, como escritores, artistas, pensadores e tradutores, têm estranhado o que se entende por língua, literatura, Nação e mesmo mundo. Queremos insistir, nesse sentido, sobretudo no aspecto de linguagem que fundamenta esta proposta, pois, mais do que ouvir o que fala (ou não) o subalterno, trata-se de escutar o “como” da sua fala, ou seja, de escutar em sua(s) própria(s) língua(s), ou nas línguas que surgem de uma relação (Glissant) ou das múltiplas formas e línguas de contato e de tradução. Desse modo, queremos refletir sobre – e mais que refletir, fazer trabalhar – os regimes de multilinguismo e de heteroglossia que poderiam fomentar a discussão sobre Estados plurinacionais, que reconheçam as suas fronteiras de dentro. Nesse sentido, a literatura comparada é tomada aqui como um território onde se tornam possíveis várias formas de relação e de tradução, um entrelugar heterogêneo e heterotópico, em que a comparação não se dá entre objetos literários pressupostos como equivalentes (um romance russo e um conto brasileiro, sistemas ou formações literárias de diferentes regiões, etc.), mas entre práticas verbais que, de saída, são tomadas como equívocas (Viveiros de Castro), pois se embasam em metafísicas e mundos de referências distintos. Do ponto de vista pragmático, pretendemos, com o simpósio, ao mesmo tempo, e de forma interligada: 1) auxiliar na visibilização e institucionalização acadêmicas da pesquisa em literaturas indígenas e minoritárias, inclusive e especialmente incentivando a presença de pesquisadores, professores e escritores indígenas ou que trabalhem com línguas e literaturas indígenas e minoritárias; 2) reunir, estabelecer e expandir a rede de pesquisadores de literaturas e cosmologias indígenas, congregando estudiosos de diversos níveis, daqueles ainda em formação (pós-graduandos) àqueles já renomados e estabelecidos institucionalmente; 3) dialogar com os povos indígenas que eventualmente possam se deslocar até o Congresso da Abralic.
PALAVRAS-CHAVE: Fronteira; Cosmologias Indígenas; Inscrição e rastro; tradução
Redes e conexões latino-americanas nos estudos eslavos e do leste europeu
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: Redes e conexões latino-americanas nos estudos eslavos e do leste europeu
COORDENADORES:
- PRISCILA NASCIMENTO MARQUES (UFRJ) priscilamarques@letras.ufrj.br
- BRUNO BARRETTO GOMIDE (USP) bgomide@usp.br
RESUMO: A presença da literatura de expressão russófona no contexto brasileiro constitui uma tradição já longeva e profundamente marcada por uma interface entre tradução e crítica literárias, dois pilares fundamentais para a difusão dessa literatura em espaços tão distantes em termos culturais e geográficos, como é o caso da Rússia e e do Brasil. Outro traço importante dessa recepção é a presença da produção acadêmica, isto é, da universidade como espaço de formação de especialistas e tradutores que, posteriormente, passam a atuar na esfera pública na condição de mediadores e intérpretes da literatura e da cultura de expressão russa para um público mais amplo e não necessariamente especializado. No que se refere ao caso brasileiro, em particular, verifica-se que a presença de emigrados do Leste Europeu, de suas diversas regiões e culturas (eslavas, bálticas, latinas e magiares), se mistura com um corpo de estudiosos locais, o que fez surgir perspectivas, abordagens e produções originais sobre esse campo de estudos. Ao longo das últimas duas décadas tem-se visto a ampliação dos focos dos estudos eslavos e do Leste Europeu no Brasil e na América Latina, numa progressiva e muito desejável descentralização temática e metodológica, que cada vez mais se direciona para a formação de uma rede de pesquisadores, tradutores e críticos de diferentes áreas, como a literatura, a história, o cinema, o teatro, as ciências sociais e outras. O estudo dos idiomas eslavos é um fator decisivo para incrementar a qualidade dessas pesquisas. Combinado com o acesso a outras tradições de recepção, como a europeia e a norte-americana, a pesquisa baseada nas fontes no idioma original, com investigações de arquivo e intercâmbio com estudiosos russos, a eslavística brasileira e latino-americana tem ganhado contornos próprios. Algumas vertentes e campos de pesquisa têm se destacado, como é o caso: a) dos estudos de recepção e de circulação transnacional da literatura russa e do Leste Europeu; b) das diferentes escolas tradutórias, com destaque para a abordagem da transcriação na tradução poética, introduzida pelos poetas Haroldo de Campos e Augusto de Campos e pelo tradutor Boris Schnaiderman (Campos; Campos; Schnaiderman, 2001); c) do amplo corpus de pesquisas monográficas (em nível de mestrado e doutorado) com tradução e comentário sobre autores específicos; d) dos estudos no campo da história, sociologia e ciência política, que têm produzido análises e investigações a partir da chave “centro-periferia”; e) da apropriação das dramaturgias russófonas nos palcos nacionais; e assim por diante. Este simpósio, que tem sido acolhido pela Abralic desde 2006, ocupa um espaço de destaque para a congregação de estudiosos brasileiros e latino-americanos que se dedicam ao campo da eslavística e dos estudos do Leste Europeu, constituindo-se como um lócus para a formação e consolidação de uma rede de pesquisadores em nível nacional e transnacional. O simpósio pretende reservar um espaço para a discussão de possíveis e necessárias questões relativas ao campo dos estudos eslavos, mais especificamente aquelas que emergiram na esteira da invasão russa de 2022 ao território ucraniano, que tem motivado, no "norte global", uma intensa revisão de paradigmas críticos e teóricos. No espírito da tradição interdisciplinar das outras edições deste GT na Abralic, convidamos os/as participantes a enviarem suas contribuições nas seguintes áreas: 1) Teoria da literatura e crítica literária de expressão russa, bem como seus possíveis diálogos com outras tradições da Teoria; 2) Interfaces e debates entre processos históricos e a literatura russófona e do Leste Europeu; 3) Discussões sobre as especificidades da tradução de textos literários e teóricos russos para o espanhol e o português; 4) Estudos comparados entre autores latino-americanos e de expressão russa, considerando as literaturas nacionais da Rússia e do Leste Europeu, em toda a sua variedade multilinguística; 5) Transposição da literatura russófona para outras formas artísticas, como o teatro, o cinema e outras modalidades de produção audiovisual e processos de tradução intersemiótica; 6) Estudos histórico-literários sobre questões geopolíticas relativas ao Leste Europeu segundo uma perspectiva do Sul Global; 7) O problema da literatura documental, ou “literatura do fato”, em autores de expressão russa; 8) Estudo e tradução da poesia russófona e investigações comparatistas com literaturas nacionais latino-americanas; 9) Pesquisas sobre questões ligadas a autores do Leste Europeu na emigração, seja ao longo da história ou na contemporaneidade; 10) Impactos críticos, teóricos e éticos da guerra na Ucrânia para os estudos latino-americanos.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura russófona; Literatura do Leste Europeu; Estudos interdisciplinares; Crítica literária; Tradução
Tradução, infâncias e ecologia
EIXO: MARGENS E FRONTEIRAS
SIMPÓSIO: Tradução, infâncias e ecologia
COORDENADORES:
- KATIA AILY FRANCO DE CAMARGO (UFRN) kafcamargo@gmail.com
- Lia Araujo Miranda de Lima (Universidade Federal de Minas Gerais) liaamiranda@gmail.com
RESUMO: A literatura infantojuvenil e a tradução literária destacam-se como campos de criação e reflexão que dialogam diretamente com as questões ecológicas contemporâneas e as representações culturais do Sul Global. Ambas as práticas, em suas especificidades, oferecem caminhos para repensar as relações entre o humano e o não-humano, os modos de habitar a terra e as possibilidades de convívio com a alteridade. Ao unir essas perspectivas, propomos um simpósio que investigue as interseções entre literatura infantojuvenil, tradução e ecologia, fomentando um debate interdisciplinar sobre como essas dimensões articulam novas formas de imaginar e agir no mundo. A literatura infantojuvenil contemporânea tem se destacado como um espaço privilegiado de reflexão sobre questões ambientais, abordando temas como mudanças climáticas, preservação da biodiversidade e justiça ecológica. Exemplos como Sagatrissuinorana, de João Luiz Guimarães, e Tempo de colher flores, de André Zamboni, que tratam do rompimento de barragens de rejeitos de mineração, ilustram o potencial dessas obras em explorar narrativas que combinam elementos simbólicos e realistas. Histórias como essas evocam paisagens, seres vivos e cosmologias que questionam a lógica antropocêntrica, incentivando crianças e jovens leitores a refletirem sobre suas relações com o meio ambiente. O mais recente livro de Anabella Lopez, O homem, o rio e a caixa, reforça essa tendência ao explorar a interconexão entre humanos e natureza. Nesse contexto, a ecocrítica emerge como uma abordagem essencial para compreender como essas narrativas articulam representações da natureza e tensionam os desafios ecológicos do presente. A literatura infantojuvenil contemporânea não apenas estimula a reflexão sobre questões ambientais, mas também promove o diálogo com cosmogonias locais e formas de habitar o mundo que valorizam a coexistência e a interdependência entre os seres, desafiando perspectivas centradas na exploração desenfreada dos recursos naturais. Assim, essas obras transcendem o entretenimento ou a função pedagógica ao convidarem os leitores a se reconectarem com práticas culturais e modos de pensar enraizados em saberes tradicionais e experiências comunitárias. Em sua essência, essas narrativas reforçam a urgência de reimaginar as relações entre o humano e o não-humano em uma perspectiva mais integradora e sustentável. Por outro lado, a tradução literária liga-se intimamente às relações com o outro, tensionadas pelas contradições entre desejo e repulsa, hospitalidade e rejeição, consentimento e recusa, abertura e fechamento, ternura e violência. Ela se volta ainda em direção às origens, movida por uma nostalgia de uma língua pura e originária, segundo Benjamin. A tradução literária constitui um espaço singular para refletir sobre o recente e crescente interesse das sociedades pós-industriais pelas cosmogonias de povos originários, em resposta à cisão cada vez mais radical entre o humano e a terra e às ameaças à vida daí recorrentes. Nesse cenário, abre-se espaço para a escuta de outras línguas, humanas e não-humanas, e para o exercício poético de abertura da língua que está no cerne da tradução. Gêneros ligados à oralidade, como a poesia e o conto, interessam a um horizonte de comunhão e participação na totalidade da linguagem. Da mesma maneira, as práticas artesanais de confecção paciente e minuciosa de objetos surgem como metáfora do trabalho do escritor e do tradutor, que desafiam as concepções mercantilistas e imediatistas do tempo. Se essa contemplação, perdida no culto à mercadoria, sobrevive em comunidades tradicionais, em sua espiritualidade e em sua vida comunitária, ela também persiste na infância, notadamente nas brincadeiras, na efabulação e nos contos de encantamento. Este simpósio se interessa pela tradução literária enquanto manifestação das tensões inerentes ao encontro com o outro, com ênfase nos movimentos contemporâneos de escuta de povos periféricos e resgate de modos originários de habitar a terra e habitar a língua. Neste cenário, a infância aparece como topos ligado a um estado intenso de receptividade e a uma persistência da magia em um mundo desencantado. Este simpósio busca reunir estudos que investiguem as interseções entre literatura infantojuvenil, tradução literária e ecologia, promovendo um diálogo interdisciplinar e inovador. Dentre os temas sugeridos, destacam-se: representações simbólicas da natureza na literatura infantojuvenil; cosmologias locais, saberes tradicionais e tradução; tradução literária como ponte para o outro; diálogos interdisciplinares entre literatura infantojuvenil, tradução e ecologia; artesanato e tradução; conto, infância e tradução. Nosso objetivo é fomentar uma troca de ideias e perspectivas que contribua para a construção de novas formas de imaginar e atuar no mundo, enfatizando a importância da literatura e da tradução no enfrentamento dos desafios do presente.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura infantojuvenil; Estudos da Tradução; Ecopoética.
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COP30: o que a literatura tem a dizer?
- LUÍS HELENO MONTORIL DEL CASTILO (Universidade Federal do Pará) - heleno@ufpa.br
- SHEILA LOPES MAUÉS AUTIELLO (L’UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI MILANO) - sheilamaues@gmail.com
- Josiclei de Souza Santos (ufpa) - josicleisouza@yahoo.com.br
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Deslocar o olhar, a paisagem, o tempo: o rio como dimensão imagético-discursiva na literatura e nas artes latino-americanas
- Larissa Costa da Mata (Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) / PPGL-UERN) - larissa.mata@ufersa.edu.br
- Laíse Ribas Bastos (Universidade Federal do Rio de Janeiro) - laiserb@gmail.com
- Helano Ribeiro (Universidade Federal da Paraíba) - hjcribeiro@gmail.com
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ENCANTARIAS E ENCANTADOS NAS PARAGENS E PAISAGENS IMAGINÁRIAS DA AMAZÔNIA
- Marisa Martins Gama-Khalil (UNEMAT; CNPq) - mmgama@gmail.com
- Sonia Maria Gomes Sampaio (Universidade Federal de Rondônia) - soniagomesampaio@gmail.com
- Larissa Gotti Pissinatti (Universidade Federal de Rondônia) - larissa.pissinatti@unir.br
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METÁFORAS, POÉTICAS, COSMOGONIAS, FIGURAS E NARRATIVAS RIBEIRINHAS (DE HERÁCLITO A KRENAK)
- Maria Aparecida Oliveira de Carvalho (Universidade Estadual de Montes Claros) - tidac92@gmail.com
- Adolfo Cifuentes (UFMG) - adolfocifuentes27@gmail.com
- JÚLIA DE CARVALHO MELO LOPES (Universidade Federal do Ceará) - julialopesss@gmail.com
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Rios em (des)cursos, margens em linguagens: travessias e atravessamentos na produção poética de mulheres
- ADRIANA DE FÁTIMA ALEXANDRINO LIMA BARBOSA (UnB) - adrianafba@gmail.com
- Anélia Montechiari Pietrani (Universidade Federal do Rio de Janeiro) - aneliapietrani@letras.ufrj.br
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Territórios e territorialidades da América Latina: natureza, espaço, escrituras, corporalidades e fronteiras
- Brenda Carlos de Andrade (Universidade Federal Rural de Pernambuco) - brenda.carlosdeandrade@gmail.com
- Wanderlan Alves (Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)) - alveswanderlan@yahoo.com.br
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Wilderness - a selva nos imaginários culturais e nas literaturas do mundo moderno
- Márcio Matiassi Cantarin (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) - cantarin@gmail.com
- Klaus Friedrich Wilhelm Eggensperger (Universidade Federal do Paraná) - klausegge@gmail.com
- Rita do Perpétuo Socorro Barbosa de Oliveira (Universidade Federal do Amazonas) - ritapsocorro@ufam.edu.br
COP30: o que a literatura tem a dizer?
EIXO: RIOS E OUTRAS PAISAGENS
SIMPÓSIO: COP30: o que a literatura tem a dizer?
COORDENADORES:
- LUÍS HELENO MONTORIL DEL CASTILO (Universidade Federal do Pará) heleno@ufpa.br
- SHEILA LOPES MAUÉS AUTIELLO (L’UNIVERSITÀ DEGLI STUDI DI MILANO) sheilamaues@gmail.com
- Josiclei de Souza Santos (ufpa) josicleisouza@yahoo.com.br
RESUMO: Em novembro de 2025, Belém do Pará sediará a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30). O que a literatura tem a dizer sobre isso? Em 1981, João de Jesus Paes Loureiro lançou Deslendário. Nessa obra, o poema que dá nome ao livro "interpela": "No verde, verde medo, entre ciladas/e nos cipós ardentes das queimadas, / enforca-se o uirapuru / na clave de seu canto". Em 1983, Cecim, enervou o real da Amazônia com seu Manifesto Curau, no SBPC daquele ano, em Belém do Pará, dito assim: "Há tribos na Amazônia que afirmam: a vida é uma ilusão, só os sonhos têm realidade. Não. Não se trata de mais uma alienação, mera crença. Antes é preciso ver nisso a presença de uma consciência que já viu". Dois anos antes, Cecim escreveu em Os Jardins e a Noite: “A ave era toda vermelha. Estava lá, parada. Parecia doente. (...) E aquela não era uma ave como as outras, isso eu vi logo. Curau. (...) Foi antes de achar a ave. Eu tive um sonho. Quando acordei, não entendi o que havia visto sem meus olhos. No sonho. Agora sei que tinha sido uma anunciação. Havia visto os dias de medo que mais tarde vieram se instalar entre nós.” Nesses trechos, o ato de ver é de suspeita e assombro. A suspeita vem aposta por Clei Souza no poema Amazônia, do livro de poemas Silêncios a Plenos Pulmões, de 2024, em que: "floresta / esses que te pensam virgem / não sabem que o teu silêncio é a soma / de tantas línguas assassinadas". Como não perceber o elo com a obra A Queda do Céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, ditos assim: “Mais tarde, eu disse a você: “Se quiser pegar minhas palavras, não as des¬trua. São as palavras de Omama e dos xapiri. Desenhe-as primeiro em peles de imagens, depois olhe sempre para elas. Você vai pensar: “Haixopë! É essa mesmo a história dos espíritos!”. E, mais tarde, dirá a seus filhos: “Estas pala¬vras escritas são as de um Yanomami, que há muito tempo me contou como ele virou espírito e de que modo aprendeu a falar para defender a sua floresta”. No livro Letra da Água, de Luciana Brandão Carrera, o poema Lenda Nova revive o mito para fazer renascer uma outra Naiá, “Ela que regurgita Yaci, / para finalmente reamanhecer uma mulher com / cabeça, tronco e membros revestidos de carne / e osso.” Tomando como base essas seis entradas, o presente simpósio faz a chamada de trabalhos que permitam debater sobre Amazônia e seus atravessamentos civilizatórios a fim de refletir sobre o que a literatura teria a dizer em tempos de COP30. Sabe-se que as cidades em meio à selva têm sido a arena mais aguda em que tem se dado o choque civilizatório entre território amazônico de povos tradicionais da floresta e o território amazônico transformado pelos projetos desenvolvimentistas na região. Seus impactos são sentidos mesmo quando se trata de um caboclo em sua casa na beira do rio ou um indígena em sua aldeia, porque os movimentos de seus agenciamentos passam pelo sentido de modernidade e modernização em direção à cidade ou a partir dela, e os atravessam. Queremos convidar para esse simpósio comunicações que instiguem a pensar sobre o que a literatura tem figurado e intermediado simbolicamente até o fundo de uma Lenda Nova. Também um convite ao debate sobre o que ainda assombra e aterroriza a ponto de mortificar o sonho “de uma consciência que já viu”. Pensar sobre esse imaginário perpassado pela intermediação da literatura sobre a transformação do espaço natural e suas várias reconfigurações tendo como uma das suas forças a cidade nas "selvas". A percepção das culturas amazônicas que surgem nas periferias dessa cidade formando o que chamamos de culturas movediças oriundas de territórios de desenraizamento e a percepção das vozes oriundas desses territórios é o que está figurado em muitas literaturas da Amazônia. Sabe-se que o projeto de modernização do território amazônico construiu os monumentos de cultura e civilização a refletir seus espólios deixados nas periferias desse centro-círculo civilizado, que se desenharam na posteridade, ressoando nas vozes dos que perderam. Convidamos a pensar sobre a transformação desse espaço amazônico segundo a lógica dessa conversão da natureza como lugar de cultura e “templo sagrado” em mercadoria, bem como as consequências dessa forma de subjugar a natureza ao regime acumulativo altamente destrutivo. O que a literatura tem figurado sobre isso? O sujeito constituído no material lendário, mítico, poético e imaginal vindos dessa natureza que a enunciava submerso pelas águas e pela profusão da floresta que o cercava, é “deslendado” pelo processo civilizatório instaurado pelos muitos projetos desenvolvimentistas da região com as consequências desse deslendamento na psique que vem. Assim, o presente simpósio está aberto aos textos-Curau.
PALAVRAS-CHAVE: AMAZÔNIA; LITERATURA; COP30
Deslocar o olhar, a paisagem, o tempo: o rio como dimensão imagético-discursiva na literatura e nas artes latino-americanas
EIXO: RIOS E OUTRAS PAISAGENS
SIMPÓSIO: Deslocar o olhar, a paisagem, o tempo: o rio como dimensão imagético-discursiva na literatura e nas artes latino-americanas
COORDENADORES:
- Larissa Costa da Mata (Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) / PPGL-UERN) larissa.mata@ufersa.edu.br
- Laíse Ribas Bastos (Universidade Federal do Rio de Janeiro) laiserb@gmail.com
- Helano Ribeiro (Universidade Federal da Paraíba) hjcribeiro@gmail.com
RESUMO: Em Amazonía. El rio tiene voces (2009), Ana Pizarro lança luz à floresta amazônica como uma construção discursiva. Assim como o Orientalismo emergiria de um relato parcial do Ocidente, essa elaboração seria oriunda dos relatos de cientistas, artistas e descobridores, e reforçaria a concepção de que essa terra consistiria no Eldorado perdido, envolta em mitos e em relatos fantasiosos, tão imprecisa quanto os mapas da época (Pizarro, 2009; Hecht, 2013). Em muitas dessas narrativas, se a opulência da floresta seduzia os viajantes para tragá-los e expeli-los, o rio figurava como uma potência fluida, confundindo-se com o céu e o mar, dada a sua imensidão, arrastando margens e ilhas e transformando territórios, dividindo as águas, mesclando-se ao oceano e mudando de cor, de modo que a paisagem nunca poderia ser a mesma. Munido dos naturalistas, Euclides da Cunha, em À margem da história, compreende a Amazônia como uma imagem evanescente, a qual escapa à tentativa de fixação pelos Estados brasileiro e peruano, que disputam as fronteiras, e pelo observador, que contempla imóvel as súbitas mudanças (Cunha, 2017; Cunha, 2000). Aproximando a gênese do apocalipse, Cunha apresenta uma paisagem da qual os humanos estão ausentes e a civilização colabora para erigir ruínas e desertos (Foot Hardman, 2009). Uma perspectiva similar atravessa autores latino-americanos como Alberto Rangel (em Inferno verde), contemporâneo de Cunha, em cujas narrativas as terras caídas transmutam o lar em miragens, e Eustasio Rivera (em La vorágine), cujo romance evoca a selva e o rio como vórtices, lugares “de destruição contínua e natural, provocando a lenta e incansável devoração da matéria” (Bernucci, 2017, p. 15). Igualmente, modernistas como Raul Bopp, em Cobra Norato, revelam uma natureza úmida, escura e uterina, violenta para um sujeito poético estranho à floresta (Sá, 2012); já Maria Martins distorce as formas naturais das serpentes e lianas das esculturas, evocando as lendas amazônicas (das águas e da terra) e a geografia instável de Cunha nos seus poemas em prosa. Tais textos partilham, ainda, uma concepção filosófica do começo como um turbilhão, inspirada em autores como Walter Benjamin, capaz de fazer emergir imprevisivelmente as imagens na história. É nesses termos que Georges Didi-Huberman compreende a arte transgressiva brechtiana como aquela que provoca o jorro para fora do tempo, a montagem como fruto de abalo e movimento e a possibilidade de atualização da história por um olhar lançado “às fraturas dos solos” e ao “turbilhão do rio dos estilos” (Didi-Huberman, 2016; 2015, p. 96). Antes dele, Gilles Deleuze e Félix Guattari constataram que o mar, assim como o rio, se trata de um lócus de não pertencimento, na medida em que ocupa o espaço como uma força, assumindo aparências variadas (Deleuze, Guattari, 2005). Bruno Latour (2020), que partilha com Guattari a preocupação ecológica, concebe o rio como um dos exemplos de como a natureza, supostamente inanimada, seria dotada de agência. O sociólogo francês problematiza a relação da espécie humana com a terra (Gaia) como um conflito entre gênese e engendramentos, uma vez que nos direcionamos às nossas genealogias familiares como um salmão que busca a fonte do rio, enquanto elaboramos incansavelmente os artifícios que colocam em risco a nossa sobrevivência (Latour, 2021). A discussão pode ser ampliada, portanto, para além da dimensão cartográfica, ou seja, pensando-se a dimensão territorial de dentro para fora, a partir dos vínculos, interdependências, e das relações que tornam a vida possível para um determinado indivíduo. Assim temos uma medida pautada pela intensidade, de modo que um mapa ou uma linha cartográfica deixam de ser apenas linhas fronteiriças, tornando-se vetores de fuga ou dispersão, imagens que se estendem do rio para aquilo que está além e surge a partir dele, impactando também as noções de proximidade e distância. Consequentemente, trata-se de pensar, ainda, as relações entre sujeito e política, economia, produção, subsistência e Estado (Latour, 2021). Nesses termos, vale recordar que, além da tradição moderna e modernista (Eustasio Rivera, Mário de Andrade, Raul Bopp, João Cabral de Melo Neto) e de seus precursores (Alberto Rangel, Euclides da Cunha), a imagem do rio tem perpassado inúmeros textos da literatura contemporânea, tais como a poesia de Josely Vianna Baptista e de Sony Ferseck, interessadas, respectivamente, em ilhas fluviais e rios ocres e barrentos e em Makum’pa, um corpo-rio claro que lavra a terra, ou a prosa de Micheliny Verunschk, em que o curso da água assume a potência de uma narrativa a contrapelo da história, atravessando o tempo e os continentes. Nesse sentido, este simpósio busca reunir trabalhos que discutam as contribuições da literatura e das artes latino-americanas, do século XX em diante, para essas questões. Como textos literários e obras de arte colaboram para sustentar tais concepções – do rio e de suas margens como dimensões temporais, imaginárias e discursivas, que deslocam territórios, tornando o ser humano expatriado – ou mesmo contorná-las, produzindo reflexões alternativas?
PALAVRAS-CHAVE: Rio; Desterritorialização; Anacronismo; Literatura Latino-Americana; Imagem.
ENCANTARIAS E ENCANTADOS NAS PARAGENS E PAISAGENS IMAGINÁRIAS DA AMAZÔNIA
EIXO: RIOS E OUTRAS PAISAGENS
SIMPÓSIO: ENCANTARIAS E ENCANTADOS NAS PARAGENS E PAISAGENS IMAGINÁRIAS DA AMAZÔNIA
COORDENADORES:
- Marisa Martins Gama-Khalil (UNEMAT; CNPq) mmgama@gmail.com
- Sonia Maria Gomes Sampaio (Universidade Federal de Rondônia) soniagomesampaio@gmail.com
- Larissa Gotti Pissinatti (Universidade Federal de Rondônia) larissa.pissinatti@unir.br
RESUMO: O simpósio abrigará trabalhos que se proponham a realizar reflexões sobre manifestações de encantarias e/ou de seres encantados no espaço da região amazônica. Entendemos as encantarias como uma paisagem imaginária através da qual os seres encantados podem desvelar-se por meio de ficções. O poeta e teórico João de Jesus Paes Loureiro define as encantarias a partir do espaço mítico e poético constituído pela mata, pelos rios e também pelo sfumato ou devaneio, “onde habitam os encantados, os deuses da cultura amazônica” (Paes Loureiro, 2008, p. 7). Configura-se também como encantaria a linguagem que poetiza e/ou narra acontecimentos desse espaço encantado. Para Paes Loureiro, a conversão semiótica faz a função prática da linguagem ceder lugar à função poética, desautomatizando as palavras, reinventando-as. Ao falar de encantarias, naturalmente as palavras perdem o uso automatizado e buscam novos horizontes sígnicos. A irrupção “da função poética das abismais encantarias da linguagem ocorre no processo de re-hierarquização dos signos com a inversão da dominante que passa a ser exercida pela estética” (Loureiro, 2008, p. 16). A imaginação e o devaneio tomam conta dessa linguagem ressignificada. Para tratar do devaneio, Paes Loureiro vale-se de uma noção da pintura, sfumato (esfumado), que é o efeito provocado pelo uso da estopa em vez do pincel, fazendo com que o desenho fique com as sombras esbatidas, esfumaçadas. É a natureza fugaz e imprecisa do sfumato que permite a passagem da experiência cotidiana para a experiência poética, da natureza humana para a natureza cósmica. O sfumato, na cultura amazônica, é o devaneio e este é “uma atitude sem repouso, mas tranquila do imaginário” (Paes Loureiro, 2015, p. 60). Esse imaginário é incessantemente instigado a manifestar-se num espaço repleto de florestas de árvores, águas e símbolos. O espaço por excelência das encantarias é a natureza e esta encontra-se entranhada de mitos, mistérios, revelações. No caso da Amazônia, trata-se da floresta aquosa, penetrada por águas reais e simbólicas, misteriosas. Os povos originários e as comunidades beiradeiras traduzem suas experiências na floresta através de histórias, faladas ou cantadas, repletas de encantarias. Os botos, curupiras, mapinguaris, iaras ou guayaras, matintas pereiras, kãweras, ypurés, assombrações, miragens e visagens são nalguns desses seres encantados que habitam as experiências diárias e imaginárias do povo amazônida. Muitas experiências encantadas originam-se da relação íntima e simbiótica dos humanos com os animais, uma relação que, vista pelos olhos da razão ocidental, seria insólita. Contudo, os ameríndios têm uma visão animista da existência. O animismo manifesta uma equivalência autêntica e multinatural entre as relações que humanos e não-humanos cultivam consigo mesmos, por isso podemos dizer que os animais veem os animais como os humanos veem os humanos: como humanos (Viveiros de Castro, 2017). Assim, os sistemas animistas se caracterizam pela continuidade das relações entre humanos e não humanos; nesses sistemas, as interioridades e subjetividades comuns superam as descontinuidades representadas pelas diferenças corporais, físicas. Philippe Descola defende que o animismo consiste no melhor antídoto contra o solipsismo, pois em vez de um mundo centrado no eu, onde cada forma de existência existe confinada em função de características físicas específicas, existe o mundo animista, “gigantesco espaço de troca transespecífica”, no qual “as interioridades que habitam tipos de corpos distintos começam a se comunicar numa linguagem comum” (Descola, 2023, p. 84). Relacionada ao animismo, a noção de perspectivismo ajuda a explicar algumas encantarias. Eduardo Viveiros de Castro aponta que tanto humanos como não-humanos apreendem o mundo através de perspectivas distintas. O perspectivismo encontra-se frequentemente relacionado “à ideia de que a forma manifesta de cada espécie é um mero envelope (uma ‘roupa’) a esconder uma forma interna humana, normalmente visível apenas aos olhos da própria espécie ou de certos comutadores perspectivos transespecíficos, como os xamãs” (Viveiros de Castro, 2018, p. 57). O olhar animista e perspectivista abarca um sentido descolonizador, assim como também as encantarias, porque em todos esses casos se opera a possibilidade de discursos transgressores e desautomatizadores. As narrativas ficcionais que trazem as encantarias em suas tramas desvelam sempre a transgressão, porque desautomatizam o olhar sobre as normas, sobre as verdades absolutas; sobre os discursos de dominação e de repressão. As encantarias funcionam como espaços de leveza e de fluidez, que podem nos fazer mudar a nossa percepção sobre o mundo que nos rodeia.
PALAVRAS-CHAVE: Encantarias; Encantados; Amazônia; Ficção; Pós-colonialismo
METÁFORAS, POÉTICAS, COSMOGONIAS, FIGURAS E NARRATIVAS RIBEIRINHAS (DE HERÁCLITO A KRENAK)
EIXO: RIOS E OUTRAS PAISAGENS
SIMPÓSIO: METÁFORAS, POÉTICAS, COSMOGONIAS, FIGURAS E NARRATIVAS RIBEIRINHAS (DE HERÁCLITO A KRENAK)
COORDENADORES:
- Maria Aparecida Oliveira de Carvalho (Universidade Estadual de Montes Claros) tidac92@gmail.com
- Adolfo Cifuentes (UFMG) adolfocifuentes27@gmail.com
- JÚLIA DE CARVALHO MELO LOPES (Universidade Federal do Ceará) julialopesss@gmail.com
RESUMO: Mesopotâmia — Entre-Rios— e os rios Eufrates e Tigre, o antigo Egito e o Nilo, as civilizações chinesa e indostânica e os rios Ganges e Amarelo constituem duplas inseparáveis: autênticos rios/mães que foram berços de ciclos civilizatórios vivos e em ebulição (de várias maneiras) até hoje. O fluir, o fluxo, a navegação, a comunicação, os intercâmbios, a fertilidade, a agricultura, a pesca e os recursos, mas também a diversidade das cosmogonias, das paisagens, dos ciclos narrativos e poéticos, assim como várias figuras de linguagem e pensamento, dão conta dessa potência e onipresença do Rio. Seja nos níveis macro quanto micro (tanto o Rio das Velhas quanto o Sena ou o Amazonas, tanto o Tietê quanto o Rio da Prata) os rios têm gerado não somente ciclos culturais, econômicos e políticos nas suas respectivas escalas, quanto também cosmo visões e ciclos imaginários particulares. Por outro lado, "O nosso apego a uma ideia fixa de paisagem da terra e de humanidade é a marca mais profunda do Antropoceno", afirma Krenak (2020). De várias maneiras, a humanidade se apega ao imaginário da terra como a grande mãe, com sua teta eterna provendo alimento ad-infinitum, farta, próspera e amorosa, sempre disponível, assim como suas águas. Essa separação entre "O Rio" e "A Gente" é constitutiva da oposição entre “natureza” e “cultura” estabelecida como paradigma pela "civilização ocidental" e vigente até hoje, num momento de não retorno em que é urgente dar lugar a outras formas de relação entre as pessoas e seu ambiente, Philippe Descola conta que antes de ir embora para a Amazônia, ele ainda arrumava as coisas colocando os humanos de um lado e a natureza do outro. Em seguida, no trabalho de campo, percebeu que os Achuar passam a vida se comunicando com não-humanos vistos como pessoas através de sonhos ou encantamentos mágicos. Eles estendem o campo das relações sociais para muito além da esfera humana. Um animal pode ser tratado como um cunhado, uma planta como uma criança, um rio como gente. Com os Achuar, entendeu que essas ideias teciam a todo momento as suas interações com os não-humanos. Não era um “sistema de representação”, mas um modo de vida animista. Diversos povos originários consideram os rios não apenas seres vivos, mas um misto de divindade com lugar sagrado, que possui papel central em muitas culturas. Entre os Caiapós, por exemplo, existe o mito de que um pajé que teve seu corpo queimado pulou em um rio para aliviar as dores e lá conviveu com os peixes que ensinaram muitas coisas importantes, incluindo danças, cantos e o ato de nomear as coisas. Muitos rios carregam em suas águas memórias, histórias e conhecimentos ancestrais, e muitos deles continuam sendo conhecidos até hoje por seus nomes em diferentes línguas indígenas: Tietê, Paraná, Araguaia, Jaguaribe, Paraguai, Parnaíba, Tocantins, Paraíba do Sul. Mas, assim como aconteceu com a fauna e a flora, os europeus, quando aqui chegaram, atribuíram novos nomes a muitos rios, pois para conquistar é preciso nomear. Assim, além de articular cosmogonias e mundos, de fundar e nutrir povos, os rios têm sido, também, potentes geradores de figuras de pensamento e crença, de poesia, visualidade e linguagem, e têm alimentado todo tipo de metáforas e sonhos políticos e geoestratégicos. Desta forma, a partir da figura do eterno fluxo de todas as coisas, proposta por Heráclito, como metáfora do eterno fluir das águas, mas também junto com os Achaur e Krenak, abrindo a possibilidade de superar o paradigma da oposição dualista Natureza/Cultura, e fazendo férteis as figuras da confluência, da comunicação e do intercâmbio, a proposta do presente Simpósio é um convite para derivar e navegar juntos, explorando essas fecundidades que proporcionam as figuras das águas e dos rios. A proposta articuladora que apresentamos para este simpósio, que terá lugar nas margens de um dos maiores rios do mundo (o Amazonas só perde em longitude para o Nilo) é, para nós, uma belíssima possibilidade de convidar a pensar juntos, não só em redes, afluentes, bacias, portos e vasos comunicantes, quanto em desafio para explorar os múltiplos desdobramentos, metáforas, figuras e cosmogonias que os Rios geram, geraram e gerarão ao longo da história das culturas, das artes, das religiões e das literaturas, tanto escritas quanto orais, tanto individuais quanto comunitárias, tanto literárias quanto antropológicas, políticas, sociológicas, ou mesmo trans, contra e/ou anti-disciplinares.
PALAVRAS-CHAVE: Rios, Poéticas, Narrativas, Cosmogonias
Rios em (des)cursos, margens em linguagens: travessias e atravessamentos na produção poética de mulheres
EIXO: RIOS E OUTRAS PAISAGENS
SIMPÓSIO: Rios em (des)cursos, margens em linguagens: travessias e atravessamentos na produção poética de mulheres
COORDENADORES:
- ADRIANA DE FÁTIMA ALEXANDRINO LIMA BARBOSA (UnB) adrianafba@gmail.com
- Anélia Montechiari Pietrani (Universidade Federal do Rio de Janeiro) aneliapietrani@letras.ufrj.br
RESUMO: Há tempos a crítica literária tem exigido a pesquisadoras e pesquisadores, a professoras e professores de literatura o desafio de repensar a historiografia literária, colocando-se questões como, por exemplo, que lugar as mulheres ocupam na tradição resolutamente masculina da literatura, em que lugar elas foram colocadas, como elas são representadas e como essa representação afeta sua autorrepresentação como autoras. O esforço para enfrentar essa problemática não está apenas em resgatar e examinar os escritos de mulheres tradicionalmente relegados, ou totalmente omitidos, da historiografia literária brasileira. A matéria exige ler a vasta produção poética que, de alguma forma, responda ou ponha em tensão essa discussão, ao mesmo tempo que demanda investigar a história da produção, publicação e recepção literárias; a história da educação das mulheres e dos homens; a história das mulheres brancas, mulheres negras, mulheres indígenas; a história dos papéis de gênero nas esferas política, social e literária. Em certa medida, esse exercício de análise crítica transdisciplinar, como forma de emancipação social e cultural também de nossas universidades, parece atrair mais estudiosas/os da ficção do que da poesia escrita pelas mulheres, embora hoje não se possa mais contestar o número de publicações de poesia de autoria de mulheres que vêm de encontro ao discurso hegemônico dos modos culturais dominantes, segundo as ideologias patriarcais, sexistas e racistas, e colocam em pauta, além dos problemas de gênero, as questões que se inter-relacionam com classe, raça, etnia, idade e orientação sexual. Sobre a produção poética de mulheres, incluindo a de mulheres negras e indígenas, pode-se afirmar que ela provoca a intensa experiência de reconstrução de referências. Na leitura interpretativa e investigativa dessa produção, dois campos de interesse passam a ser mobilizados e impactam não apenas como temas de pesquisa, mas também como metodologia: o pensamento acerca da literatura negra e indígena e os estudos sobre branquitude e história literária. Isso implica pensar a leitura de poesia como etapa importante da formação e autoatualização docentes. Nesse ponto, é importante observar que os aspectos da linguagem poética não são conteúdos para serem trabalhados em si mesmos, destacados do trabalho de construção dos sentidos da leitura de um texto literário. Lembramos, por exemplo, a ferramenta conceitual da “escrevivência” (Evaristo, 2020), importante referencial teórico de estudo e pesquisa para se fazer uma leitura mais completa de obras literárias escritas por mulheres negras. A respeito da poesia, os elementos constitutivos da linguagem literária não devem ser trabalhados em si, descontextualizados da história e da sociedade ou mesmo da própria leitura de uma obra poética, de modo a-histórico ou abstrato, mas como momento de formação da leitura literária que também poderá ser recurso de uma prática didática consequente e com intencionalidade pedagógica. Nos termos de bell hooks (2017, p. 173), “hoje em dia, quando a ‘diferença’ é tema quente nos círculos progressistas, está na moda falar de ‘hibridização’ e ‘cruzar fronteiras’, mas raramente encontramos exemplos concretos de indivíduos que realmente ocupem posições diferentes dentro das estruturas e partilhem ideias entre si, mapeando seus terrenos, seus vínculos e suas preocupações comuns no que se refere às práticas de ensino”. Para tanto, faz-se necessário o aprofundamento da crítica literária em poesia de autoria de mulheres. Inspirando-nos na imagem eleita por este Congresso da ABRALIC (o rio em seu (des)curso, ora fluente, ora caudaloso), propomos neste simpósio a intenção de discutir como a produção de autoria de mulheres, das fronteiras e nas margens, quebra os círculos viciosos das hierarquizações. Recriações de mundos, alteridades em movimento, falácias da unidade, saberes do/em processo, parcialidades de universalidades, possibilidades de (des)encontro, desierarquização de gêneros, acentricidades, multilinguismo, cruzamento de fronteiras linguísticas, travessias interculturais, dinamicidades entre oralidade e escrita, oralitura, preservação da biodiversidade, paisagens ecológicas, ecopoesia, ecologia da palavra, ecologia linguística – estes são alguns dos aspectos temáticos e formais recorrentemente alinhados à dicção da poesia contemporânea, de várias línguas, culturas e nacionalidades, que culminam, quase sempre, no enfrentamento dos sistemas de saber e de poder cristalizados, deslocando, atravessando, rasurando e abolindo fronteiras e, ao mesmo tempo, estabelecendo atravessamentos entre a literatura e a busca da decifração do real e da experiência estética. O objetivo precípuo deste simpósio é, portanto, pensar com a linguagem poética e observar como ela lida com essas questões sob o viés crítico feminista contra as colonialidades da mente, do gênero, da língua, do espaço, do saber e, mesmo, da própria história e crítica literárias. Para isso, serão bem-vindas análises de poemas isolados e/ou de obras completas de diferentes gêneros poéticos (poemas líricos, épicos, curtos, longos, prosa poética, poema em prosa), escritas em uma única língua ou multilíngues, produzidas individual ou coletivamente, com abordagem comparativa (interlínguas, interartes, interautoras, intermídias) ou não.
PALAVRAS-CHAVE: poesia de autoria de mulheres; críticas feministas; experiência e linguagem poéticas; atravessamentos e desierarquizações
Territórios e territorialidades da América Latina: natureza, espaço, escrituras, corporalidades e fronteiras
EIXO: RIOS E OUTRAS PAISAGENS
SIMPÓSIO: Territórios e territorialidades da América Latina: natureza, espaço, escrituras, corporalidades e fronteiras
COORDENADORES:
- Brenda Carlos de Andrade (Universidade Federal Rural de Pernambuco) brenda.carlosdeandrade@gmail.com
- Wanderlan Alves (Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)) alveswanderlan@yahoo.com.br
RESUMO: Imaginar espaços e territórios e configurá-los são operações que cumprem funções diversificadas. Na América Latina, o espaço é marcado por uma proliferação de imaginários provenientes de variadas culturas que interagem em diversos níveis de negociações e hierarquias, o que vincula não só múltiplas espacialidades, mas ainda temporalidades, e convida a pensar a relação espaço-território como sendo constitutivamente plural e fluida. Trata-se de um território caracterizado pelo acúmulo de equívocos geográficos (Montaldo, 2004), como sua identificação com as Índias, ao longo da época colonial, ou a transposição de espaços medievais míticos para sua geografia. Tudo isso amplia sua dimensão, tanto tecendo redes no âmbito identificado com o espaço territorial da própria América Latina, quanto potencializando vínculos intercontinentais, transatlânticos, transpacíficos, norte-sul e sul-sul. Esse acúmulo produziu um vasto repertório imaginativo e interpretativo que participa da emergência de ficções e das formas de pensar e construir imagens da e sobre a América Latina. Especulando sobre o território nos anos 2000, Ludmer propõe que, além de incorporar o espaço, ele deveria ser entendido como uma “noción electrónica-geográfica-económica-social-cultural-política-estética-legal-afectiva-de-género-y-de sexo, todo al mismo tiempo” (2010, p. 122). Por sua vez, Ortiz defende “considerar el espacio como un conjunto de planos atravesados por procesos sociales diferenciados”, de tal modo que, em vez de recorrer às dicotomias externo/interno, próximo/distante, seria melhor entendê-lo como “transversalidade” integrada por linhas de força que vão do local ao nacional e, mesmo, ao global (1998, p. 34-35). O território, então, poderia ser pensado em articulação ao espaço físico, e a territorialidade como seu complemento. A noção de simultaneidade proposta por Ludmer, assim como a de transversalidade reivindicada por Ortiz, evocam aquilo que “pertence” ao território, afetando-o e sendo afetado por ele. Ambas contribuem para a leitura do território latino-americano forjado com base em trajetórias de imaginários ambíguos, já que a compreensão do espaço passa por um conjunto de elementos imaginários e suas temporalidades e contempla figurações como: a terra incógnita e seus significados; o território enquanto imaginação; os corpos no/como espaços e fronteiras; o campo e a cidade como componentes da construção de uma intelligentsia; castas, classes e circulação social como territorialidades; o espaço na/como configuração da modernidade; os próprios modos de construção e imaginação do espaço; o espaço urbano, o estado-nação e o espaço global. Ao mesmo tempo, tais rearranjos evitam a desterritorialização absoluta, cuja consequência, como ensinara Deleuze (2005), seria a autodestruição, uma vez que dão vazão a novas combinações e a territorialidades provisórias, alternativas, flexíveis. Levantar essa problemática tem o mérito de reconectar a própria ideia de América Latina à noção de mundo, no contexto de mundialização e globalização da cultura, o que também amplia as possibilidades e questões no âmbito do comparatismo (Spivak, 2003), visto que, ao abrir a possibilidade da emergência de cartografias novas ou alternativas da (para a) América Latina , suas artes e escrituras (Speranza, 2012), esse debate convida a pensar, também, em sua participação na distribuição do sensível (Rancière, 2005) e a tomar a dimensão da própria linguagem e das escrituras como via para se perscrutar lógicas capazes de ler e imaginar o território latino-americano. Desse modo, a articulação entre noções como América Latina, espaço e território inscreve-se no que se poderia conceber como uma “lógica arquipelágica” (Ette, 2016, 2017, 2021) que transtorna as categorias oposicionais de centro e periferia, deslocando-as permanentemente, por meio de movimentos (da linguagem, da leitura, dos modos e meios de circulação dos objetos discursivos) cuja vetorização cria espaços e territórios transáreas, fluidos, nos quais temas, motivos, épocas, escrituras, elementos identitários, corporalidades, paisagens, limiares e fronteiras participam e redesenham-se. Essa dinâmica requer, por sua vez, a busca de noções, conceitos e operadores de leitura flexíveis, capazes de ler o espaço, o território e seus entrecruzamentos de modo consequente com as demandas do presente, mobilizando-as tanto para ler a contemporaneidade quanto para ler contemporaneamente outras temporalidades que continuam interpelando-nos e que abrem um leque de questões: como pensar o espaço e o território em sua dimensão porosa, nas expressões estético-culturais modernas e contemporâneas? Que modos de ler mostram-se pertinentes na hora de colocar em cena o espaço e o território de modo não apriorístico? Como uma aproximação ao espaço e ao território aberta a tais reconfigurações afeta os sujeitos e é afetada por eles? De que modo, espaço e território constituem-se, também, em materialidades e texturas (físicas, terrestres, aquáticas, paisagísticas) que entrariam em correlação com as demais corporalidades que o integram (elementos fenotípicos, língua, aspectos dialetais, etc.)? Nesse sentido, este simpósio propõe receber trabalhos que tratem do espaço e do território na arte, na literatura, na teoria, na crítica e na historiografia literárias, visando a discutir e revisitar suas potencialidades, suas intersecções e seus desafios na (para a) América Latina.
PALAVRAS-CHAVE: Territórios; Corporalidades; Fronteiras; Escrituras; América Latina
Wilderness - a selva nos imaginários culturais e nas literaturas do mundo moderno
EIXO: RIOS E OUTRAS PAISAGENS
SIMPÓSIO: Wilderness - a selva nos imaginários culturais e nas literaturas do mundo moderno
COORDENADORES:
- Márcio Matiassi Cantarin (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) cantarin@gmail.com
- Klaus Friedrich Wilhelm Eggensperger (Universidade Federal do Paraná) klausegge@gmail.com
- Rita do Perpétuo Socorro Barbosa de Oliveira (Universidade Federal do Amazonas) ritapsocorro@ufam.edu.br
RESUMO: Narrativas ambientadas na selva possuem uma tradição milenar e estão presentes nas literaturas de diversos povos e em todas as latitudes. Em boa parte das vezes, nomeadamente quando se tratam de narrativas do mundo ocidental, são histórias sobre se perder na floresta (e, consequentemente, enfrentar grandes perigos), outras, sobre pessoas que escolheram viver neste espaço heterotópico. Na imaginação europeia medieval, a selva é o lugar não-cultivado por excelência, prevalecendo a ideia de que o selvagem precisa converter-se ao estado de civilização (HARRISON, 1992). Esse pensamento mais tradicional, por assim dizer, passou por uma reviravolta a partir do pré-romantismo europeu, na segunda metade do século das luzes, quando naturalistas literatos começaram a elogiar a beleza natural e o sentimento do sublime inspirado pelas florestas. Independentemente dessa nova perspectiva, os mitos universais e regionais sobre a mata, presentes desde a era dos primeiros assentamentos humanos, sempre incluíram - e continuaram incluindo, mesmo depois do século XVIII -, o lado sombrio e misterioso da natureza (PARKER, 2021). O topos clássico de se perder na floresta ganhou até mais destaque no romantismo e na prosa gótica do período. O termo wilderness, tão fundamental para o pensamento literário ecocrítico de matriz anglo-americana desde suas origens, nos anos oitenta do século passado, constitui, ele próprio, um mito moderno. Em princípio refere-se literalmente a uma área espacial, enquanto a palavra wildness é um termo qualificativo e não de localização. Wilderness denota a terra incógnita, quando não o "inferno verde", geralmente uma área vasta, a morada de animais em vez de humanos: um lugar onde pessoas ditas civilizadas, supostamente, ainda não habitam, e onde os humanos que habitam igualam-se, para efeito do imaginário europeu, aos animais. Nos primórdios da colonização branca, os europeus viam as Américas e a Austrália notoriamente como áreas selvagens "vazias", ora assustadoras ora edênicas, e, de qualquer modo, à mercê de serem apossadas (BUELL, 2005). Assim sendo, conferir a uma determinada região florestal (e aos seus eventuais habitantes humanos), o status de wilderness, de selvagem, tinha – e continua a ter até hoje – implicações sociais, políticas, estéticas e éticas para a vida selvática. Sabemos que narrativas são fortemente influenciadas pelos universos culturais dentro dos quais foram concebidas e vice-versa – influenciam identidades, produzem sentido e realidade (HERMAN/VERVAECK, 2019). Apesar da aparente estabilidade de alguns topoi centrais ligados à selva, o campo das histórias selváticas está em constante movimento. No que diz respeito à indústria cultural global, temos observado uma revalorização destes ambientes durante as últimas décadas, em consonância com o aumento da estima pela mundivisão dos povos indígenas seja no Brasil ou em outros países. Atualmente, narrativas literárias, produções audiovisuais, jogos digitais ou outros artefatos culturais que encenam o encontro e/ou o confronto do humano com a natureza silvestre contam com aprovação e afeto do público da indústria cultural global, como se pode notar ao observar a receptividade de livros ou filmes/séries nos catálogos das principais plataformas de e-commerce ou streaming. Diante de uma crise ambiental profunda e sem precedentes e das consequências do aquecimento global que estamos experimentando no planeta inteiro, sabe-se que o bem-estar e, finalmente, nossa própria sobrevivência como espécie, é altamente dependente da manutenção de selvas intactas. Viver num ecossistema em perigo ou já destruído causa mal-estar físico e psicológico. É neste contexto que o filósofo australiano Glenn Albrecht estabeleceu o termo útil de “solastalgia” (ALBRECHT, 2019), uma combinação de nostalgia e desolação relacionados a um lugar perdido e uma cultura anteriormente em sintonia com um ambiente natural pouco modificado. O termo se refere a sentimentos de desconforto e doença física e mental gerados por um meio-ambiente contaminado, violado ou destruído – sentimentos que são manifestados por meio da literatura e em obras artísticas variadas. De modo mais amplo, nota-se uma revalorização do mito da selva (SÁNCHEZ-PARDO/ SÁNCHEZ, 2023). Valorizam-se agora narrativas e saberes ecológicos para preservar os modos de vida pelos quais a floresta constrói, mantém e remodela comunidades. A floresta primária, em sua alteridade radical, pode ser destruída pela ganância capitalista, mas não possuída ou dominada. Suas qualidades tidas como misteriosas estão sempre presentes; elas permeiam o senso de lugar, o lar dos povos originários. No presente simpósio desejamos acolher análises ecocríticas e debater o papel da selva nos imaginários literários, audiovisuais e virtuais modernos, sejam eles estereotipados, afirmativos ou críticos em relação à destruição em curso.
PALAVRAS-CHAVE: Ecocrítica; Wilderness; Solastalgia
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Artes verbais indígenas
- FÁBIO ALMEIDA DE CARVALHO (universidade federal de roraima) - fabioalmeidadecarvalho@yahoo.com.br
- ISABEL MARIA FONSECA (UFRR\UFPA) - bebelfonseca@yahoo.com.br
- YURGEL PANTOJA CALDAS (UNIFAP) - yurgel@uol.com.br
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Configurações intermidiáticas nos estudos pós-coloniais
- Thaïs Flores Nogueira Diniz (Universidade Federal de Minas Gerais) - tfndiniz@gmail.com
- Isabella Santos Mundim (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília) - isabella.mundim@ifb.edu.br
- Mail Marques de Azevedo (UniAndrade) - mail_marques@uol.com.br
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ENCRUZILHANDO A ESCRITA LITERÁRIA: A CABAÇA-ÚTERO, O CANTAR DAS FOLHAS E O FUTURO-ANCESTRAL
- Denis Moura de Quadros (Universidade Federal do Pampa- UNIPAMPA) - denisdpbg10@gmail.com
- Cristiane Viana da Silva Fronza (Universidade Estadual do Maranhão- UEMA) - cristianevyanna@yahoo.com.br
- Natália Regina Rocha Serpa (Instituto Federal do Maranhão- IFMA) - nataliaserpa@ifma.edu.br
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LITERATURA DE AUTORIA FEMININA: MARGENS E IMAGENS TRANSPONÍVEIS
- Jurema da Silva Araujo (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte) - ella.jurema@gmail.com
- Emília Rafaelly Soares Silva (Instituto Federal do Piauí) - emilia.soares@ifpi.edu.br
Artes verbais indígenas
EIXO: DIVERSIDADE CULTURAL
SIMPÓSIO: Artes verbais indígenas
COORDENADORES:
- FÁBIO ALMEIDA DE CARVALHO (universidade federal de roraima) fabioalmeidadecarvalho@yahoo.com.br
- ISABEL MARIA FONSECA (UFRR\UFPA) bebelfonseca@yahoo.com.br
- YURGEL PANTOJA CALDAS (UNIFAP) yurgel@uol.com.br
RESUMO: Artes verbais indígenas As Artes Verbais Indígenas têm contribuído com obras e autores/as que, cada vez mais, assumem posições importantes na cena cultural e literária brasileira. Esse estado de coisas, que pode ser denominado como verdadeiro boom da arte verbal indígena na cena literária brasileira, tem chamando a atenção de historiadores da literatura, bem como de teóricos e da crítica especializada, e, por consequência, tem ajudado no processo de ampliação de um público leitor que se mostra cada vez mais atento aos temas e entrechos, às formas de expressividade linguística e aos gêneros literários presentes na perspectiva indígena. Em conjunto, as obras que são costumeiramente classificadas como "literatura indígena" tratam sobre subjetividades numa perspectiva muito ampliada, quando se considera as formas literárias do Ocidente, e sobre o mundo que nos rodeia. Artistas indígenas da palavra têm se expressado por meio de diferentes e diversos textos ficcionais e poéticos na historiografia literária brasileira contemporânea (CARVALHO, 2021a; CARVALHO, 2021b; GODET, 2021). Dessa forma, pretende-se, no simpósio intitulado "Artes verbais indígenas ", contribuir para a manutenção, o desenvolvimento e a expansão do debate sobre a relevância da produção literária indígena para a literatura brasileira. Como prova inconteste dessa relevância pode ser apontada a eleição do indígena Ailton Krenak para a Academia Brasileira de Letras, e a do xamã Yanomami Davi Kopenawa para a Academia de Ciências Brasileira. Esses dois eventos constituem acontecimentos inéditos e indiciais para um melhor entendimento e compreensão sobre a relevância dos discursos literários indígenas na cena cultural brasileira contemporânea. Eles servem como alerta para a urgente necessidade de que nós, que atuamos no campo dos estudos literários, possamos pensar em formas de reconceber as diferentes disciplinas que conformam o campo dos estudos literários, assim como da própria noção de Literatura Brasileira que sustenta as abordagens em que nos apoiamos. Nesse contexto, a proposta do simpósio intitulado Artes Verbais indígenas se compromete com acolher diferentes tipos de trabalho de fatura acadêmica que se proponham a discutir com profundidade a presença das artes verbais indígenas no cenário da Literatura Brasileira contemporânea. Para tanto, esperamos receber trabalhos que abarquem desde seus/suas autores/as considerados/as pioneiros/as no campo da literatura indígena contemporânea, tais os casos de Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Cristino Wapichana, Kaká Werá, Eliane Potiguara, Graça Graúna, Sony Ferseck dentre tantos outro/as, até os/as mais jovens, tais como Bruna Karipuna. Além disso, interessa também ao escopo do simpósio trabalhos que se voltem para a investigação de artefatos verbais indígenas produzidos ao longo da história cultural brasileira, seja por homens de ciências, aventureiros ou viajantes. Dessa forma, pretende-se, com o presente Simpósio, contribuir para: a) o adensamento do debate sobre a produção literária indígena para a literatura brasileira hodierna; b) pensar sobre as formas históricas de configuração das artes verbais indígenas no sistema cultural e literário brasileiros; c) refletir sobre as formas de produção e de circulação de artefatos verbais indígenas em diferentes circuitos de comunicação e de difusão; d) pensar sobre as formas de participação de intelectuais e de escritores indígenas em diferentes esferas discursivas da produção da inteligência brasileira. Esperamos, pois, receber trabalhos inscritos nos campos da Teoria da Literatura, da Crítica Literária, da História da Literatura, mas também trabalhos oriundos de outros campos das humanidades, tais como os casos da Etnografia, da antropologia, da Educação, da Linguística, da história e da Sociologia, dentre outros afins. Com isso, esperamos fomentar a criação e a manutenção de uma arena de debates e de diálogos que ajudem a aprofundar o conhecimento sobre a diversidade cultural e literária brasileiras. Dessa forma, esperamos poder dar uma relevante contribuição para o avanço do estado de arte do campo dos estudos literários, em perspectiva trans e inter disciplinar, incidindo sobre o processo de expansão da literatura tupiniquim. A finalidade derradeira é a de propiciar a existência de um fórum de debates sobre quão diversa e pujante é a cultura literária brasileira de nosso tempo e, por conseguinte, sobre as suas virtualidades, tendo como ponto de expansão essa nova configuração da vida literária e cultural brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Artes verbais; indígenas; literatura
Configurações intermidiáticas nos estudos pós-coloniais
EIXO: DIVERSIDADE CULTURAL
SIMPÓSIO: Configurações intermidiáticas nos estudos pós-coloniais
COORDENADORES:
- Thaïs Flores Nogueira Diniz (Universidade Federal de Minas Gerais) tfndiniz@gmail.com
- Isabella Santos Mundim (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília) isabella.mundim@ifb.edu.br
- Mail Marques de Azevedo (UniAndrade) mail_marques@uol.com.br
RESUMO: Este smpósio se baseia em dois conceitos usados na análise de produtos culturais recentes: pos-colonialismo e intermidialidade. O termo pós-colonialismo refere-se à representação de aspectos como raça, etnia, cultura e identidade relacionados a países anteriormente colonizados mas que já conseguiram sua independência (Singh e Kim, 2021). É o período histórico que põe à mostra as consequências do Imperialismo desde sua origem até os dias de hoje e cuja teoria enfatiza os efeitos da colonização tanto nos colonizados como nos colonizadores. Segundo Gilbert & Tomkins, ( i)nevitavelmente, o pós-colonialismo aborda reações ao colonialismo num contexto não necessariamente determinado por limitações temporais do colonialismo: peças, romances, verso e filmes pós-coloniais tornam-se expressões textuais/culturais de resistência ao colonialismo (p. 2). Configuração é o termo utilizado por Irina Rajewsky (2012, p. 15) para nomear textos produzidos nas várias mídias, deixando o termo “texto” para os produtos da mídia verbal. Configurações intermidiáticas são, portanto, produções culturais em todas as mídias, sendo a mídia, aquilo que transmite um signo ou uma combinação de signos para e entre seres humanos com transmissores adequados através de distâncias temporais e/ou espaciais”, aqui compreendida como “mídia de comunicação" (Clüver, 2008, p.9). A literatura pós-colonial lida com os problemas e consequências da descolonização de um país, especialmente das questões relacionadas à independência política e cultural dos povos subjugados e de temas como racismo e colonialismo (Boehmer, 1995). Mas essas questões podem também ser tratadas em outras mídias além da literatura, como as artes visuais, o teatro, a música e o cinema. A arte pós-colonial refere-se à arte produzida em reação às consequências da regra colonial, frequentemente tratando de questões de identidade nacional e cultural, raça e etnia (Carter, 2018 e Enwezor, 2009). O drama pós-colonial trata da condição de subordinação cultural e opressão, sendo o teatro usado para explorar e afirmar a cultura, utilizando-se, muitas vezes, da crença e da prática dos rituais como fonte de inspiração (Crow e Banfield,1996, p. 161). A música serve muitas vezes para expressar o sentimento dos povos colonizados (Agawu, 2003). Já o cinema, uma das formas de representação do pós-colonialismo, retrata o período pós-colonial e/ou trata da resistência à colonização. Segundo Pozanesi (2012, p. 189), o cinema pós-colonial reflete muitos dos fenômenos menos intensificados pela globalização como imigração, refugiados, diásporas, violência do terrorismo, degradação do meio ambiente e crise financeira. Algumas obras são dirigidas por cineastas do “primeiro” mundo tratando da luta do “terceiro” mundo contra o colonialismo; outras são produzidas no “quarto” mundo e tratam da luta interna dos estados pós-coloniais e da própria posição marginalizada do cineasta. Muitos filmes exploram o desafio da transição da ordem colonial para uma nova ordem e outros tratam das fantasias e realidades históricas do projeto imperial, desde o ápice até o declínio. (Weaver-Hightower & Hulme, 2014, p. 6) A maioria dos estudos pós-coloniais se concentra em produtos literários, tentando muitas vezes considerá-los como documentos históricos, muitas vezes contra as consequências do Imperialismo. Segundo Krishnan, a imagem que o Ocidente faz das ex-colônias é de que são nações em crise, onde violência e desgoverno imperam; de que as nações recentemente independentes estão à beira de colapsos étnicos, religiosos e culturais. Entretanto, uma imagem muito diferente vem surgindo: a de terras de “promessas, esperança e lutas”, onde a vida individual e o destino coletivo se empenham para chegar a um “futuro aberto” (p. 1). Assim, a produção literária pós-colonial trata ou do valor político, contra a formação imperial, ou do valor estético, em prol da recuperação da herança perdida. Segundo a autora, é preciso relacionar forma (estética), conteúdo (política) e contexto (historico-social e material) para um estudo completo dessa produção. Nesse eixo —Diversidade Cultural — pretende-se explorar esses vieses —estético, político e contextual — incluindo, além dos produtos literários, outras configurações intermidiáticas, tais como pinturas e outros produtos de arte visual, peças musicais, peças de teatro e filmes, relacionados a esses pontos de investigação. Nesse simpósio, em que nos preocuparemos com a diversidade cultural das ex-colônias, aceitaremos trabalhos relacionados com os dois conceitos acima mencionados: o pós-colonialismo e as configurações intermidiáticas (textos verbais como romances, poemas e peças de teatro, pinturas e outras obras visuais, músicas etc). Receberemos, portanto, análises de obras literárias, artísticas, musicais e cinematográficas produzidas a partir dos anos 50, relacionadas ao pós-colonialismo.
PALAVRAS-CHAVE: pos-colonialismo; intermidialidade; contexto; estética; política.
ENCRUZILHANDO A ESCRITA LITERÁRIA: A CABAÇA-ÚTERO, O CANTAR DAS FOLHAS E O FUTURO-ANCESTRAL
EIXO: DIVERSIDADE CULTURAL
SIMPÓSIO: ENCRUZILHANDO A ESCRITA LITERÁRIA: A CABAÇA-ÚTERO, O CANTAR DAS FOLHAS E O FUTURO-ANCESTRAL
COORDENADORES:
- Denis Moura de Quadros (Universidade Federal do Pampa- UNIPAMPA) denisdpbg10@gmail.com
- Cristiane Viana da Silva Fronza (Universidade Estadual do Maranhão- UEMA) cristianevyanna@yahoo.com.br
- Natália Regina Rocha Serpa (Instituto Federal do Maranhão- IFMA) nataliaserpa@ifma.edu.br
RESUMO: Este simpósio temático tem por objetivo promover o debate acerca das experiências africanas e afrodiaspóricas, tendo a encruzilhada como ponto de partida epistêmico. Assim, pretendemos reunir trabalhos que discutam as inúmeras estratégias operadas por escritores e escritoras africanos e da diáspora. Para isso, o presente Simpósio abrirá espaço para uma pluralidade de temas como o corpo-alvo dos negros; a fé herdada dos espíritos ancestrais; os corpos dissidentes dos gays; os corpos das mulheres cis e trans; e a linguagem insurgente de todos os grupos historicamente silenciados. Assim, este simpósio temático acredita que o fazer literário é condição de potência para o reencantamento do mundo. Nesse sentido, serão bem-vindos trabalhos com abordagens decoloniais, isto é, que considerem outros olhares e que se disponham a consolidar teoricamente a luta por um mundo melhor. Ao nos debruçarmos sobre a produção literária de autoria de mulheres e homens historicamente subalternizados, percebemos que as peculiaridades dessa escrita reivindicam espaços de fala/escuta, bem como “ferramentas” teóricas que permitam sua análise reflexiva. Audre Lorde (2019) afirma que: “as ferramentas do senhor nunca derrubarão a casa-grande. Elas podem possibilitar que os vençamos em seu próprio jogo durante certo tempo, mas nunca permitirão que provoquemos uma mudança autêntica.” (Lorde, 2019, p. 139-140). Logo, se faz necessário pensarmos em novas ferramentas que partam de uma lógica diferenciada, distinta da imposta pelo colonizador. Uma maneira encontrada é partir da “encruzilhada” já que segundo Leda Martins (1997): a cultura negra brasileira é: “(...) uma cultura das encruzilhadas” (Martins, 1997, p. 26). Pedindo licença à Exu/Bará, seguimos as estradas de Ogum e, ainda na encruzilhada, tomo emprestado o conceito de “afrorrizoma” (Santos; Riso, 2013; Freitas, 2016) uma formulação que de alguma forma, nos permite ver de fora os braços da encruzilhada mantendo os princípios rizomáticos delleuzianos de heterogeneidade; multiplicidade como substantivo e não mais adjetivo; rupturas assignificantes; cartografia e decalcomania. Bas’Ilele Malomalo (2018) retoma os termos utilizados pelos povos da diáspora africana acerca dos termos Axé, Ntu e Mooyo chegando ao denominador comum de: “energia primordial e cósmica” (Malomalo, 2018, p. 78). Assim, a partir da filosofia Ubuntu, operacionalizada por Magobe Ramose, Malomalo afirma que: “A filosofia ancestral revela que conectividade se explica a partir do princípio de participação cósmica ou solidariedade participativa. Tudo o que existe está em conexão e deve conviver harmoniosamente.” (Malomalo, 2019, p. 85). Buscamos discutir uma Literatura que nasce na forja-útero é alimentada pelo sopro insubmisso de Oyá/Iansã, passando pelas águas de Oxum até chegar à lâmina-vida que essas inscrituras instauram. Mesmo que a língua em que se escreva seja a do colonizador, busca-se romper com essa estrutura dialogando, sobretudo, com a oralidade e com palavras que surgem desse “contar”. Os fios da memória, que se entrelaçam com as tramas da história, resgatam vozes muitas vezes silenciadas e negligenciadas pelo cânone oficial. Ao narrar experiências negras, a Literatura Brasileira forjada por palavras pretas reflete não apenas o sofrimento imposto pela escravidão e pelo racismo estrutural, mas também a resistência, a criação e a beleza que emergem desses contextos. São palavras que carregam as marcas de uma luta incessante por dignidade e humanidade, mas que também dançam em ritmos de esperança, celebração e pertencimento. Nessa escrita, o corpo negro emerge como lugar de memória e resistência, transcendendo a materialidade da pele para reivindicar sua centralidade nas narrativas que constroem a identidade nacional. Escritoras como Conceição Evaristo e suas “escrevivências” nos ensinam que cada palavra carrega consigo a força de ancestrais, histórias que sobrevivem ao tempo e reconstroem o mundo com delicadeza e potência. Assim, a literatura de palavras pretas não se limita a revisitar o passado; ela é também um ato político de reafirmação e projeção de futuros. É uma poética que, mesmo diante da dor, não desiste da ternura. Encanta porque guarda a pulsação da vida, e se deixa encantar porque reconhece, nos gestos mais simples, a resistência de existir. Os fios da memória são tecidos, costurados e trançados por cima das malhas da história que, (re)contada, transparece os nós de uma escrita de nós. Uma Literatura forjada por palavras pretas que encanta e também se deixa encantar, palavras que mesmo banhadas de sangue não se deixam ser tomadas pela dureza ou pela amargura, não perdem a magia e a afetividade. O presente simpósio aceitará trabalhos comparativos que analisem a escrita de mulheres negras, africanas e em diáspora; teoria e crítica literária negrobrasileira; transfeminismo; afrofuturismo; e demais trabalhos comparativos na temática do simpósio.
PALAVRAS-CHAVE: Encruzilhada; Literatura afro-brasileira; Literatura negra.
LITERATURA DE AUTORIA FEMININA: MARGENS E IMAGENS TRANSPONÍVEIS
EIXO: DIVERSIDADE CULTURAL
SIMPÓSIO: LITERATURA DE AUTORIA FEMININA: MARGENS E IMAGENS TRANSPONÍVEIS
COORDENADORES:
- Jurema da Silva Araujo (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte) ella.jurema@gmail.com
- Emília Rafaelly Soares Silva (Instituto Federal do Piauí) emilia.soares@ifpi.edu.br
RESUMO: Em “Perto do Coração Selvagem”, a personagem de Clarice Lispector, Joana, narrando a si mesma, afirma que: “É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo”. (LISPECTOR, 2022, p. 11). A inferência da personagem é recortada por um silenciamento histórico – especialmente no que diz respeito à escrita feminina – o que elucida ainda o lugar social ao qual as mulheres foram relegadas. Esse apagamento metaforiza um incômodo permanente na literatura: a carência de representação da mulher. Essa ausência e esse silêncio trazem à luz uma verdade inconveniente, especialmente ao pensarmos o lugar da mulher na sociedade que se constrói no século XXI. A forma como se construiu a intelectualidade feminina ao longo dos tempos foi marcada por desafios financeiros e práticos (ausência de tempo, espaço, paz e concentração), como bem afirmou Virginia Woolf (2014) em “Um teto todo seu”. Além disso, as mulheres possuem a peculiaridade de narrar as suas experiências que, pelo que se percebe, e não por acaso, são quase sempre dolorosas. Neste simpósio, pretendemos reunir investigações em torno da literatura produzida por mulheres e seus diálogos com a crítica feminista, a psicanálise, as representações identitárias e de gênero. Partindo disso, as construções literárias realizadas por autoras, ao longo dos tempos e em diferentes territórios, reivindicaram e reivindicam uma transposição das margens sociais, culturais, econômicas e históricas, as quais procuram demarcar e aprisionar o feminino em estereótipos e imagens estanques disseminadas pelo olhar dos homens. Nesse sentido, a autora italiana Elena Ferrante (2017; 2021) chama esse processo, responsável pela dissolução das margens, de “desmarginação” e aponta que as mulheres precisam “desmarginar” essa percepção, pautada nos limites impostos pela ótica masculina, no intuito de reivindicar uma gramática feminina que seja capaz de irradiar na literatura essa outra fronteira. A escrita feminina, nesse prisma, ainda está para acontecer, como um devir, visto que os modelos, o léxico ainda são dominados pela pretenciosa ideia de literatura universal, nesse universo formado quase que exclusivamente por homens brancos e letrados. Ferrante ainda nos apresenta a importância de se escavar, no “cemitério criativo”, autoras da tradição (ou as chamadas “mães literárias”) para uma construção contemporânea do literário. É necessário, então, um intenso diálogo com as escritoras do passado para que haja um rompimento das margens instituídas pelo patriarcado opressor e silenciador de vozes. Para tanto, autoras que empreendem discussões de cunho psicanalítico, como Luce Irigaray (2017), afirmam que o grande desafio feminista consiste no difícil aprendizado sobre amar a figura materna, essa que foi emudecida e, não raro, a um só tempo, santificada e demonizada. Mães e filhas, e suas múltiplas representações, desse modo, constituem uma relação primordial para se entender como as identidades femininas são (de)formadas nas diversas simbologias que permeiam o discurso literário. Nosso objetivo, dessa forma, é acolher debates promovidos por autoras que, apesar das barreiras patriarcais, procuram reinventar um espaço subjetivo de resistência feminina por meio da escrita, dialogando, assim, com as representações de gênero e suas performances, como debatido por Judith Butler (2018) ao problematizar a construção do gênero – inclusive como narrativa e ficção – especialmente porque as personagens literárias participam da criação do que entendemos como identidade de gênero: elas não apenas representam o real, mas recriam o real no intercâmbio linguístico e simbólico da obra. De maneira semelhante, Legacy Russel (2023) avança no debate à medida que incorpora o “glitch”, ou seja, aquilo que deu errado, ao panorama da crítica contemporânea, atenda às questões do ciberfeminismo que colaboram para o entendimento das construções de gênero. Temas como corporeidade, maternidade, matrofobia, identidade de gênero, feminismo, alteridade, violência, transfobia, lesbofobia, luto, objetificação, misoginia e sororidade surgem como debates ainda urgentes que a escrita produzida por mulheres pretende problematizar, bem como as performances dissidentes de gênero, como a queer. Serão bem-vindos, portanto, trabalhos que apresentem discussões sobre obras de escritoras que se inserem nessas discussões, desde o século XX, e propõem novas formas de experiencializar o feminino, destituindo-o da institucionalização e naturalização do olhar masculino para que, assim, como a Joana de Clarice, seja possível pensar e problematizar o lugar da mulher tanto na literatura quanto na sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura; Autoria feminina; Identidade; Representações
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LITERATURA E TECNOLOGIA - FUTUROS (IM)POSSÍVEIS
- Vinícius Carvalho Pereira (Universidade Federal de Mato Grosso) - viniciuscarpe@gmail.com
- Rejane Cristina Rocha (Universidade Federal de São Carlos) - rejane@ufscar.br
- Andréa Catrópa da Silva (Universidade Anhembi Morumbi) - andreacatropa@gmail.com
LITERATURA E TECNOLOGIA - FUTUROS (IM)POSSÍVEIS
EIXO: LITERATURAS EM TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
SIMPÓSIO: LITERATURA E TECNOLOGIA - FUTUROS (IM)POSSÍVEIS
COORDENADORES:
- Vinícius Carvalho Pereira (Universidade Federal de Mato Grosso) viniciuscarpe@gmail.com
- Rejane Cristina Rocha (Universidade Federal de São Carlos) rejane@ufscar.br
- Andréa Catrópa da Silva (Universidade Anhembi Morumbi) andreacatropa@gmail.com
RESUMO: Debates sobre literatura e tecnologia têm crescido em todo o mundo, ainda que mais lentamente no Brasil do que no Hemisfério Norte ou em outros países latino-americanos. A longa história da aproximação entre esses dois campos do saber já foi retraçada em publicações acadêmicas sobre o tema, as quais retomam a ambiguidade do termo tékhne no pensamento aristotélico, que designa o artificial ou técnico em oposição à physis. É comum que os primeiros gêneros elencados como significativos dessa ambiguidade sejam as narrativas utópicas ou distópicas sobre a relação homem-máquina, produzidas desde o Renascimento. Posteriormente a ficção científica passa a se destacar nesse âmbito, especialmente nos sistemas literários inglês e estadunidense a partir do século XIX. A discussão das imbricações entre literatura e tecnologia pode – entre tantos outros percursos distintos – partir dessa literatura sobre a máquina para uma análise da literatura como máquina, no que ganham destaque os movimentos de vanguarda e neovanguarda do século XX, como a escrita automática surrealista, os jogos tipográficos concretistas, ou a linguagem como potência algorítmica do grupo Oulipo. Sob a superfície variada desses experimentalismos, observa-se um vetor comum que aproxima a arte verbal de uma certa engenharia da palavra, em associação ou não com a imagem, favorecendo projetos artísticos de rigor formalista ou algebrismos insuspeitos. As relações entre a literatura e a tecnologia podem, ainda, ser mapeadas a partir dos suportes em que os signos são produzidos, circulados ou consumidos. Nesse âmbito, observa-se a evolução das materialidades da literatura – com destaque para a invenção do livro – para os processos de escritura com ou para os aparatos eletro-eletrônicos, nos séculos XX e XXI, sejam as máquinas de escrever elétricas, os softwares editores de texto, ou os dispositivos digitais de leitura (e-readers), entre tantos outros que vêm se multiplicando nos últimos anos. Ainda nesse contexto, cumpre destacar o espaço crescente da “literatura eletrônica”, “literatura cibernética/ciberliteratura” ou “literatura digital”. Muito embora se reconheça que cada um desses adjetivos atrelados ao substantivo “literatura” denota a especificidade do campo por uma associação particular (respectivamente, ao eletrônico, em oposição ao elétrico; ao cibernético, por referência à comunicação entre máquinas; e ao digital, em oposição ao analógico), o conjunto de obras recobertas pelos três termos é praticamente o mesmo, o que justifica seu uso intercambiável neste contexto. Para fins de clareza, pode-se utilizar, porém, a definição de literatura eletrônica postulada pela Electronic Literature Organization (maior grupo mundial de estudos sobre o tema): textos que contêm “um aspecto literário importante que aproveita as capacidades e contextos fornecidos por um computador independente ou em rede” (HAYLES, 2009, p. 21). Ou, ainda, recorrer à definição proposta por Carolina Gainza (2021), que compreende a literatura digital como aquela que experimenta com o código ou com a mídia digitais, referindo-se não apenas a obras construídas pela programação de softwares e linguagens de programação, mas também àquelas produzidas pelo aproveitamento criativo de redes sociais e plataformas de comunicação, em um movimento descrito por Arlindo Machado (2007) como "desprogramação da técnica”. Há que se destacar, por fim, que nenhum dos eventos que pontuam a história das associações entre literatura e tecnologia pode ser compreendido de forma dissociada dos fenômenos sociais, políticos e econômicos da modernidade e da contemporaneidade. Devem, pois, ser entendidos como parte de um processo maior de mudança social, e não como produto de um determinismo tecnológico ou estético, o qual alienaria o código de sua função precípua: a expressão humana. É o que postulam estudos desenvolvidos por estudiosos oriundos de países periféricos no que tange ao desenvolvimento tecnológico, como é o caso de Kozak (2013, 2019) e Gainza (2018), por exemplo. Nesse contexto, propomos o presente simpósio, já em sua quarta edição, com vistas a congregar estudos sobre as relações que podem ser estabelecidas entre os campos da literatura e da tecnologia, atentando para os pontos mencionados ao longo deste resumo, ou para outros que possam se mostrar pertinentes à temática. Nosso objetivo é fomentar e ampliar as discussões sobre o campo, relevante não só pelo rendimento estético dos produtos literários que o integram, mas também pelas provocações que coloca, sobretudo no que diz respeito às definições de escrita, texto, autoria, leitura – isto é, alguns dos pilares sobre os quais se assenta o entendimento do fenômeno literário.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura digital; Literatura eletrônica; Literatura e novas tecnologias; Literatura e novas mídias.
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Corporeidades dissidentes, escritas transgressoras da ordem
- Nicia Petreceli Zucolo (Universidade Federal do Amazonas - UFAM) - niciazucolo@ufam.edu.br
- Luciana Paiva Coronel (FURG) - lu.paiva.coronel@gmail.com
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ESCRITAS DE MULHERES AFRICANAS E AFRODIASPÓRICAS NO CENÁRIO DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
- Marinei Almeida (Universidade do Estado de Mato Grosso) - marinei.almeida@unemat.br
- Renata Beatriz B. Rolon (Universidade do Estado do Amazonas) - renatarolon@hotmail.com
- CELIOMAR PORFIRIO RAMOS (PUC Goiás - Pontifícia Universidade Católica de Goiás) - celiomarramoss@hotmail.com
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LITERATURA CARIBENHA E GUIANENSE ESCRITA POR MULHERES
- Juliana Pimenta Attie (Universidade Federal de Alfenas) - juliana.attie@unifal-mg.edu.br
- Natali Fabiana da Costa e Silva (Universidade Federal do Amapá) - natali_costa@hotmail.com
- Viviane Ramos de Freitas (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) - viviane.defreitas@ufrb.edu.br
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O indígena como alteridade na literatura latino-americana
- Moema de Souza Esmeraldo (UFRR) - moemaesmeraldo@gmail.com
- Celso Medina (Universidade Federal do Amazonas) - medina.celso@ufam.edu.br
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VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS LGBTQIA+ NAS LITERATURAS AFRICANAS E AFRODIASPÓRICAS: NOVAS ABORDAGENS TEÓRICO-CRÍTICAS, ESTÉTICAS E INTERSECCIONAIS
- Orison Marden Bandeira de Melo Júnior (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) - orison.junior@ufrn.br
- Alex Santana França (Universidade Estadual de Santa Cruz) - asfranca@uesc.br
Corporeidades dissidentes, escritas transgressoras da ordem
EIXO: LITERATURAS DE INCLUSÃO E REPRESENTATIVIDADE
SIMPÓSIO: Corporeidades dissidentes, escritas transgressoras da ordem
COORDENADORES:
- Nicia Petreceli Zucolo (Universidade Federal do Amazonas - UFAM) niciazucolo@ufam.edu.br
- Luciana Paiva Coronel (FURG) lu.paiva.coronel@gmail.com
RESUMO: O domínio do cânone literário pelo discurso hegemônico masculino, branco, heterossexual, ainda é uma realidade no Brasil, violentando as manifestações estéticas que não sejam enquadradas por ele; entretanto, a produção literária (e de outras artes) periférica vem dando origem a várias pesquisas em âmbito acadêmico, o que tem possibilitado o esgarçamento do “padrão” normalizado como canônico. Esta produção fora “do padrão” possibilita olhares de diferentes ângulos sobre a arte que evidencia a construção de papéis sociais de homens e mulheres e seu exercício de sexualidade e identidade em relação ao espaço de onde produzem, de onde “falam”. Essa abordagem por perspectivas distintas evidencia a violência (simbólica e efetiva) que cerca a produção desta literatura, seja pela invisibilidade, seja pela ideia de que haja “um padrão” que tenha de ser obedecido. A produção de obras que abordem desde a periferia geográfica da cidade à performance de corpos considerados abjetos, de identidades desviantes, é crucial para o enfrentamento de um cânone literário que espelha uma sociedade misógina, homofóbica, racista, etarista, capacitista e classista, tornando-se fonte efetiva para inclusão das representatividades, de denúncia e, talvez, de uma forma nova de representação estética. A maneira como essas violências se manifestam nos sujeitos criadores ex-cêntricos, tentando controlar a expressão estética, definindo o que é e não é arte, desencadeia (paradoxalmente) um modo de resistir e ultrapassar a subalternização a que se vem tentando condenar esta produção. As diversas transformações nos papéis sociais de gênero e sexualidade, bem como de lugar de enunciação, as quais vêm sendo historicamente ignoradas e sabotadas pela sociedade, são uma realidade e, como tal, ecoam na literatura e em outras produções artísticas. Isso levanta algumas questões como: será que o local e o meio de enunciação, considerando a “experiência das vozes diversificadas e transgressoras das personagens em situações de dominação em um sistema social”, determinam a percepção e representação da violência? Será que a representação da mulher e do homem assume aspectos distintos a partir da autoria feminina, distintivamente branca e não branca, central e periférica, ocidental e não ocidental? Será que os escritores pensam as personagens femininas a partir de estereótipos, permitindo às masculinas uma maior mobilidade? A relação idade-corpo-desejo-identidade é problematizada tanto por homens quanto por mulheres (branca/os e não branca/os, hetero e homossexuais)? O poder e a violência são representados igualmente por escritora/es do centro e da periferia? Há modos diferentes de representar “violência”, considerando a autoria, feminina ou masculina? Em que medida a abordagem das relações de poder e de violência diferenciam-se, considerando autoria feminina branca e não branca? Quando grupos sociais se tornam hegemônicos pela manipulação de determinada estrutura de poder, geram discursos que são naturalizados, deslegitimando discursos alternativos e questionadores. A relação entre os discursos do poder hegemônico e os discursos transgressores ou oponentes (em relação ao instituído e normalizado) estabelece a potencialização do poder em relação ao saber; logo, a relação entre o poder e o saber é uma forma de dominação, uma vez que nem todos se percebem imersos em um discurso naturalizado de dominação. Neste ponto, nos aproximamos da explicação do sociólogo Pierre Bourdieu (1989) sobre o poder simbólico, um poder que é edificado em sistemas como a arte, a religião e a própria língua. Conhecer, saber, é, pois, poder (Foucault, 2000). O poder – simbólico ou não – leva a excessos, leva ao autoritarismo, talvez não exatamente aos moldes do século XX, das grandes nações envolvidas em sistemas totalitários de governo, mas a um autoritarismo estruturado nas bases da microfísica foucaultiana, exercido por instituições na esteira da necropolítica (Mbembe,2018): a violência contra pobres, mulheres, crianças, grupos étnicos ditos minoritários, população LGBTQIA+. Levando em conta essas considerações, o grupo de pesquisa Relações de gênero, poder e violência em literatura e o grupo Poéticas e políticas da memória na literatura contemporânea, esperam para este simpósio trabalhos que problematizem questões como a produção centro-periferia; questões como a violência e sua relação com o gênero, a raça e a condição social, bem como a questão corpo, memória e ditadura; trabalhos que investiguem o autoritarismo do poder patriarcal na contemporaneidade, seja na sua macroestrutura (estatal, institucional), seja na microestrutura (relações entre as pessoas), tomando como base o texto literário, erudito ou popular, consagrado ou não canônico, ou outras produções culturais, em diversas mídias de divulgação.
PALAVRAS-CHAVE: Violência; gênero; autoritarismo; margem.
ESCRITAS DE MULHERES AFRICANAS E AFRODIASPÓRICAS NO CENÁRIO DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
EIXO: LITERATURAS DE INCLUSÃO E REPRESENTATIVIDADE
SIMPÓSIO: ESCRITAS DE MULHERES AFRICANAS E AFRODIASPÓRICAS NO CENÁRIO DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
COORDENADORES:
- Marinei Almeida (Universidade do Estado de Mato Grosso) marinei.almeida@unemat.br
- Renata Beatriz B. Rolon (Universidade do Estado do Amazonas) renatarolon@hotmail.com
- CELIOMAR PORFIRIO RAMOS (PUC Goiás - Pontifícia Universidade Católica de Goiás) celiomarramoss@hotmail.com
RESUMO: “O perigo da história única” (Chimamanda, 2018) nos levou a adentrar em águas ainda pouco navegadas, num navio conduzido por mulheres negras que velejam na contramão da concepção hegemônica, rumo à uma perspectiva feminista negra afrocentrada, num ato de autonomeação, de (re)contar a história, a partir de uma ótica gendrada, racializada e marcada por categorias que constituem esse grupo, reconhecendo a multiplicidade que o compõe. Deparamo-nos, então, com um fazer literário elaborado, como sugere Pinheiro (2021), como uma estratégia de resistência ao silenciamento e as violências sofridas por mulheres racializadas desde o período colonial perdurando, muitas vezes, até a contemporaneidade. Desse modo, o “outro do outro” (Kilomba, 2019), impõem-se, apesar de enfrentar inúmeros obstáculos, como aquela voz que num ato de escreviver, contando a sua história, no entanto, extrapolando o “eu”, assumindo, assim, uma escrita com dimensão “política e coletiva” (Souza, 2018). Talvez esta seja uma das principais motivações que têm nos guiado à produção literária de mulheres negras: entender que a história oficial, por conseguinte, tudo que a circunscreve, inclusive a arte, foi concebida a partir da visão de homens brancos cisheterossexuais oriundos das classes mais favorecidas da sociedade (Dalcastagné, 2008), salvo as raras exceções que conseguiram driblar o apagamento sistêmico. É necessário ressaltar que, mesmo que as mulheres negras estejam rompendo o silenciamento imposto, tendo certa visibilidade (inter)nacional, há elementos que ainda obliteram esse grupo. Resta-nos, como pesquisador e pesquisadora, contribuir para que esses elementos sejam (re)conhecidos, portanto, nomeados, a fim de descortinarmos o lado “marginal” a que produção esteve relegada. Pode haver inúmeras formas de (re)conhecer tais elementos, contudo, uma das mais coerentes é ouvir o que essas mulheres têm a dizer, seja no campo científico, na arte, na literatura, na crítica literária e em outros âmbitos da sociedade, pressupondo que ninguém é mais capaz de identificar as dores que as próprias vítimas. A necessidade de ouvir/ler, refletir, discutir e analisar produções daquelas que tiveram as vozes silenciadas por sistemas opressores, machistas e sexistas, se faz urgente, sobretudo em países que têm as suas bases fincadas ainda em um sistema neocolonialista. Apesar de tímida, nos últimos anos tem sido notória a conquista de espaço das mulheres negras no mercado editorial e, além disso, tem aumentado de forma significativa o interesse de pesquisadores(as) em refletir sobre essa produção literária na academia. A visibilidade da escrita dessas mulheres é importante, entre outros fatores, por apresentar uma nova perspectiva social permitindo, assim, que elas se autorrepresentem e representem suas semelhantes e, consequentemente, rasurem os estereótipos atribuídos a esse grupo na literatura hegemônica. A autoria feminina negra é, então, uma grande conquista, visto que, ao “assenhorar-se da pena”, essas mulheres deixam de ser “objeto” nos textos literários, tornando-se sujeito da/na literatura, apresentando “escrevivências”, ou seja, permitindo que a subjetividade e a memória se apresentem, contudo, sem um centramento em si, na evidência de uma memória coletiva da população racializada. Segundo Mata (2006), tais literaturas são metonímias da história dos países e, por isso, consideradas textos memórias. Dado o exposto, nosso objetivo é reunir trabalhos que discutam a produção literária de autoras negras em diferentes gêneros literários, com os seguintes objetivos: (1) debater a importância da autoria feminina negra; (2) refletir sobre como se dá a representação de mulheres negras na literatura produzida por autoras negras; (3) abordar a relevância das produções literárias de mulheres negras no cenário africano, afro-brasileiro e afrodiaspórico; (4) discutir em que medida essas produções contribuem para desconstruir os estereótipos atribuídos aos negros, em especial, às mulheres negras. Serão bem-vindas propostas centradas nos estudos comparados, não somente entre textos literários, mas, destes com outros tipos de artes (cinema, teatro, pintura, etc), incluindo o diálogo com outras áreas de conhecimento (antropologia, sociologia, história, etc). Ainda, baseados nos pressupostos defendidos por Patrícia Hill Collins (2017), de que é preciso se munir de estudos que intervém sobre a questão da intersecção das desigualdades, na reconfiguração das hierarquias de raça, classe, gênero e sexualidade; de Judith Butler (2017), ao dizer que se alguém “é” uma mulher isso não é tudo, pois o gênero, por não se representar de maneira coerente no que diz respeito ao contexto histórico, estabelece diálogo com outros aspectos, dentre eles os raciais, classicistas, étnicos, sexuais e regionais, uma vez que “se tornou impossível separar a noção de ‘gênero’ de interseções políticas e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida” (p. 21). Enfim, dentre outros estudos críticos e teóricos que centrem nessas questões, as propostas apresentadas deverão considerar tais pressupostos, uma vez que é de suma relevância para pensar o lugar outorgado à mulher negra em uma sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Autorrepresentação; Mulheres negras; Autoria feminina negra; Interseccionalidade; Afrodiaspóricas.
LITERATURA CARIBENHA E GUIANENSE ESCRITA POR MULHERES
EIXO: LITERATURAS DE INCLUSÃO E REPRESENTATIVIDADE
SIMPÓSIO: LITERATURA CARIBENHA E GUIANENSE ESCRITA POR MULHERES
COORDENADORES:
- Juliana Pimenta Attie (Universidade Federal de Alfenas) juliana.attie@unifal-mg.edu.br
- Natali Fabiana da Costa e Silva (Universidade Federal do Amapá) natali_costa@hotmail.com
- Viviane Ramos de Freitas (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) viviane.defreitas@ufrb.edu.br
RESUMO: Esse simpósio dirige o olhar para textos que colocam em evidência a experiência vivida no Caribe e na região das Guianas e sua relação com o corpo, a linguagem, e suas especificidades geográficas e geopolíticas. Ao mesmo tempo, o simpósio busca fomentar o debate em torno de reflexões críticas e elaborações teóricas que apontem vias alternativas ao influente estudo de Paul Gilroy, O Atlântico Negro [The Black Atlantic], de 1993, que dirigiu o foco do interesse para o ponto de vista, predominantemente masculino, do migrante e para os debates críticos centrados no estudo de movimentos e fluxos em detrimento de experiências situadas. Conforme endossa Donnell (2006), o modelo teórico do Atlântico Negro, e os discursos da diáspora sob a sua influência, colaboraram para a ênfase na migração e no exílio como as áreas de investigação mais gratificantes, gerando um desinvestimento na região do Caribe como um local de possibilidades. Esse simpósio convida olhar para o Caribe e para as Guianas levando em consideração toda a sua complexidade e diversidade regional. Com narrativas nacionais muito envolvidas com as diásporas da África e do Sul da Ásia, bem como com a migração colonial europeia, o Caribe é um local particularmente interessante para discussões sobre as identidades diaspóricas e os escritos que se relacionam com ela. Os processos transculturais e interculturais, que Gilroy contrapõe à ideia de nação, são constitutivos das próprias formações nacionais caribenhas e podem ser localizados nas diversas dimensões da vida e da experiência cotidiana da vida caribenha. Esse movimento não significa desconsiderar a extraordinária mistura que constitui a região do Caribe, nem tampouco as muitas comunidades da diáspora caribenha que se estendem globalmente. No entanto, desconfiamos que os silêncios e os espaços marginais, que marcam essas produções literárias, ainda têm muito a dizer sobre essa região ainda tão desconhecida. Um mergulho nesses textos nos convida a identificar novas áreas de recurso imaginativo na cultura, tendo por foco a integração da vida humana à vida da paisagem caribenha e crioula, assim como a desbravar caminhos para repensarmos maneiras de teorizar sobre as identidades diaspóricas e os escritos que se relacionam com elas. Finalmente, é também nosso objetivo fomentar um debate sobre os contatos interculturais através da interlocução dessas produções literárias em conversa com outros espaços de experiência e pensamento negro, a partir de uma perspectiva relacional e reflexiva. A ideia é olhar para esses trabalhos como contextos relevantes e locais estratégicos de possibilidades de conhecimento situado e de produção de conhecimento a respeito dos espaços interculturais que se articulam de forma relevante à herança africana. Além disso, pretendemos abordar esses textos literários como expressões da multiplicidade da diáspora africana, que estão bem posicionados para contribuir para abrir caminhos metodológicos, teóricos e conceituais para os Estudos comparados de literatura, assim como para as discussões sobre o os contatos interculturais que gestam novas interações e expressões culturais, reinventando noções de limite e fronteira. Vale lembrar que, para o martinicano Édouard Glissant (2021), tais noções são rasuradas. Desde as primeiras travessias oceânicas com intuito colonizador, a fricção entre as diferentes matrizes culturais oriundas do período do tráfico de escravizados ampliam a produção de saberes e de estratégias de resistência apesar de todo o sofrimento infligido aos povos originários e às pessoas escravizadas. Nesse sentido, em que pese a experiência do trauma, fomos (e somos) capazes de atualizar saberes e modos de existir. Esse movimento é o que caracteriza a Poética da Relação (Glissant, 2021) que, avessa à fixidez, é atrito, deslocamento, e se sustenta em uma estrutura rizomática, movediça, imprevisível e em constante transformação. A Relação glissantiana dialoga com a proposta da Tidalectics (dialética das marés), de Edward Kamau Brathwaite (1973), pois o poeta barbadiano observa em nossas práticas sociais, culturais e atravessamentos subjetivos os movimentos de maré e de ondulação que se contrapõem à dialética de Hegel. Ancorada na fluidez rítmica, nos movimentos cíclicos da água, a Tidalectics também enceta uma abertura oriunda do atrito histórico, cultural, social e subjetivo provocado pelo período da colonização e do tráfico de escravizados. A aproximação de universos distintos resulta na produção de novos campos de significados e possibilidades de existência. Em outras palavras, trata-se da recusa ao encerramento em uma ideia, um modo de existir, uma perspectiva, uma História. É a renúncia ao impermeável, ao redutível, à imobilidade. O simpósio Literatura caribenha e guianense escrita por mulheres é um convite para dirigir o olhar ao trabalho de escritoras do Caribe e das Guianas comprometidas com uma escrita situada. As interlocuções com essas mulheres permitem explorar de que forma as questões morais, políticas, religiosas, espirituais encenadas por seus textos são capazes de ampliar, contestar, deslocar, ou propor novas travessias de fronteiras raciais, sexuais e culturais.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura caribenha; Literatura guianense; Escrita de mulheres
O indígena como alteridade na literatura latino-americana
EIXO: LITERATURAS DE INCLUSÃO E REPRESENTATIVIDADE
SIMPÓSIO: O indígena como alteridade na literatura latino-americana
COORDENADORES:
- Moema de Souza Esmeraldo (UFRR) moemaesmeraldo@gmail.com
- Celso Medina (Universidade Federal do Amazonas) medina.celso@ufam.edu.br
RESUMO: Este eixo abre um espaço para pesquisas que analisam como a literatura latino-americana construiu a figura do indígena como um “outro”. Desde o início da colonização, os europeus forjaram uma imagem do indígena marcada por múltiplas contradições e estereótipos. Inicialmente, o fascínio e o espanto prevaleceram, levando Cristóvão Colombo a acreditar que tinha chegado ao Paraíso. No entanto, esta visão idílica rapidamente se transformou num olhar paternalista e civilizador. Os colonizadores viram os indígenas como nus, física e culturalmente, e proclamaram-se seus salvadores. Esta visão foi amplamente divulgada através de crónicas, relatos de viajantes e relatórios missionários, que descreviam os povos nativos como seres inferiores, desprovidos de religião e de civilização. A alteridade indígena era assim construída como uma falta de humanidade, uma deficiência que tinha de ser compensada pela cultura europeia. Após a independência, a visão paternalista manteve-se e os indígenas continuaram a ser vistos como objetos de caridade e filantropia. A literatura, profundamente influenciada pela estética ocidental, apropriou-se da figura do indígena, transformando-o num arquétipo romântico e exótico. No entanto, ao longo do século XX, a representação literária dos povos indígenas sofreu alterações significativas. Autores indígenas e não indígenas começaram a questionar visões estereotipadas e a oferecer representações mais complexas e autênticas dos povos originários. A historiografia literária latino-americana agrupou as obras literárias com temas indígenas em duas grandes categorias: literatura indígena e literatura indigenista. De acordo com Césareo de Armellada (1991), a literatura indígena refere-se à “literatura oral e anónima” produzida pelos povos indígenas, transmitida de geração em geração e expressa nas suas línguas originais. Essas narrativas, ricas em visões de mundo, tradições e mitos, empregam recursos retóricos e estéticos próprios de cada cultura. A literatura indigenista, surgida da perspectiva de autores não indígenas, recria as vidas indígenas utilizando os códigos da literatura formalizada e estabelecendo um diálogo com as culturas originais. No entanto, como aponta Juan Carlos Mariátegui, essa literatura tende a romantizar, exotizar e essencializar os indígenas, simplificando a complexidade de suas realidades. A etnoficção, por sua vez, emerge como uma modalidade literária que, ao observar o indígena como um "outro", explora suas cosmologias e comunidades. É fundamental questionar as diferentes abordagens da etnoficção, especialmente quando realizadas por autores não indígenas, e analisar os impactos dessas explorações, tanto no âmbito literário quanto nas relações sociais entre indígenas e não indígenas. A etnoficção, com raízes europeias, foi utilizada por autores como Antônio de Guevara, Diderot, Montesquieu e Victor Segalen para criar narrativas ficcionais a partir de discursos indígenas, muitas vezes com claras intenções ideológicas. Contudo, a literatura contemporânea tem renovado essa abordagem, como exemplificam obras como 'Macunaíma', de Mário de Andrade, e 'Maíra', de Darcy Ribeiro. A obra literária de etnoficção contemporânea (Cfr. Lienhard,1988) situa-se no espaço da alteridade, conforme definido por Emmanuel Levinas (1972): um lugar onde se estabelece uma relação de responsabilidade entre o 'eu' e o 'outro'. Através de diversos gêneros, como o testemunho, o conto, o poema e o romance, a literatura indigenista recente a constrói e negocia identidades híbridas, desafiando assim as narrativas dominantes sobre os povos indígenas. Deve-se dar atenção especial à figura do autor. A figura do escritor, que frequentemente se vê desafiado a conciliar uma formação literária ocidental, com seus conceitos de autor e obra individual, e as cosmovisões indígenas, que valorizam a oralidade, a coletividade e a transmissão ancestral do conhecimento. A noção de "literatura", com seus gêneros e convenções, também se mostra problemática ao tentar abarcar a diversidade de expressões artísticas presentes nas culturas indígenas. A oralidade, a performance e a arte visual, por exemplo, desempenham papéis fundamentais na transmissão de histórias e conhecimentos, desafiando a primazia da escrita característica da tradição ocidental. Este eixo de investigação propõe analisar como a literatura latino-americana dos séculos XX e XXI tem lidado com a figura do indígena, com foco nas representações presentes em sua produção literária. O objetivo é identificar e analisar as diversas retóricas utilizadas para representar os povos nativos, buscando compreender como essas representações contribuíram para a construção de identidades nacionais e para a perpetuação de estereótipos. Além disso, espera-se que as pesquisas procurem refletir sobre como autores indígenas e não indígenas têm tentado saldar a dívida histórica com as culturas indígenas, sujeitas a processos de colonização e desapropriação.
PALAVRAS-CHAVE: Alteridad, çLiteratura Indígena, Literatura Indegenista, Enoficção
VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS LGBTQIA+ NAS LITERATURAS AFRICANAS E AFRODIASPÓRICAS: NOVAS ABORDAGENS TEÓRICO-CRÍTICAS, ESTÉTICAS E INTERSECCIONAIS
EIXO: LITERATURAS DE INCLUSÃO E REPRESENTATIVIDADE
SIMPÓSIO: VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS LGBTQIA+ NAS LITERATURAS AFRICANAS E AFRODIASPÓRICAS: NOVAS ABORDAGENS TEÓRICO-CRÍTICAS, ESTÉTICAS E INTERSECCIONAIS
COORDENADORES:
- Orison Marden Bandeira de Melo Júnior (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) orison.junior@ufrn.br
- Alex Santana França (Universidade Estadual de Santa Cruz) asfranca@uesc.br
RESUMO: As literaturas africanas e afro-diaspóricas queer têm, aos poucos, ganhado espaço nos estudos acadêmicos multidisciplinares, assim como nos literários do Brasil. Contudo, apesar disso, as abordagens ainda são insipientes, principalmente diante da demanda crescente de publicações de obras literárias que contemplam questões referentes à comunidade LGBTQIA+ nos contextos africanos e afro-diaspóricos, muitas, inclusive, com traduções para o português. Utilizamos o termo queer aqui como um termo guarda-chuva para abarcar uma variedade de categorias dissidentes e não normativas de identidades de gênero e sexualidades (van Klinken, 2019). Este simpósio propõe, então, ampliar o debate acerca dessas literaturas e dessa temática, em diálogo com outros marcadores sociais, como raça, classe, nação, etnia, cultura etc. Nessa esteira, abarcamos, também, pesquisas cujo foco sejam, em especial, as representações das sexualidades em diálogo com os discursos religiosos, a exemplo dos discursos fundamentalistas e conservadores, que se colocam como discurso de autoridade contra essas sexualidades. Em relação às sexualidades dissidentes em países africanos, por exemplo, autores, como van Klinken e Chitando (2016), discutem como o discurso religioso de líderes políticos, que usam uma retórica anti-homossexualidade bíblica, consideram a homossexualidade e os direitos civis da população LGBTQIA+ como uma ameaça moral aos seus países. Acerca da teologização da homofobia, Benyah (2019) discorre sobre o papel do afro-pentecostalismo na discriminação contra homossexuais, explicando que, nesse segmento religioso fundamentalista, tanto a homossexualidade quanto o casamento entre pessoas do mesmo sexo são considerados demoníacos. Audre Lorde (2009) lembra-nos, nesse sentido, que a opressão e a intolerância contra o diferente existem de todas as formas e tamanhos, não havendo, dessa forma, uma hierarquia da opressão. Lorde (2007) ainda destaca que todo tipo de opressão deve corromper ou deformar as fontes de poder da cultura daquele(a) que é oprimido(a/e), pois é exatamente essa cultura que dá ao(à) oprimido(a/e) poder para mudar. O simpósio, portanto, configura-se como um importante espaço para pesquisas que discutam as diferentes formas de abordagem desses corpos dissidentes no conjunto das literaturas em questão, reconhecendo a urgente necessidade de maior visibilidade para essas produções literárias e, consequentemente, pautas sociais, dentro das universidades brasileiras, assim como em outras instituições sociais. Vale ressaltar que, por estar no campo da literatura, o foco deste simpósio recai sobre pesquisas em que o diálogo entre o tema e a construção estética seja estabelecido. Dessa forma, o objeto estético é evidenciado em seu aspecto sociohistórico, ideológico, cultural etc. sem ofuscar os elementos do gênero literário ao qual ele pertence. Buscando superar a cisão entre forma e conteúdo (Bakhtin, 2015), as pesquisas que participam desse simpósio fogem, portanto, do formalismo e do sociologismo, vertentes que estabelecem que elementos do conteúdo precisam ganhar forma e se adequar ao gênero literário ao qual o objeto estético pertence. Muitas produções literárias africanas e afro-diaspóricas são dissidentes, inclusive, nesse aspecto, desafiando a teoria dos gêneros literários hegemônica, ao proporem outras possibilidades de construção narrativa. Diante disso, as pesquisas precisam evidenciar também como o conteúdo voltado às identidades de gênero e sexualidades dissidentes tem sido desenvolvido por autores e autoras de obras literárias africanas e afro-diaspóricas em sua criação estética, quer sejam através do narrador, do autor, quer das personagens, reconhecendo-as como centros de valores, cujas posições são percebidas não só pelo que dizem, ou seja, seus discursos, como pelo que fazem, ou seja, suas ações. Nessa esteira, a teoria literária passa a dialogar com várias escolas críticas da literatura, como a crítica pós-colonial/decolonial, as críticas feministas, a crítica queer, a crítica queer of color, entre outras, bem como os estudos da religião, por exemplo. Todas essas vertentes críticas, em diálogo ou separadamente, auxiliam o desvelamento de discursos relacionados às identidades de gênero e sexualidades dissidentes que ganham forma por meio de materiais linguísticos que não são neutros, mas penetrados axiologicamente por valores sociohistóricos que representam as tensões em torno dessas vivências e experiências dissidentes. Com esse entendimento do objeto estético, as discussões em torno das literaturas africanas e afro-diaspóricas são evidenciadas neste simpósio, com o fito de, por meio da arte, visibilizar àqueles(as) que são muitas vezes silenciados(as/es) na vida. Esse silenciamento provocado por discursos homofóbicos, transfóbicos, misóginos, racistas etc. é, frequentemente, corroborado por discursos religiosos fundamentalistas e conservadores que se colocam como discurso de autoridade, de verdade absoluta, muito comum na contemporaneidade brasileira, por meio de líderes religiosos e políticos que se pautam na exclusão e na opressão. Destacar as literaturas africanas e afro-diaspóricas neste simpósio, situado no eixo temático Literaturas de inclusão e representatividade, é ir na contramão desse processo excludente e opressor, em que a representação das vivências das personagens LGBTQIA+ torna-se pivotal não só para a compreensão e análise dos textos literários de cada pesquisa participante, como para a expansão do tema na academia brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Literaturas africanas; Literaturas afro-diaspóricas; vivências e experiências LGBTQIA+; interseccionalidades.
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Abordagens da tradução literária
- Marlova Gonsales Aseff (UnB) - marlova.aseff@gmail.com
- Andrea Cristiane Kahmann (UFPel) - andreak.ufpb@gmail.com
- Andrei dos Santos Cunha (UFRGS) - andreicunha@gmail.com
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LIteratura e Dissonância
- André Dias (Universidade Federal Fluminense - UFF) - andredias@id.uff.br
- Rauer Ribeiro Rodrigues (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS) - rauer.rodrigues@ufms.br
- Felipe Gonçalves Figueira (Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES) - fgfigueira@gmail.com
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Machado de Assis: a literatura e a sociedade
- VALDINEY VALENTE LOBATO DE CASTRO (UERJ/UFAM) - valdineyvalente@hotmail.com
- GERMANA MARIA ARAÚJO SALES (UFPA/CNPq) - gmaa.sales@gmail.com
- Antonio Marcos Vieira Sanseverino (UFRGS) - amvsanseverino@gmail.com
Abordagens da tradução literária
EIXO: NAVEGANDO EM PLURALIDADES
SIMPÓSIO: Abordagens da tradução literária
COORDENADORES:
- Marlova Gonsales Aseff (UnB) marlova.aseff@gmail.com
- Andrea Cristiane Kahmann (UFPel) andreak.ufpb@gmail.com
- Andrei dos Santos Cunha (UFRGS) andreicunha@gmail.com
RESUMO: Desde sempre, narram-se grandes e pequenos feitos, cantam-se amores, recitam-se belezas, lamentam-se as dores. E tão antigas quanto a própria humanidade são as traduções dessas narrativas, dramas e líricas a fim de transplantá-las a culturas outras, transpondo fronteiras e pluralizando literaturas. Apesar disso, mesmo em ambientes acadêmicos, a tradução é ainda invisibilizada (Venuti, 1995) ou os discursos sobre ela podem ainda ser permeados pela culpa insanável de ser e não ser o original (Berman, 1995, p. 42), um paradoxo que facilmente resvala para a condenação por traição. Aforismos como “traduttore traditore” [tradutor traidor] ou “belas infiéis” a um só tempo evidenciam aspectos sexistas e racialistas da cultura, pois calcados em mitos de pureza, tão absurdos quanto os de superioridade / inferioridade de certas línguas, literaturas e culturas. É por meio da tradução, que necessariamente implica em dialogar, horizontalizar, hibridizar e mestiçar, que esses construtos se dissipam. Traduzir literatura é pluralizá-la, é albergar a estrangeiridade no coração da língua materna (Berman, 2007, p. 27), é fazer do alheio coisa própria (Carvalhal, 2003). Traduzir é colocar a cultura no divã, pois implica em reflexão sobre simbologias e formas de dizer marcadas pelas especificidades de significados históricos, políticos, sociais, que envolvem o tratamento de sentidos construídos por meio da linguagem, nem sempre são conscientes. O fenômeno tradutório, compreendido mais além do caráter linguístico, é uma reescritura (Lefevere, 2003) moldada pelas ideologias de cada tempo e lugar, pelo mecenato e pela poética de cada sistema literário. É também um ato carregado de violência epistêmica quando se fala por ou se fala para o subalterno (Spivak, 2012). Traduzir é, pois, comparar literaturas, pluralizar as redes, esgarçar as margens, navegar por novos rios, remando contra os provincianismos da língua que traduz e daquela da qual se traduz, (des)acomodando o polissistema (Even-Zohar, 2003) e renovando-o. A tradução também pode ser uma forma eficiente de se filiar a uma tradição, a uma estética, a uma família poética, além de frequentemente intervir em cânones e formar novas tradições. É igualmente a forma mais atenta de analisar as multiplicidades interpretativas e as intertextualidades das expressões literárias. Seguindo essa linha, propomos este Simpósio Temático "Abordagens da tradução literária" para acolher discussões sobre tradução literária em suas pluralidades, com o objetivo de reunir comunicações que tratem sobre os mais diversos (polis)sistemas literários e teorizações sobre e o compartilhamento de experiências em atividades de “transplantes” culturais de textos criativos, valendo-se do sentido mais amplo do conceito de “literatura”, a fim de abarcar as diferentes mídias e suportes. O objetivo deste ST é, portanto, acolher traduções comentadas de obras literárias, bem como reflexões sobre a história da tradução e da retradução de literatura, sobre o pensamento acerca da tradução literária, as atitudes e enfoques de tradutores/as (Jones, 2024) e também sobre as relações entre tradução e criação. Sobre esse último tema, sabemos que, ao longo da história ocidental, nem sempre houve a diferenciação radical entre tradução e criação a ponto de se considerar a primeira como uma produção secundária e de menor valor. Antoine Berman lembra que a distinção entre um texto original e um texto secundário (tradução, comentário, recriação, adaptação) não existia verdadeiramente na Idade Média, fato que só começa a mudar no Renascimento, quando aparecem as noções de original e de autor tais como a conhecemos hoje. Também Jorge Luis Borges, em vários de seus textos, colocou em xeque tanto a questão da supremacia da autoria como o caráter secundário da tradução. Em “Las versiones homéricas”, de 1932, qualificou como “superstição” o fato de se acreditar que sempre o original será superior à sua tradução. Ele sugere que uma tradução pode, sim, superar o original e festeja a riqueza representada pela existência de diversas versões de um mesmo texto (Borges, 2005). Também são bem-vindos estudos sobre tradutores/as (Chesterman, 2014), sobre experiências de trabalho em rede e traduções colaborativas são possíveis temas a partir do qual podem ser propostas discussões, que podem se vincular aos estudos culturais e às abordagens interdisciplinares que partam de reflexões sobre narrativas e culturas em contato, as (im)permeabilidades entre (polis)sistemas, suas trocas, seus processos de hibridização e os discursos sobre eles (recepção de tradução), tanto quanto sobre comentários à atividade de tradução de texto literário ou que se tenha valido do referencial teórico da tradução literária.
PALAVRAS-CHAVE: literatura comparada; traduções literárias; trocas culturais; pluralidades.
LIteratura e Dissonância
EIXO: NAVEGANDO EM PLURALIDADES
SIMPÓSIO: LIteratura e Dissonância
COORDENADORES:
- André Dias (Universidade Federal Fluminense - UFF) andredias@id.uff.br
- Rauer Ribeiro Rodrigues (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS) rauer.rodrigues@ufms.br
- Felipe Gonçalves Figueira (Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES) fgfigueira@gmail.com
RESUMO: A proposta do simpósio é examinar a manifestação da dissonância em diferentes obras literárias das mais variadas nacionalidades, com vistas a compreender o modo pelo qual alguns autores se constituíram, através dos discursos literários, como vozes questionadoras de seus tempos, sociedades e condições existenciais. A ideia central é abrir espaço para o diálogo entre pesquisadores que investigam variados autores, cujas obras expressam inquietações e questionamentos, tanto na esfera sociopolítica quanto na ideológica, na estética ou na existencial. O que se espera é que os trabalhos apresentados no âmbito do Simpósio Literatura e Dissonância discutam, entre outras questões, o problema teórico do intelectual frente às variadas ideologias, quer sejam elas hegemônicas ou não, e o problema histórico dos escritores diante do status quo, manifestado na esfera da política, dos costumes, da economia, da cultura, da tecnologia etc. Mikhail Bakhtin, falando sobre o grande tempo histórico e o trabalho dos escritores, chama atenção para o seguinte fato: “o próprio autor e os seus contemporâneos veem, conscientizam e avaliam antes de tudo aquilo que está mais próximo do seu dia de hoje. O autor é um prisioneiro de sua época, de sua atualidade. Os tempos posteriores o libertam dessa prisão, e os estudos literários têm a incumbência de ajudá-lo nessa libertação.” (BAKHTIN, 2003, p. 364). Sendo assim, ao abordarmos a temática Literatura e Dissonância, temos clareza de que todo autor, para o bem e para o mal, é antes de tudo um homem de seu tempo. Desse modo, aos que se ocupam da investigação literária cabe a tarefa de, dialogicamente, atualizarem os diversos discursos literários produzidos nos mais variados tempos e espaços históricos. Agindo assim, os estudiosos da literatura contribuirão para manter a vivacidade de distintos autores e obras. Sobre a criação romanesca, o pensador russo adverte que “o autor-artista pré-encontra a personagem já dada independentemente do seu ato puramente artístico, não pode gerar de si mesmo a personagem – esta não seria convincente” (BAKHTIN, 2003, 183-184). Em outras palavras, nenhuma personagem é fruto do gênio criador de um autor adâmico, pois a matéria de memória da literatura está no mundo social, local de onde os escritores extraem os motivos para criar. Dessa forma, as premissas bakhtinianas apresentadas aqui fundamentam o desenvolvimento das nossas reflexões e ajudam a ampliar os sentidos das análises. O fórum, observada a perspectiva da dissonância no campo dos estudos literários e do comparativismo, acata propostas que vão desde o enfoque do ensino da literatura, passando pela questão do trabalho crítico, até chegar à discussão teórica das experiências literárias e dos diálogos transdisciplinares. Seja no espaço das territorialidades, cujos limites se esvaem diante da instantaneidade das comunicações globais, seja no âmbito do regional esvaziado no mesmo diapasão, procura-se o dissonante na antiga ordem hierarquizada, no finado mundo bipolar ou no universo multilateral que se instaura. Há que se considerar, ainda, estudos comparativos entre autores que, mesmo distantes no tempo e no espaço, fixam a seu modo o questionamento de valores hegemônicos e não hegemônicos. Tais autores, independente se no âmbito da prosa ou da poesia, acabam por constituir uma aproximação literária mediada pelo estado de permanente inquietação. Entretanto, dialeticamente, a literatura, ao mesmo tempo que compartilha inquietações, estilhaça certezas e provoca os leitores. Nas palavras de Antoine Compagnon: “A literatura desconcerta, incomoda, desorienta, desnorteia, mais que os discursos filosófico, sociológico ou psicológico porque ela faz apelo às emoções e à empatia. Assim, ela percorre regiões da experiência que os outros discursos negligenciam, mas que a ficção reconhece em seus detalhes” (COMPAGNON, 2009, p.50). Nesse sentido, o discurso literário potencializa as noções de resistência, de estética e de política, na medida em que tais conceitos, mediados pelo trabalho literário, terão suas perspectivas matizadas por diversas concepções de mundo, abrindo possibilidades dialógicas infinitas a todos que se ocupam da experiência literária. Do ponto de vista da historiografia literária, qualquer que seja o modo analítico proposto, os problemas se sucedem, pois os últimos anos têm sido de deslocamentos incessantes dos postulados teóricos. Tais deslocamentos transformaram em cada vez mais inglórios os embates com o mundo concreto, considerando a acelerada mutabilidade das circunstâncias sociais, políticas, históricas e das representações simbólicas, no âmbito das artes em geral e da literatura em particular. Assim sendo, no estudo da circulação e dos sentidos construídos a partir da literatura cabe, inclusive, questionar as significações do conceito de literariedade. Tal questionamento pode incorporar novas e dissonantes acepções ao termo, tanto na perspectiva dos cânones consagrados, quanto dos cânones emergentes. Levantar questionamentos, de preferência contundentes, e produzir conclusões, ainda que provisórias, é o que se espera com o presente Simpósio Temático, que em 2025 completa treze anos ininterruptos de participações na ABRALIC, sempre com intensa adesão de pesquisadoras e pesquisadores dos mais diferentes níveis.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura; Prosa; Poesia; Análise de discursos.
Machado de Assis: a literatura e a sociedade
EIXO: NAVEGANDO EM PLURALIDADES
SIMPÓSIO: Machado de Assis: a literatura e a sociedade
COORDENADORES:
- VALDINEY VALENTE LOBATO DE CASTRO (UERJ/UFAM) valdineyvalente@hotmail.com
- GERMANA MARIA ARAÚJO SALES (UFPA/CNPq) gmaa.sales@gmail.com
- Antonio Marcos Vieira Sanseverino (UFRGS) amvsanseverino@gmail.com
RESUMO: A intensa produção de Machado de Assis acompanha importantes acontecimentos históricos, como a passagem do Brasil monárquico para o republicano, a abolição da escravatura, a introdução da mão de obra imigrante e o início do século XX. Todas essas transformações contribuíram para solidificar os traços socioeconômicos do país e foram experimentadas por Machado de Assis que, imerso no frenesi dessas mudanças, paulatinamente ia consolidando sua obra e seu nome como principal expoente literário da época até a consagração como presidente da Academia Brasileira de Letras. Nas páginas públicas, como Machado referiu-se aos jornais oitocentistas, repousa o nome do autor em notas variadas, como reprodução de suas obras; notícias de sua presença em eventos oficiais; participação em jogos de xadrez; críticas sobre seus escritos; trechos de seus textos utilizados como aforismos e epígrafes; e informações sobre a repercussão de seus livros no Brasil e no exterior. Toda essa extensa quantidade demonstra o quanto o autor era prestigiado em todo o país e a significativa relevância internacional que seus textos receberam. Essa consagração – é preciso dizer – deve-se à circulação dos impressos que, graças aos navios a motor, por meio de um circuito de comunicações (DARNTON, 1990) muito bem urdido, promovia o nome de Machado de Assis do norte ao sul do país. O Jornal das Famílias, por exemplo, de Baptiste Louis Garnier, que tinha o escritor de Crisálidas como principal colaborador, mantinha uma rede de contatos permanente e conseguiu penetrar em todas as províncias do país. Machado era consciente de sua importância para a sociedade da época e tinha preocupação com a projeção de seu nome. Suas cartas, principalmente as escritas após tornar-se presidente da Academia, revelam sua apreensão com a qualidade das edições: ao escrever para François Hippolyte Garnier ou para o gerente Julien Lansac, ressaltava a necessidade de acrescentar o emblema da Academia e assinalava detalhes quanto à formatação e/ou ao cuidado com a gramática, para garantir a qualidade da impressão. Desde que o nome de Machado começa a debutar nos jornais, já se revela uma intensa relação estabelecida com os seus pares, fossem eles os editores, fossem eles os escritores seus contemporâneos. Além disso, suas narrativas – contos, crônicas e romances – remetem às singularidades sociais, como o adultério, o ciúme, as relações movidas pelo interesse, às questões políticas, à infidelidade, às transações econômicas, dentre outros inúmeros comportamentos que permeiam a condição humana. É possível ver, nesses textos, um alargamento da relação dos personagens machadianos com a sociedade: nas suas primeiras narrativas, seus personagens estão reclusas aos encontros que ocorrem quase sempre nos ambientes familiares ou nos saraus e essas relações são pinceladas quase sempre por questões externas ao indivíduo. A partir do final da década de 1870, os personagens começam a ganhar as ruas, a perceber as mudanças que ocorrem na sociedade e a imiscuir-se com essas transformações: as novas relações de trabalho, a partir da abolição da escravatura, o célere crescimento econômico, impulsionado com o fim da guerra do Paraguai, e o desenvolvimento do espaço urbano promovem uma modificação vertiginosa no Rio de Janeiro e no homem. Surgem, então, personagens que mantém relações muito mais próximas com os dilemas sociais, políticos e econômicos e, exatamente pelo surgimento dessas mudanças, essas novas criações passam também a voltar-se para o questionamento de suas ações. Com isso os temas das narrativas desenlaçam-se: há textos que exploram como os sujeitos se relacionam com as transformações sociais e outros em que há o retorno para o próprio indivíduo que – em uma análise interior – volta-se para reconhecer-se diante dessas transformações. São frutos dessas construções, produzidas a partir do final de 1870, os personagens mais marcantes do autor, os quais encarnaram tipos colhidos a partir da observação primorosa de Machado de Assis. Essa análise minuciosa espelha-se a partir dos narradores, elementos singulares da estética machadiana, que entretecem o leitor e, ardilosamente, convida-o a aventurar-se nas tramas tecidas amarradas, muitas vezes, pela ironia e pessimismo. Diante dessa relação do autor com a sociedade de sua época, este simpósio aceita comunicações que discutam a associação de Machado de Assis e suas obras com a sociedade, abraçando estudos que se debrucem sobre o processo de canonização, a circulação do texto literário, as fontes primárias, a recepção e a leitura do texto literário e a renovação do texto machadiano no sistema literário brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Machado de Assis; sociedade; literatura; século XIX
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Conexões entre literatura e música, sob a ótica da intermidialidade
- CECILIA NAZARE DE LIMA (Escola de Música da UFMG) - cecilianl.ufmg.mus@gmail.com
- Luciana Monteiro de Castro (Escola de Música da UFMG) - lumontecastro@hotmail.com
- Ana Luiza Ramazzina-Ghirardi (UNIFESP) - ramazzina@unifesp.br
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Construindo pontes, atravessando mares, imaginando futuros: literaturas africanas e afrodiaspóricas em análise e cotejo
- Janice Inês Nodari (Universidade Federal do Paraná (UFPR)) - nodari.janicei@gmail.com
- Eduardo Marks de Marques (Universidade Federal de Pelotas (UFPel)) - eduardo.marks@ufpel.br
- Carlos Eduardo de Araujo Placido (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)) - carlos.placido@ufms.br
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Do colonialismo como nosso impensado: Eduardo Lourenço, leitor de Portugal, Brasil e África
- SABRINA SEDLMAYER PINTO (UFMG) - sabrina.sedlmayer@gmail.com
- Roberto Vecchi (Universita di Bologna) - robbev@gmail.com
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Literatura e Avaliação Educacional em Larga Escala: Interdisciplinaridade, Diversidades Regionais e Tensões Contemporâneas
- HELCICLEVER BARROS DA SILVA SALES (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP) - helciclever@gmail.com
- Sidelmar Alves da Silva Kunz (Universidade Estudual de Goías - UEG) - sidel.gea@gmail.com
- Viviane Faria Lopes (Universidade Estadual de Goiás - UEG) - viviane.lopes@ueg.br
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LITERATURA E EDUCAÇÃO: CONEXÕES INTERDISCIPLINARES NA AMAZÔNIA
- Maria de Fatima do Nascimento (Universidade Federal do Pará (UFPA)) - mafana@ufpa.br
- Hugo Lenes Menezes (IFPI) - hugomenezes@ifpi.edu.br
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LITERATURA E TESTEMUNHO: TEORIAS, LIMITES, EXEMPLOS
- Marcelo Ferraz de Paula (UFG/CNPq) - marcelo2867@gmail.com
- Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq) - mrclpvdsz@hotmail.com
- Wilberth Claython Ferreira Salgueiro (UFES/CNPq) - wilberthcfs@gmail.com
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USOS POLÍTICOS DA MEMÓRIA E DA HISTÓRIA NAS LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
- Roberta Guimarães Franco Faria de Assis (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG) - robertagf@uol.com.br
- Renata Flavia da Silva (Universidade Federal Fluminense - UFF) - renataflaviadasilva@gmail.com
- Daniel Marinho Laks (Universidade Federal de São Carlos - UFSCar) - daniellaks@yahoo.com
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Vozes e ritmos das margens: literatura, música, performance e natureza
- Roniere Silva Menezes (CEFET MG) - roniere.menezes@gmail.com
- Rafael Eisinger Guimarães (Universidade de Santa Cruz do Sul) - guimaraes@unisc.br
- Gérson Luís Werlang (Universidade Federal de Santa Maria) - gerwer@rocketmail.com
Conexões entre literatura e música, sob a ótica da intermidialidade
EIXO: TECENDO CONEXÕES INTERDISCIPLINARES
SIMPÓSIO: Conexões entre literatura e música, sob a ótica da intermidialidade
COORDENADORES:
- CECILIA NAZARE DE LIMA (Escola de Música da UFMG) cecilianl.ufmg.mus@gmail.com
- Luciana Monteiro de Castro (Escola de Música da UFMG) lumontecastro@hotmail.com
- Ana Luiza Ramazzina-Ghirardi (UNIFESP) ramazzina@unifesp.br
RESUMO: As relações entre literatura e música se estabelecem de muitas maneiras nas manifestações expressivas e comunicativas da humanidade, podem envolver outras mídias, ser abordadas por diversos pontos de vista e a partir de repertórios igualmente variados. O relacionamento mais conhecido e perceptível entre literatura e música se manifesta pela combinação ou fusão dos códigos específicos de cada uma dessas duas formas de expressão, ambas participando do que conhecemos como música vocal, como motetos, corais, a canção, “possivelmente um dos mais antigos e contínuos modos de expressão musical do ser humano” (DUTRA, 2009, p. 14) e a ópera. Nesses gêneros da música vocal, texto musical e texto poético estão presentes, se fundem, dialogam, influenciando mutuamente a forma de expressão individual de cada um deles. Entretanto, tanto no repertório musical quanto em textos literários encontramos produtos que com seus próprios códigos fazem referência à outra arte, ou seja, músicas instrumentais que evocam cenas e situações de textos literários ou, por outro lado, textos literários que tematizam, descrevem ou imitam sonoridades ou estruturas musicais. As reflexões sobre esse tema tão abrangente e dinâmico são a proposta deste simpósio. O foco, portanto, é o estudo das três formas de interdisciplinaridade dessas áreas dos conhecimentos, conforme delimitadas pelo educador Steven Paul Scher (1936–2004), a saber, 1. literatura E música, 2. literatura Na música, 3. música Na literatura. No primeiro caso, música e literatura combinam, fundem seus textos musicais e poéticos para criar o novo produto; no segundo, a mídia predominante é a música, que com seus códigos poderá sugerir, evocar, imitar, reproduzir características formais, estruturais, entre outras, da literatura; no terceiro caso, a literatura é a mídia dominante, que terá esta função de evocar, sugerir, reproduzir características da arte musical. Os estudos em intermidialidade nesta área têm sua origem a partir dos estudos desenvolvidos pela International Association for Word and Music Studies (WMA)14, com sede em Graz, na Áustria, e fundada em 1997, cujo objetivo era promover pesquisas acadêmicas interdisciplinares dedicadas às relações entre literatura/textos verbais e música com a oferta de conferências regulares e bienais e a publicação dos 16 volumes da série de livros Word and Music Studies (WMA). Citamos alguns autores fundamentais, em ordem cronológica de participação na associação, Calvin S. Brown, que escreveu Music and literature: A comparison of Arts, a primeira abrangente referência nesta ária interdisciplinar, Steven Paul Sher, Walter Bernhart e Werner Wolf, sendo o 5º volume da série Word and Music Studies (ver BERNHART; WOLF, 2004) dedicado à publicação dos mais importantes estudos sobre o tema realizados por Scher de 1967 a 2004. O prefácio desse volume inicia enfatizando a importância dos dois primeiros pesquisadores para o desenvolvimento dos estudos nessa área: “Dois estudiosos literários devem ser creditados por fundar e nutrir os estudos contemporâneos da Word and Music Studies: o falecido Calvin S. Brown e Steven Paul Sher”. Werner Wolf, membro da supracitada associação e professor de Literatura geral e Literatura inglesa na Universidade de Graz/Áustria, se apoia nos estudos de Brown e Sher, e avança em uma proposição metodológica voltada para os estudos da intermidialidade músico-literária, apresentando conceitos que se aproximam das subcategorias de processos intermidiáticos, principalmente, de Rajewsky (2012): combinação – transposição – referência. O processo da transposição é associado por Wolf (2015) ao que ele chama de intermidialidade extracomposicional, aquela que se refere a procedimentos estéticos, motivos ou narrativas que aparecem em diferentes mídias, tais como os fenômenos transmidiáticos de Rajewsky (2012, p. 18). Por outro lado, os processos de combinação e referência são nomeados por ele, respectivamente, como plurimidialidade e referência intermidiática, e pertencem ao que ele denomina intermidialidade intracomposicional, ou seja, aquela documentada em uma única obra. A metodologia de análise de Lars Ellestrom propõe a comparação entre mídias por meio do que ele chama de modalidades das mídias. Para o autor, todas as mídias possuem traços que lhes são inerentes e que podem ser analisadas e comparadas a partir de quatro modalidades: material, espaço temporal, sensorial e semiótica, e ele acrescenta: “as diferenças entre as mídias se dão em vista dos diferentes modos como elas midiam valores cognitivos em cada uma dessas modalidades” (ELLESTROM, 2021: 8-9). Portanto, nesta breve introdução da proposta interdisciplinar para este simpósio, pretendemos deixar espaço para discussões produtivas, abrangentes, diversas, que englobem outros autores que discutem o assunto, procurando explorá-lo a partir dos temas relevantes para o Congresso, tais como aqueles relacionados aos estudos culturais, sociais e de temáticas urgentes, como interseccionalidade, feminismos, gênero, literatura negra, etarismo, tabus, infância, mas não restritos a eles.
PALAVRAS-CHAVE: Intermidaialidade; Literatura e Música; Canção
Construindo pontes, atravessando mares, imaginando futuros: literaturas africanas e afrodiaspóricas em análise e cotejo
EIXO: TECENDO CONEXÕES INTERDISCIPLINARES
SIMPÓSIO: Construindo pontes, atravessando mares, imaginando futuros: literaturas africanas e afrodiaspóricas em análise e cotejo
COORDENADORES:
- Janice Inês Nodari (Universidade Federal do Paraná (UFPR)) nodari.janicei@gmail.com
- Eduardo Marks de Marques (Universidade Federal de Pelotas (UFPel)) eduardo.marks@ufpel.br
- Carlos Eduardo de Araujo Placido (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)) carlos.placido@ufms.br
RESUMO: Para compreender de que forma as produções de escritores africanos e afro-americanos antecipam debates, cotejos, conhecimentos e reconhecimentos únicos de suas vivências, cabe aos leitores e pesquisadores em potencial procurar, ler, analisar e compreender como essas produções, que invariavelmente não constam no cânone literário ocidental, tornam tudo isso possível. É um exercício, muitas vezes, de garimpo em que as trocas invariavelmente se dão pelo uso de línguas estrangeiras, legado do colonialismo europeu. Ainda, posto que a colonização falhou em colocar civilizações em contato para crescimento mútuo (Césaire, 2000) - uma vez que o legado do estado colonial, por exemplo, são democracias frágeis e contextos marcados pela exploração tornada possível pela tríade religião, comércio e educação - é preciso revisitar o cânone, ceder voz e lugar (cf. acepção do termo proposta por Tuan, 2012, que é distinto de espaço, pela perspectiva da experiência) aos artistas da palavra para que o contato aconteça, para que pontes surjam e o diálogo flua. Com isso em mente, este simpósio propõe discutir a diversidade cultural encontrada em produções literárias produzidas na África e na diáspora africana em suas multiplicidades e complexidades, cotejando-as entre si juntamente com suas respectivas traduções pós-coloniais (Bassnett; Trivedi, 1999), quando essas estão disponíveis. Sendo assim, espera-se problematizar, comparativamente, os diferentes modos textuais pelos quais as literaturas africanas e afrodiaspóricas se consubstanciam nas mais diversas crises - que podem ter requisitado o uso de máscaras por questões de sobrevivência (Fanon, 2008), sendo uma dessas máscaras a apropriação da língua do colonizador como meio para divulgação de conhecimento e produções artísticas e literárias - atravessando espaços e tempos, com as suas possíveis articulações estéticas, endógenas e exógenas, em um movimento de descolonização das mentes (Thiong’o, 1986). Para este Simpósio Temático, portanto, serão consideradas propostas de pesquisa com literaturas africanas e afrodiaspóricas que dialoguem, ainda que não se restrinjam a eles, com conceitos caros aos estudos pós-coloniais como, por exemplo, alteridade, exílio, feminismo negro, movimentos, sustentabilidade, oratura (Ashcroft; Griffiths e Tiffin, 2013), ecocrítica e imperialismo ecológico (Garrard, 2006), espaço e lugar (Tuan, 2012), interseccionalidades, entre outros, com claras manifestações interdisciplinares. Ainda que tais práticas literárias, no entanto, permitam que a memória coletiva e individual do passado colonial seja continuamente revisitada e atualizada (Candau, 2023), principalmente com manifestações artísticas que acomodam a autoficção e a autotradução, por exemplo, e exponham novas facetas e denunciem melindres, é preciso estar atento àquilo que o futuro já sinaliza na linha do horizonte - novos pensares são necessários para os novos tempos. Nesse sentido, este simpósio também acolherá propostas de comunicação que envolvam os conceitos de afrofuturismo (Dery, 1994; Nelson, 2002; Burocco, 2019) e de Africanfuturism (Okorafor, 2019), bem como as tensões existentes entre essas duas visões de futuros negros, que apresentam as possibilidades de vivências negras em realidades que não são marcados, muitas vezes, pelo racismo, funcionando como crítica à realidade opressora da branquitude ocidental. O conceito filosófico "afrofuturismo", por exemplo, se relaciona a um movimento heurístico muito mais amplo do que as narrativas contemporâneas podem abarcar em sua composição epistemológica. Como movimento, o afrofuturismo se refere a uma abordagem sócio-histórica e cultural divergente das mazelas limitantes e ligadas à afrodescendência tão divulgadas e, muitas vezes, impostas por perspectivas eurocêntricas sobre a africanidade. Por este viés, os pensadores afrofuturistas reimaginam a africanidade por meio de lentes bem mais criativas, expressivas e justas, ou seja, propõem uma subjetividade negra bem mais igualitária e livre (Dery, 1994). Dentre as suas principais características, o afrofuturismo apresenta-se com manifestações de alteridade, reclamação e revisionismo, isto é, mostra pontos de contato com os estudos pós-coloniais (Ashcroft; Griffiths e Tiffin, 2013) ao ampliá-los. Esses ecos e semelhanças fazem com que, como acadêmicos brasileiros, nos debrucemos sobre nosso objeto de estudo - as literaturas africanas e afrodiaspóricas - desafiados e dispostos a revigorar nossos pensamentos enquanto intelectuais, não objetivando meramente dar voz a essas produções, mas também para identificarmos as contribuições e implicações das nossas vozes na ampliação de diálogos, travessias e desafios para além da academia. Entendemos que é preciso repensar nossa existência neste planeta a partir dos pontos comuns, posto que enquanto estamos resgatando histórias e repensando nosso tempo e espaço, estamos também considerando um futuro viável, onde trocas são oxigênio (Césaire, 2000).
PALAVRAS-CHAVE: Literaturas africanas e afrodiaspóricas; conexões interdisciplinares; afrofuturismo.
Do colonialismo como nosso impensado: Eduardo Lourenço, leitor de Portugal, Brasil e África
EIXO: TECENDO CONEXÕES INTERDISCIPLINARES
SIMPÓSIO: Do colonialismo como nosso impensado: Eduardo Lourenço, leitor de Portugal, Brasil e África
COORDENADORES:
- SABRINA SEDLMAYER PINTO (UFMG) sabrina.sedlmayer@gmail.com
- Roberto Vecchi (Universita di Bologna) robbev@gmail.com
RESUMO: A experiência brasileira do filósofo português Eduardo Lourenço (1923-2020), durante seu ano de ensino na Bahia no final da década de 1950, é fundamental para a construção de uma interpretação aprofundada da relação colonial entre Portugal e a África. Neste triângulo crítico do Atlântico Sul, Lourenço identifica um aspecto profundo e invisível para a época: a arqueologia do colonialismo tardio de Portugal na África pode ser compreendida a partir da reconstrução da experiência histórica do trânsito colonial do Brasil. De um lado, o Nordeste brasileiro, com suas paisagens de ruínas imperiais, revela o lado irrealista e onírico da imaginação colonialista portuguesa. De outro lado, a sociabilidade desigual brasileira e sua idealização — inclusive crítica — da miscigenação (como, por exemplo, na teoria do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre) transposta para o plano de uma pseudo-integração tropical exemplifica o funcionamento do colonialismo português na África, em crise, à beira do abismo da guerra colonial. Essa passagem pelo Brasil, juntamente com o interesse contínuo que Lourenço manteve pelo país ao longo de sua carreira de ensaísta, permite-lhe compreender a Revolução dos Cravos e o momento das súbitas descolonizações africanas (há exatos 50 anos), com um vasto e original arsenal crítico. A desmontagem sistemática da experiência histórica do colonialismo português — primeiro no Brasil e depois na África — possibilitará a identificação do que Lourenço mais tarde chamará de "impensado" de Portugal. Desde os escritos elaborados durante e em consequência de sua estadia no Brasil (em parte publicados no jornal Portugal Democrático, editado em São Paulo pela oposição antissalazarista exilada), Lourenço percebe que uma imagem acrítica do "ser colonizador" está enraizada na natureza do que historicamente e ideologicamente se cristalizou como o "ser português". Como ele observa (ironicamente) num texto antecipador de 1960 «Brasil: caução do colonialismo português» "Sem dúvida há um ponto sobre o qual o mito do colonialismo é exacto: ele é realmente diferente dos outros. Quando existia, um outro se nos assemelhava, mas sem nos igualar: o castelhano. Ingleses, franceses, holandeses, belgas eram, foram ou são colonialistas que se aceitam como tais. Mas nós não sabemos o que isso é. Somos colonialistas como somos portugueses. É que durante séculos essa imagem, tanto quanto os costumes do tempo o autorizavam, se aproximou da verdade. Desta imagem que foi sobretudo a nossa no Brasil jamais nos pudemos desfazer. Em nome dela julgámo-nos com todos os direitos, como se de toda a eternidade nós, os primeiros brancos, já ali estivéssemos, subentendendo-se que civilização e branco eram sinónimos e o mundo começava com a civilização (...) E desde então a imagem não mudou. Nem ela nem a inocência de estado dos portugueses, a quem Deus confiou os «pretos» de toda a Eternidade para lhes mudar a alma já que a pele é impossível. E tudo serve ao colonialista português para se sentir «inocente», desde o amor (relativo) a essa pele até à palmatoada administrativa, maneira piedosa da nossa conhecida sensibilidade. Enfim, crianças..." (Do colonialismo... pp.46-47) O "impensado" cria uma imagem inocente e, tragicamente, desprovida de culpa da dominação colonialista, quando, na contramão histórica dominante, as descolonizações europeias do pós-guerra dos domínios coloniais modernos exigiam uma plena assunção de responsabilidade histórica por parte de Portugal, um país bloqueado pelo regime ditatorial. A força e a antevisão crítica de uma perspectiva que, ao analisar o colonialismo, interage com espaços geográficos e históricos diferenciados, mas também combináveis entre si, emerge com uma evidência surpreendente quando, em 2014, pela primeira vez, Eduardo Lourenço reúne os escritos dispersos ou inéditos sobre o impensado colonial de Portugal no volume Do colonialismo como nosso impensado (2ª edição em Portugal, 2024), agora finalmente publicado no Brasil, especialmente no XIX Encontro da Abralic. O livro funciona como um refinado e surpreendente dispositivo crítico, permitindo uma leitura à contrapelo do colonialismo português, ao revelar as suas engrenagens íntimas (e cordiais) e os legados fundacionais e constitutivos do processo de formação do Brasil. Lourenço deriva a ideia do "impensado" a partir de uma outra genealogia, a partir da análise de outro objeto histórico esfíngico de Portugal: a figura de Salazar, que conseguiu estabelecer uma prolongada dominação ditatorial por grande parte do século XX, justamente entendendo e explorando alguns "impensados" do "ser português". A presença deste mapeamento dos impensados de Portugal, agora publicado em livro no Brasil, pode possibilitar, à rebours, localizar e discutir também o "impensado" em outras nações falantes de língua portuguesa — certamente de matriz colonial, mas não exclusivamente. O convite deste simpósio é aproveitar esta ocasião especial de lançamento da obra como uma oportunidade para uma sondagem inovadora e crítica dos “impensados brasileiros”, dos “impensados africanos” e dos “impensados de Portugal”.
PALAVRAS-CHAVE: Impensados; Colonialismo português; Colonialidade; Atlântico Sul
Literatura e Avaliação Educacional em Larga Escala: Interdisciplinaridade, Diversidades Regionais e Tensões Contemporâneas
EIXO: TECENDO CONEXÕES INTERDISCIPLINARES
SIMPÓSIO: Literatura e Avaliação Educacional em Larga Escala: Interdisciplinaridade, Diversidades Regionais e Tensões Contemporâneas
COORDENADORES:
- HELCICLEVER BARROS DA SILVA SALES (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP) helciclever@gmail.com
- Sidelmar Alves da Silva Kunz (Universidade Estudual de Goías - UEG) sidel.gea@gmail.com
- Viviane Faria Lopes (Universidade Estadual de Goiás - UEG) viviane.lopes@ueg.br
RESUMO: O simpósio em apreço propõe uma reflexão interdisciplinar sobre os diálogos entre a literatura e os processos avaliativos em larga escala, com atenção especial às diversidades regionais e às tensões que emergem no cenário contemporâneo. A literatura, como expressão cultural e estética, dialoga constantemente com as dinâmicas sociais, educacionais e políticas que impactam suas práticas de ensino e avaliação. Este campo de interseção é rico em desafios e possibilidades, exigindo um debate aprofundado sobre como os textos literários são incluídos e avaliados em instrumentos de avaliação em larga escala, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e os exames internacionais como o PISA e o PIRLS. Um dos principais desafios enfrentados nesse contexto é a representação das diversidades culturais nos exames nacionais. O Brasil, como um país de dimensões continentais e marcada pluralidade cultural, demanda uma abordagem que contemple a riqueza de suas manifestações regionais e a variedade de experiências de seus leitores. Isso implica em selecionar textos literários que dialoguem com as diferentes realidades sociais e culturais do país, assegurando que as especificidades regionais não sejam invisibilizadas por uma abordagem homogênea ou centralizadora. Nesse sentido, o simpósio também propõe discutir as aproximações entre literatura e políticas públicas de educação. A literatura é uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento do pensamento crítico e para a formação cidadã, e sua inclusão em processos avaliativos pode influenciar diretamente as políticas educacionais do país. Por exemplo, os critérios utilizados para a seleção de textos literários em avaliações como o Enem podem atuar como um guia para o que é valorizado no ensino de literatura nas escolas brasileiras. A questão que se coloca é: até que ponto esses exames conseguem capturar a pluralidade de vozes da literatura brasileira e internacional, sem reduzir sua complexidade a abordagens puramente instrumentais? Outro ponto central de debate é o impacto das avaliações em larga escala na formação do leitor crítico. Ao incluírem questões relacionadas a textos literários, esses instrumentos podem promover ou, paradoxalmente, limitar o desenvolvimento de habilidades interpretativas e críticas nos estudantes. Avaliações padronizadas frequentemente exigem respostas objetivas, o que pode reduzir a literatura a um conjunto de informações que precisam ser memorizadas, em vez de um campo de experimentação e reflexão. Assim, é fundamental considerar como esses exames podem ser reformulados para estimular um engajamento mais profundo com os textos literários, incentivando a criatividade, a empatia e a compreensão crítica. A literatura, em suas especificidades, pluralidades estéticas e relevância social, ocupa um lugar singular no contexto do ensino brasileiro. O simpósio visa aprofundar a compreensão desse papel, abordando questões como a história da literatura no currículo escolar, sua relação com os objetivos educacionais contemporâneos e as possíveis tensões entre o ensino da literatura e as demandas de avaliação em larga escala. É também essencial considerar as dinâmicas internacionais, explorando abordagens comparatistas que analisem como diferentes países lidam com a avaliação dos saberes literários em contextos como o PISA, o PIRLS e o ERCE. Abordagens interdisciplinares serão privilegiadas, integrando perspectivas de áreas como estudos literários, educação, sociologia, ética, filosofia e políticas públicas. Essa articulação entre teoria e prática é essencial para um debate que não apenas analise os desafios e possibilidades da literatura nos processos avaliativos, mas também proponha soluções concretas e inovadoras. Por exemplo, a incorporação de metodologias de ensino que valorizem a leitura crítica e o debate interpretativo pode contribuir para a formação de leitores mais engajados e conscientes de seu papel como agentes culturais. Convidamos pesquisadores a discutir como a literatura pode atuar como eixo articulador entre inclusão, avaliação e pluralidade cultural. Isso inclui analisar o lugar do texto literário nos exames e avaliações nacionais e internacionais. É também uma oportunidade para explorar como diferentes sistemas educacionais abordam a literatura em seus currículos e avaliações, destacando boas práticas que possam ser adaptadas à realidade brasileira. Ao longo do simpósio, serão debatidas questões como a seleção de textos literários para avaliações, o impacto das escolhas curriculares nos resultados de aprendizagem e as relações entre leitura, interpretação e cidadania. A literatura tem o potencial de promover o respeito às diferenças, a valorização das culturas regionais e o fortalecimento de uma identidade nacional plural e inclusiva. Este simpósio, portanto, não se limita a discutir a literatura como conteúdo escolar, mas a posiciona como um elemento central na construção de uma educação mais justa, inclusiva. transformadora e humanizadora, nos termos pontificados por Antonio Candido.
PALAVRAS-CHAVE: Análise literária; Avaliação educacional em larga escala; Diversidade regional.
LITERATURA E EDUCAÇÃO: CONEXÕES INTERDISCIPLINARES NA AMAZÔNIA
EIXO: TECENDO CONEXÕES INTERDISCIPLINARES
SIMPÓSIO: LITERATURA E EDUCAÇÃO: CONEXÕES INTERDISCIPLINARES NA AMAZÔNIA
COORDENADORES:
- Maria de Fatima do Nascimento (Universidade Federal do Pará (UFPA)) mafana@ufpa.br
- Hugo Lenes Menezes (IFPI) hugomenezes@ifpi.edu.br
RESUMO: Nos Oitocentos, surgem as pesquisas comparatistas e, no atual milênio, em meio ao processo transnacional da globalização, os conteúdos devem ser integralmente ensinados e aprendidos. A visão mecanicista cartesiana já não basta para explicar a realidade. Para Capra (1996), “estamos diante de novos paradigmas de análise e interpretação”: o fim da crença nas verdades absolutas e a interdisciplinaridade, numa ordem mundial que não comporta o conhecimento fragmentado, desconexo. Com modelo comunicativo não positivista (de causa e efeito), mas sistêmico e orquestral, a interdisciplinaridade assume alta relevância a partir da unidade epistemológica, ao visar a articulação da complexidade do real e passar “entre”, “através” e “além” das disciplinas. A propósito, são exemplos os diálogos entre a literatura, as ciências humanas e a tecnologia. Vemos, pois, gerar-se a multiplicidade de suportes textuais, em particular, sob interfaces inclusivas dos estudos culturais, a absorverem a organicidade no comparatismo literário. O último, diz Carvalhal (1997), “colabora para a compreensão do outro”, enquanto elucidação dos diferentes aspectos do fenômeno estético-literário e em observância a seu contexto. Situam-se no mesmo âmbito as relações entre a arte verbal e a ciência da educação. Nesse sentido, especulações sobre a finalidade literária recuam também a Horácio e sua dialética do "dulce et utile" em "Arte poética" (~18 a. C), base de diversas e pertinentes concepções da Teoria Literária, sobretudo o ludismo, o evasionismo e o compromisso. Com apogeu na interpretação da Beleza (exatamente a pura) de Kant, em "Crítica da faculdade do juízo" (1790), e cultuado ao extremo pelos parnasianos, o ludismo voltado ao prazer estético desinteressado, por centrar-se no jogo vocabular, em caracteres intrínsecos, confere autonomia à arte da palavra, da qual o referido atributo constitui a função primeira: a obra por si só é justificada. No enfocado caso de julgamento da Beleza, não é identificada nenhuma teleologia. Dominante no período romântico, o evasionismo, antes uma catarse do emissor e do receptor das tragédias antigas, mantém-se hoje na condição de escapismo: a ficção verbal é fuga, refúgio e alívio de tensões. Professado por um Sartre em "Que é a literatura" (1947), o compromisso equivale ao engajamento na conjuntura política e educativo-cultural. Tais concepções são exclusivistas e incompletas. Não abrangem a heterogeneidade da literatura, cuja finalidade maior, segundo Aguiar e Silva (1983), é plural, o que ilustramos por um ideário antiparnasiano e modernista na entrada da Região Amazônica: o Estado do Pará. Falamos do "Manifesto da Beleza" (1923). Nele - uma publicação do amazonense Francisco Galvão pela revista "Belém Nova”, dirigida pelo paraense Bruno de Menezes - o autor norte-brasileiro, ciente da diversificada missão das letras e para além da doutrina estética kantiana, defende um ludismo/lirismo/libertação. Na esteira da poética de Manuel Bandeira (2001), semelhante proposta viabiliza, junto a uma ideia, a extrapolação dos limites da Forma, como a do soneto. Igualmente, Galvão ressalta, no cenário amazônico, a conquista em nossa nação da liberdade dos negros escravizados, bem assim a do governo democrático. Em simultaneidade, conclama seus irmãos de arte para a renovação modernista da Beleza. Historicamente, a partir de Mme. de Staël (2016) e A. Schlegel (2021), ministrante de conferências didáticas, torna-se explícita a defesa do esteta verbal (e não verbal) como núncio que educa no sentido humanístico. É de Schiller “A educação estética do homem” (1795). Reconhecem os citados teóricos e outros no devenir da humanidade que a arte é também social, axiológica e “paidêutica” ou formativa. Identificamos a afirmação, por exemplo, em dois educadores estético-literários da Amazônia brasileira, de repercussão nacional, ambos exercem, até “avant la lettre” no tocante ao primeiro, o reivindicado direito modernista à pesquisa estética. José Veríssimo (1892) e Benedito Nunes (2006) são os aludidos educadores. Paraenses, sofrem reclamações acadêmicas, supostamente por não contemplarem sua região. Essa, ora espaço maldito num “Inferno verde” (1908), de Alberto Rangel, ora espaço edênico em “Um paraíso perdido” (1909), de Euclides da Cunha, desde os primórdios de nossa literatura, desperta fascínio em verso e prosa (diários, impressões de viagem e narrativas afins). Veríssimo, mais crítico que historiador, também é autor de “A Amazônia” (1892). Benedito Nunes, crítico literário por excelência, aborda a questão amazônica não em volumes autônomos e, sim, em apresentações escritas (introduções e prefácios) da obra alheia (Dalcídio Jurandir, Haroldo Maranhão...) e em apresentações faladas (palestras e conferências) sobre distintas artes, com vistas a esclarecer o público. Concernentemente, nos idos de 1876, sem haver ainda a divisão territorial entre Norte e Nordeste, o cearense Franklin Távora, no prefácio a seu romance “O Cabeleira”, recrimina contemporâneos por entender que eles não representam a Região Norte, em especial a Amazônia. Porém, em 1872 seu coestaduano José de Alencar, no projeto de traçar um retrato do Brasil no tempo (romances históricos e indianistas) e na geografia (romances regionalistas e urbanos), situa “Ubirajara” (1874) naquelas terras setentrionais. Então, aqui objetivamos acolher variados trabalhos, consonantes à temática do presente simpósio.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura comparada; Amazônia brasileira; Educação artístico-literária; “Paidêutica”; Diálogos interdisciplinares.
LITERATURA E TESTEMUNHO: TEORIAS, LIMITES, EXEMPLOS
EIXO: TECENDO CONEXÕES INTERDISCIPLINARES
SIMPÓSIO: LITERATURA E TESTEMUNHO: TEORIAS, LIMITES, EXEMPLOS
COORDENADORES:
- Marcelo Ferraz de Paula (UFG/CNPq) marcelo2867@gmail.com
- Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq) mrclpvdsz@hotmail.com
- Wilberth Claython Ferreira Salgueiro (UFES/CNPq) wilberthcfs@gmail.com
RESUMO: Contemporaneamente, a noção de testemunho vincula-se à chamada “literatura do Holocausto”, como a narrativa de Primo Levi e a poesia de Paul Celan, por exemplo, mas também à literatura eslava – polonesa e russa, em especial – sobre o Gulag, como as obras de Gustaw Herling-Grudzinski e Varlam Chalámov, entre outros (cujo antecedente histórico mais próximo é constituído pelas obras literárias oitocentistas versando sobre as penas dos condenados à Sibéria). Na América Latina, destaca-se um amplo e variado conjunto de textos voltados à memória e à denúncia de fatos reveladores do viés autoritário, discriminatório e excludente de nossas sociedades, abrangendo desde Graciliano Ramos e Rigoberta Menchú a Ferréz, desde Miguel Barnet e Paulo Lins aos Racionais MC’s. A proposta do simpósio é estudar as relações entre literatura e testemunho, a partir de alguns traços e textos que caracterizam este “gênero”, como, por exemplo: registro em primeira pessoa; compromisso com a verdade e a lembrança; desejo de justiça; vontade de resistência; valor ético sobre o valor estético; representação de um evento coletivo; forte presença do trauma; vínculo estreito com a história; etc. A ideia é, portanto, “manter um conceito aberto da noção de testemunha: não só aquele que viveu um ‘martírio’ pode testemunhar” (Seligmann-Silva, 2003, p. 48), entendendo, assim, que “testemunha também seria aquele que não vai embora, que consegue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras levem adiante, como num revezamento, a história do outro” (Gagnebin, 2006, p. 57). Pensar o que há de testemunho na literatura significa, a um só tempo, pensar as intrincadíssimas teias entre verdade e ficção, entre ética e estética, entre história e forma. Percebe-se que a existência da “literatura de testemunho”, na sua salutar diversidade conceitual, promove um inevitável abalo na noção de cânone e de valor literário, além de alterar o quadro dos agentes ou produtores de literatura: textos e registros de presos, torturados, crianças de rua, favelados, empregados domésticos, prostitutas, sem-teto, povos tradicionais, enfim, todo um grupo “subalternizado” depõe e se expõe não só em nome próprio, mas também em nome de muitos. Nesse sentido, é preciso destacar que “o estudo do testemunho articula estética e ética como campos indissociáveis de pensamento. O problema do valor do texto, da relevância da escrita, não se insere em um campo de autonomia da arte, mas é lançado no âmbito abrangente da discussão de direitos civis, em que a escrita é vista como enunciação posicionada em um campo social marcado por conflitos, em que a imagem da alteridade pode ser constantemente colocada em questão” (Ginzburg, 2012, p. 52). O Simpósio pretende reunir, em suma, pesquisadores e pesquisadoras interessados na problemática do testemunho e suas relações com o literário, apresentando [a] estudos teóricos que discutam os limites e as confluências entre estes discursos (o literário, tradicionalmente ligado à estética; e o testemunho, produzido a partir de um propósito primordialmente ético) e mormente [b] estudos que analisem obras específicas que exemplifiquem ou provoquem tais relações – quer obras já consagradas nesta perspectiva do testemunho, quer obras menos conhecidas ou mesmo não analisadas à luz do paradigma testemunhal. No XII Congresso Internacional da Abralic, ocorrido em 2011, em Curitiba, este Simpósio teve a sua primeira edição. Desde então mantém sua regularidade nos congressos da Abralic: teve a sua segunda edição em 2013, em Campina Grande; a terceira em 2015, em Belém; a quarta em 2017, no Rio de Janeiro; a quinta em Uberlândia, em 2018; a sexta em Brasília, em 2019; e, em formato remoto, nos congressos de 2020, 2021 e 2022. Nestes encontros, além de questões eminentemente teóricas, o debate envolveu nomes como Alan Pauls, Aleksander Henryk Laks & Tova Sender, Alex Polari, Ana Maria Gonçalves, Art Spiegelman, Ayaan Hirsi Ali, Bernardo Élis, Bernardo Kucinski, Boris Schnaiderman, Cacaso, Caio Fernando Abreu, Carlo Levi, Carlos Drummond de Andrade, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Charlotte Delbo, Chico Buarque, Czeslaw Milosz, Davi Kopenawa & Bruce Albert, Eduardo Galeano, Ferréz, Eliane Potiguara, Elie Wiesel, Elisa Lucinda, Ferréz, Franz Kafka, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, João Antônio, Kaka Werá Jecupé, Lara de Lemos, Lídia Tchukóvskaia, Lima Barreto, Luis Fernando Verissimo, Luiz Alberto Mendes, Manuel Alegre, Mario Benedetti, Miron Bia?oszewski, Noemi Jaffe, Paulo Ferraz, Paulo Leminski, Paulo Lins, Pedro Tierra, Pierre Seel, Primo Levi, Racionais MC’s, Reinaldo Arenas, Renato Tapajós, Ricardo Aleixo, Ricardo Piglia, Roberto Bolaño, Ruth Klüger, Sérgio Sampaio, Sérgio Vaz, Stefan Otwinowski, Svetlana Aleksiévitch, Tadeus Ró?ewicz, Tereza Albues, Ungulani Ba Ka, W?adys?aw Szlengel e W. G. Sebald. A ideia é estender o debate, seja em relação a estes nomes, como, naturalmente, incorporar outros artistas e textos em que o problema da literatura e do testemunho se deixe perquirir.
PALAVRAS-CHAVE: Testemunho; Literatura; Ética; Memória.
USOS POLÍTICOS DA MEMÓRIA E DA HISTÓRIA NAS LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
EIXO: TECENDO CONEXÕES INTERDISCIPLINARES
SIMPÓSIO: USOS POLÍTICOS DA MEMÓRIA E DA HISTÓRIA NAS LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
COORDENADORES:
- Roberta Guimarães Franco Faria de Assis (Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG) robertagf@uol.com.br
- Renata Flavia da Silva (Universidade Federal Fluminense - UFF) renataflaviadasilva@gmail.com
- Daniel Marinho Laks (Universidade Federal de São Carlos - UFSCar) daniellaks@yahoo.com
RESUMO: As relações entre memória, história e literatura sempre foram objeto de análise e de debate acerca das especificidades de cada campo e das possibilidades de diálogos interdisciplinares, especialmente dentro do campo conflituoso da Literatura Comparada. Obras literárias que dialogam de forma próxima com a história, seja pelo gênero literário, pelo tema e/ou personagens escolhidos, ou que apresentam um caráter (auto)biográfico, podem funcionar como base para a organização de arquivos públicos ou particulares, monumentos e museus, os quais têm como objetivo mediar o estabelecimento de uma memória coletiva sobre acontecimentos transcorridos. A possibilidade de curadoria dos episódios que devem ser rememorados ou comemorados sob uma perspectiva nacional está intimamente ligada à afirmação dos interesses de grupos que estabeleceram sua hegemonia e, nesse sentido, o processo de produção de uma memória coletiva pretende funcionar como ferramenta política de legitimação de estruturas específicas de poder. Debate também presente na formação dos cânones literários, questionados por correntes críticas mais contemporâneas pelo seu caráter fragmentário e centralizador, que atenderia a perspectivas e interesses específicos. Nesse sentido, a memória vem, cada vez mais, se configurando como um elemento essencial na construção de sentidos entre o texto literário e o discurso histórico. Ao longo do tempo, a análise literária foi ganhando contornos que incluem, desde a possibilidade de pensar a obra em múltiplos contextos e temporalidades de acordo com o leitor, advinda através da Estética da Recepção, até os mais recentes Estudos Culturais e Pós-coloniais, possibilitando novas formas de olhar eventos históricos consagrados ou trazendo à luz questões que a dita história oficial silenciou. As transformações evidenciadas no devir historiográfico ao longo do século XX, ampliando a perspectiva transdisciplinar, também impactaram os estudos literários. A memória, por sua vez, seja pensada como componente intratextual, atuando diretamente na estrutura narrativa, aliada à ideia de tempo, seja constituindo o espaço entre a obra literária e o seu contexto de produção, ou ainda estabelecendo fronteiras entre as perspectivas individuais e coletivas, se configurou como instância que permite pensar a literatura tanto na sua esfera subjetiva quanto social. No contexto das literaturas de língua portuguesa, pode-se evidenciar formas variadas de diálogo entre memória, história e literatura. No Brasil, tais diálogos podem apontar desde a necessidade de criação de uma identidade nacional, até a urgência em propor limites e questionamentos a este conceito – basta lembrar das ideias de Silviano Santiago em Uma literatura nos trópicos (1978) –, chegando a manifestações mais recentes, ou a recuperação de obras/escritores apagados/silenciados, que trazem novos olhares sobre acontecimentos, personagens e espaços. No caso da Literatura Portuguesa, por exemplo, a história desempenhou um importante diálogo por meio de diferentes temas, mas também como próprio elemento ficcional. Basta pensar a maneira pela qual os mitos identitários foram construídos pela história da literatura portuguesa ao longo dos séculos. Além da transformação da memória nacional como um dos grandes temas da literatura, um outro aspecto relevante é o reverso dessa temática, como afirma Eduardo Lourenço (2014), ao apontar a dificuldade de assumir uma memória nacional não mais baseada nos grandes mitos, mas na decadência da colonização. Grande parte da literatura portuguesa do século XX, sobretudo após a Revolução dos Cravos, tem se ocupado da revisitação de fatos históricos ou da escrita ou reescrita de momentos relevantes para o país no que diz respeito à colonização. Já para as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa – ainda lutando por uma nomenclatura que as particularize na academia – a relação entre literatura e história parece ainda mais evidente, pelos recentes processos históricos que trazem um caráter testemunhal, muitas vezes autobiográfico, para essas literaturas, problematizando os silenciamentos em torno da colonização, das guerras pelas independências, da descolonização e das guerras civis. E também, dialogando com um passado mais distante, pela necessidade de reformular a história produzida pelo olhar exógeno, reconstruindo mitos, recuperando personagens, reconfigurando espaços agora nacionais. Portanto, as literaturas de língua portuguesa formam um extenso objeto de análise, comparadas entre si ou dentro de um único espaço, para o antigo e ainda necessário debate entre Literatura, História e Memória. Este simpósio, continuidade da proposta apresentada em edições anteriores da ABRALIC, pretende, assim, acolher trabalhos que discutam as relações entre memória, história e literatura. Para isso, sugerimos, entre outros possíveis, alguns eixos de articulação: a literatura como arquivo; representação do trauma na narrativa e na poesia; vertentes políticas das escritas de si; memória coletiva e espaços públicos; relações entre os espaços de língua portuguesa.
PALAVRAS-CHAVE: Literaturas de língua portuguesa; História; Memória; Política; Arquivo.
Vozes e ritmos das margens: literatura, música, performance e natureza
EIXO: TECENDO CONEXÕES INTERDISCIPLINARES
SIMPÓSIO: Vozes e ritmos das margens: literatura, música, performance e natureza
COORDENADORES:
- Roniere Silva Menezes (CEFET MG) roniere.menezes@gmail.com
- Rafael Eisinger Guimarães (Universidade de Santa Cruz do Sul) guimaraes@unisc.br
- Gérson Luís Werlang (Universidade Federal de Santa Maria) gerwer@rocketmail.com
RESUMO: A Literatura Comparada, em uma de suas vertentes, permite-nos avaliar a saída do espaço da escritura para a conversa com outros campos da arte e do pensamento. Nesse sentido, são possibilitadas múltiplas relações entre a obra literária e outros meios de expressão. Pensando na noção de transdisciplinaridade, por meio de fronteiras porosas, busca-se a abertura para ser olhado pela lente do outro e ao mesmo tempo possibilitar a esse outro ver-se de outras maneiras, podendo inclusive ser proposta a criação de novos objetos artísticos e conceitos. A noção de literatura em campo expandido ajuda-nos nesse processo, pois a noção de literário termina por fluir por diversos ambientes, alargando suas potencialidades e mesmo a percepção do que seja a literatura. Essa expansão dos horizontes investigativos demanda o aumento de competências analíticas. Estas podem se dar por meio do estudo por mais de uma área feito por um mesmo pesquisador, por mais de um ou por intermédio de redes colaborativas. Em continuidade aos debates realizados no XVII Congresso Internacional da ABRALIC, sediado em Porto Alegre no ano de 2020 e no XVIII Congresso Internacional da ABRALIC sediado em Salvador, no ano de 2023, o Simpósio Temático “Vozes e ritmos das margens: literatura, música, performance e natureza” almeja aprofundar investigações relativas aos diálogos transdisciplinares oferecidos pelo contato entre o literário, o musical, o cancional, tendo como sugestão a interseção com a pauta ambiental. Foca-se, nesta proposta de seminário, em procedimentos que intentam interrogar o texto literário não como sistema fechado, mas em sua conjugação com a linguagem musical, incluindo nesse diálogo discursos dramatúrgicos e cinematográficos. Permeando esses aspectos, pretendemos ressaltar a temática da natureza amazônica, da fauna, da flora, das águas, dos indígenas, das populações ribeirinhas, dos seringueiros, quilombolas, habitantes urbanos e mesmo a política ambiental. Desse modo, almejamos homenagear escritores, poetas e músicos amazonenses ou que cantaram a Amazônia, escreveram sobre ela, fizeram viagens reais ou fictícias à região. Podemos nos lembrar de Thiago de Mello, Márcio Souza, Milton Hatoum, Davi Kopenawa, Waldemar Henrique, Cláudio Santoro, Sebastião Tapajós, Dona Onete, Fafá de Belém, Gaby Amarantos, Vinícus Cantuária, Sérgio Souto, Nilson Chaves, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Raul Bopp, Vinicius de Moraes, Mário Palmério, Antonio Callado, Darcy Ribeiro, Ailton Krenak, Bernardo Carvalho, Veronica Stigger, Villa-Lobos, Milton Nascimento, sem nos esquecermos do Festival de Parintins, famoso pela competição existente entre as agremiações folclóricas Boi Caprichoso e Boi Garantido, entre tantos outros poetas, escritores, artistas, grupos, lembrando-nos, inclusive, da literatura oral, dos cantos indígenas. Em relação a referências teórico-conceituais, iremos nos basear em proposições de Adriana Cavarero (2011), Ana Kiffer e Florencia Garramuño (2014), Ana Pizarro (2012), Eliane Brum (2021), Enzo Minarelli (2010), José Miguel Wisnik (2004, 2017), Leonardo Davino (2023), Luiz Tatit (2002), Murray Schaffer (2011), Paul Zumthor (1993, 2010), Ruth Finnegan (2008) e Walter Mignolo (2017), entre outros nomes. Segundo José Miguel Wisnik, “o fato de que o pensamento mais ‘elaborado’, com seu lastro literário, possa ganhar vida nas mais elementares formas musicais e poéticas, e que essas, por sua vez, não sejam mais pobres por serem “elementares”, tornou-se a matéria de uma experiência de profundas consequências na vida cultural brasileira das últimas décadas (WISNIK, 2004, p. 218). Para Ana Pizarro, “a Amazônia experimenta hoje, em seu dia a dia, um grande debate sobre o meio ambiente em nível internacional: será o homem o centro do universo, o que faz pensar que as respostas aos problemas do meio ambiente deveriam tê-lo como único referente? Ou será a biosfera, ou seja, a natureza, também chamada de ecosfera, a matriz da preocupação que deve orientar as respostas urgentes à crise ambiental atual? Em outras palavras, somos mais importantes que os demais seres vivos – animais ou plantas – ou se trata de buscar o equilíbrio que permite a existência e a vida, entendendo que somos apenas uma espécie a mais e devemos nos comportar como tal?” (PIZARRO, 2012, p. 256). No Simpósio Temático “Vozes e ritmos das margens: literatura, música, performance e natureza”, acolheremos trabalhos que revelem diálogos lítero-musicais existentes no romance, no conto, na poesia, na música erudita e em diversos gêneros da canção. Serão bem vindas propostas que abordem relações entre a escrita, a sonoridade, os ritmos, os cantos, as performances, especialmente textos que tragam a temática ambiental em seus múltiplos aspectos, que abordem a questão decolonial, que tratem de relações entre centro e periferia e de discursos de minorias.
PALAVRAS-CHAVE: literatura; música; canção; relações interartes; natureza
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Análise literária da obra dramática: gêneros, estilos e temas
- Dennys Silva-Reis (Universidade Federal do Acre) - reisdennys@gmail.com
- Stéphanie Soares Girão (Universidade Federal do Amazonas) - stephaniegirao@ufam.edu.br
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Comparatismo Sul - Sul : problemas e perspectivas
- José Luís Jobim de Salles Fonseca (Universidade Federal Fluminense) - jjobim@id.uff.br
- Wail Sediq Hassan (University of Illinois at Urbana-Champaign) - whassan@illinois.edu
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ESCREVER A HISTÓRIA DA CRÍTICA HOJE?
- Nabil Araújo de Souza (Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)) - nabil.araujo@gmail.com
- Ana Karla Carvalho Canarinos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) - anakarla.canarinos@gmail.com
- Rafael Guimarães Tavares da Silva (Universidade Estadual do Ceará) - gts.rafa@hotmail.com
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Forms of Academic Work
- FABIO AKCELRUD DURÃO (Unicamp) - fadurao@yahoo.com
- Tim Lanzendörfer (Goethe Universität) - tlanzend@em.uni-frankfurt.de
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LITERATURAS, AFRICANIDADES E DESCOLONIZAÇÃO: TEORIAS (D)E PÁGINAS EM PRETO
- Felipe Fanuel Xavier Rodrigues (Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)) - ffanuel@gmail.com
- Luiz Henrique Silva de Oliveira (CEFET MG) - henriqueletras@yahoo.com.br
- Paulo Dutra (UNM) - pdutra@unm.edu
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Teorias e modos de ler no pós-ditaduras
- Rita Lenira de Freitas Bittencourt (UFRGS) - rita.lenira@ufrgs.br
- Débora Cota (Universidade Federal da Integração Latino-americana) - deboracota.lit@gmail.com
- Nilcéia Valdati (Universidade Estadual do Centro-Oeste) - valdati@gmail.com
Análise literária da obra dramática: gêneros, estilos e temas
EIXO: DESVENDANDO TEORIAS E MÉTODOS
SIMPÓSIO: Análise literária da obra dramática: gêneros, estilos e temas
COORDENADORES:
- Dennys Silva-Reis (Universidade Federal do Acre) reisdennys@gmail.com
- Stéphanie Soares Girão (Universidade Federal do Amazonas) stephaniegirao@ufam.edu.br
RESUMO: O texto teatral é um dos elementos importantes do teatro. Ele é a parte abstrata da cena teatral, bem como parte do caminho para sua culminância: a representação - que coloca em jogo forças outras para além do texto (Pruner, 2009). Todavia, há de se pensar que o texto teatral é uma espécie de partitura das problemáticas e das belezas da representação teatral. Entende-se, assim, que toda representação é uma interpretação do texto teatral, uma das possibilidades de encenação do texto. Logo, toda encenação é uma leitura, uma escolha, uma orientação, uma inflexão da obra dramática. Daí a importância da leitura, da análise, do conhecimento literário do texto teatral. As leituras da obra dramática fecundam o teatro: constituem gêneros, correntes estéticas, evoluções históricas, temáticas, tipos de personagens, maneiras de escrever diálogos e didascálias. Compreender as dinâmicas do texto teatral e suas especificidades literárias é observar seus elementos dentro da economia no que lhe é próprio, totalmente orientado à representação e ao que se pode nomear como teatralidade (Ubersfeld, 2013). Saber as estruturas do texto teatral, suas recorrências e suas codificações contribuem para analisar a contestação de normas teatrais, compreender as estéticas em suas devidas épocas e abordar a recepção dos textos (leitura e representação) em liberdade ou direcionados a um certo público. Interessa-nos saber qual uso específico o texto teatral faz da língua - o que nos direciona a questão primordial da enunciação - ou mais ainda, quais usos o teatro permite fazer dos escritos dramáticos. Neste viés, percebe-se, na contemporaneidade, um conjunto bastante diverso e complexo de obras dramáticas dos mais dispares seguimentos artísticos e mídias: peça de teatro, libreto de ópera, roteiro de cinema, roteiro de televisão, roteiro de rádio, roteiro de musical, comédia stand-up, dentre outros. São tipos de textos dramáticos maleáveis para os mais diferentes públicos e suportes midiáticos ainda pouco estudados, ou, até mesmo, considerados menos literários. Tendo isso como ponto de partida, este simpósio busca (1) estudar os diferentes componentes do texto teatral (diálogo, didascália, fábula, tempo, espaço, composição, personagem, gêneros, códigos); (2) mapear o estado de noções importantes ou em voga do texto dramático (conhecimentos, hipóteses, teorias, elementos diacrônicos e sincrônicos); e (3) evidenciar autores e obras das mais diversas línguas ou geografias (modelos estéticos, estilos autorais, normais particulares, temáticas recorrentes, registros de linguagem) (Faria, 2012, 2013). Cabe lembrar que o leitor da obra dramática é ele mesmo um leitor híbrido (um leitor-espectador). À leitura do texto, ele acrescenta não somente o metatexto e o paratexto que acompanha a obra dramática, mas também as memórias ou lembranças de representações que ele assistiu (ou não assistiu) a fim de analisar o texto teatral (Duchâtel, 1998). Dessa forma, percebe-se o texto dramático como um texto lacunar, um texto que precisa da leitura para ter sentido e vida. E uma dessas leituras é a do analista literário. O investigador do texto teatral pode adicionar valores à obra dramática; reativá-la no sistema literário e cênico; indicar caminhos da escrita teatral; circuncidar estilos, autores e gêneros ainda desconhecidos ou marginalizados; contribuir para a manutenção do patrimônio teatral das obras dramáticas e fincar o texto teatral como literatura nos Estudos Literários. Somado a isso, interessa igualmente a este simpósio o que pode o texto teatral fazer pelo ensino de Literatura (Matsunaga, Ielpo, Pascolati, 2022). Percebe-se que, com o passar dos anos, há uma diminuição do lugar do texto teatral nos currículos aniversários de Letras (Faria, 2016) e mais ainda no Ensino Fundamental e Médio – especialmente, nos livros didáticos (Grazioli, 2019, 2020). Tal fato é acrescido com o número baixo de obras publicadas e disponíveis para leitura, bem como com a diminuta de roteiros didáticos e formação de leitores de texto teatral. Portanto, este simpósio também agrega pesquisas que envolvam o ensino do texto teatral e suas potencialidades para a formação de leitores e cidadãos críticos. Em suma, a análise e a leitura da obra dramática têm muitos itinerários teóricos, práticos, culturais e artísticos, pertencentes as mais diversas autorias e línguas. Espera-se que este simpósio seja uma ocasião de partilha de saberes e práxis da obra dramática; e também um elo para reunir pesquisadores interessados nos estudos do texto teatral e nas descobertas de outros modos de pensar, compreender, avaliar, valorizar, operacionalizar, validar e interpretar a literatura dramática. Que este simpósio impulsione mais investigações da literatura dramática nos âmbitos dos Estudos Literários.
PALAVRAS-CHAVE: Texto teatral; Obra dramática; Literatura dramática; Leitura literária; Análise literária.
Comparatismo Sul - Sul : problemas e perspectivas
EIXO: DESVENDANDO TEORIAS E MÉTODOS
SIMPÓSIO: Comparatismo Sul - Sul : problemas e perspectivas
COORDENADORES:
- José Luís Jobim de Salles Fonseca (Universidade Federal Fluminense) jjobim@id.uff.br
- Wail Sediq Hassan (University of Illinois at Urbana-Champaign) whassan@illinois.edu
RESUMO: Entre as críticas feitas à Literatura Comparada nos seus primórdios, podemos destacar as seguintes: a) concentrou-se em autores e obras europeus; b) mesmo dentro da Europa, deu preferência a autores e obras da França, Inglaterra e Alemanha, seguidas de Itália e Espanha, ignorando o resto da Europa e do mundo; c) utilizou valores e parâmetros de comparação que eram derivados das mesmas preferências, mas eram apresentados como tendo uma validade universal, embora fossem fundamentalmente europeus, quando não simplesmente nacionais; d) valorizou ou desvalorizou, implícita ou explicitamente, determinadas línguas em relação a outras, operando uma política linguística que nem sempre se reconhecia como tal; e) baseava-se numa lógica “nacional” aplicada ao “inter-nacional”, com todos os seus defeitos e qualidades - limitada por um duplo constrangimento: por um lado, alegava produzir uma reação contra o nacionalismo estreito do Oitocentos; por outro lado, ao propor a comparação de autores e obras de diferentes países, mantinha como pressuposto a legitimação destes autores e obras por critérios nacionais. Se a Europa do século XIX foi um lugar de produção de representações sobre outro(s) lugar(es) (Brasil/Américas/África/Ásia), ela também foi fonte de “prescrições” e “descrições”, muitas vezes baseadas na produção/recepção de sentidos sobre a cor local, e marcadas pelos interesses colonialistas. No caso do Brasil e das Américas, “Natureza” foi uma das palavras-chave da prescrição de cor local, para caracterizar o espaço brasileiro e das Américas como uma extensão geográfica em que os temas literários se localizam e se constituem como objetos da consciência autoral que foi, todavia, condicionada por eles. Essa exterioridade “natural” do Brasil e das Américas foi apresentada como objeto transcendental à subjetividade dos escritores, objeto do qual eles deveriam se apropriar, para fazer sua literatura, e a recusa desse projeto de apropriação foi frequentemente apresentada como falha ou falta (ou seja: faltava aos autores brasileiros e de outros países das Américas falar da “natureza”, para se legitimarem como nacionais pelo uso da cor local), mas mesmo falar sobre ela implicava em sempre presumir a necessidade de falar mais, já que nunca se alcançaria a totalidade. Como sempre existiram políticas de representação, especialmente em ambientes coloniais, neocoloniais e pós-coloniais, de fato não existiu a “natureza” como uma exterioridade pura ou um referente absoluto, mas representações configuradas verbalmente, que não podiam ser separadas daquilo que, em determinado espaço e tempo, se qualificava como “natureza”. De fato, a representação está sempre onde ela se inscreve, ou seja, não tem existência anterior ou exterior à sua inscrição. Assim, na prescrição europeia sobre a representação da “natureza” pelos literatos brasileiros, esta “natureza” não estava “fora” dos sentidos constituídos pela cor local (em outras palavras: esta “natureza” não era um referente separado dos sentidos que lhe eram atribuídos, em uma inscrição historicamente geolocalizada). Ao longo do século XX, muitos dos pressupostos do comparatismo oitocentista foram sendo abandonados, embora outros tenham permanecido, muitas vezes alterando os sentidos que tinham no XIX. Em vez de incluir apenas autores de um número limitado de países da Europa Ocidental, a expansão da disciplina desde a década de 1980 operou um esforço para incluir literaturas da América Latina, África, Oriente Médio e Sul e Leste Asiático, para não mencionar as tradições europeias e norte-americanas anteriormente marginalizadas, desafiando a centralidade do cânon europeu anterior. No entanto, mesmo algumas versões dos estudos pós-coloniais foram acusadas de contribuir para a consolidação de práticas literárias e críticas de valorização/desvalorização, inclusão/exclusão, que preservaram a Europa como ponto de referência e principal interlocutor das literaturas do que antes era conhecido como Terceiro Mundo, e hoje como o Sul Global. Este seminário centra-se no paradigma emergente da comparação Sul-Sul, que não se limita ao ponto de referência eurocêntrico. Convidamos submissões que abordem as seguintes questões: Que concepções de comparação podem ser elaboradas se conectarmos literaturas do Sul Global? Como pode a comparação Sul-Sul contribuir para repensar o âmbito e os limites da pós-colonialidade? Que tipo(s) de semelhança ou interconexão podem ser interpretados como base para comparação entre as literaturas do Sul Global? Que tipos de hegemonia e resistência se tornam visíveis quando se considera o Sul Global como uma categoria de Literatura Comparada? Qual é o papel da diáspora e das minorias na constituição de ou no desafio a concepções de nações e nacionalidades no Sul Global? Como estas diásporas são apagadas e/ou lembradas para definir o que constitui as identidades nacionais? O que está em jogo na interpretação das diferentes tradições literárias e culturais dentro do amplo quadro de referência do Sul Global? Em que pontos um comparatismo Sul-Sul pode ir além do Norte-Sul? O que está em jogo, quando se fala de comparatismo Sul-Sul?
PALAVRAS-CHAVE: Comparatismo Sul-Sul
ESCREVER A HISTÓRIA DA CRÍTICA HOJE?
EIXO: DESVENDANDO TEORIAS E MÉTODOS
SIMPÓSIO: ESCREVER A HISTÓRIA DA CRÍTICA HOJE?
COORDENADORES:
- Nabil Araújo de Souza (Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)) nabil.araujo@gmail.com
- Ana Karla Carvalho Canarinos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) anakarla.canarinos@gmail.com
- Rafael Guimarães Tavares da Silva (Universidade Estadual do Ceará) gts.rafa@hotmail.com
RESUMO: Há quarenta anos, em History and Criticism [História e crítica] (1985), Dominick LaCapra enunciava a questão: “Writing the History of Criticism now?” [Escrever a História da Crítica agora?]. No texto em que buscava, então, respondê-la, LaCapra (1985, p. 95) começa por explorar a ambiguidade deliberada do título-pergunta, que pode ser lido como referindo-se a “escrever, no tempo atual [at the present time], a história da crítica”, ou a “escrever a história da condição ou estado atual [of the present condition or state] da crítica”. Essa ambiguidade não é contingente mas necessária, enfatizava LaCapra, posto que “as duas iniciativas estão intimamente unidas uma à outra” (Ibid., p. 5); seria inconcebível, assim, escrever, hoje, uma história da crítica, sem levar em conta o estado da crítica hoje. Mas é justamente o estado atual da crítica que pareceria se impor antes como impedimento do que como possibilidade de uma historiografia da crítica, já que, segundo o autor (Ibid., p. 5), ele “pode tornar radicalmente problemático o esforço para escrever alguma coisa que se pareça uma história convencional de eventos ou desenvolvimentos levando até ele”. A fim de dar visibilidade a essa condição presente da crítica “que resiste ser tratada como um telos em direção ao qual eventos anteriores se desenrolam” (Ibid., p. 5), LaCapra cita o parágrafo de abertura do hoje clássico On deconstruction [Sobre a desconstrução] (1982), no qual Jonathan Culler (1982, p. 17) descreve a cena crítica daquele momento como um campo “contenciosamente constituído por atividades aparentemente incompatíveis”, de modo que “mesmo tentar uma lista – estruturalismo, ‘reader-response criticism’, desconstrução, crítica marxista, pluralismo, crítica feminista, semiótica, crítica psicanalítica, hermenêutica, crítica antitética, Rezeptionsästhetik... – é flertar com um vislumbre transtornador do infinito que Kant chama o ‘sublime matemático’”. LaCapra (1985, p. 96) observará que a elipse na passagem citada dá a entender que “a lista de Culler das tendências correntes pode ser estendida talvez não ao infinito mas ao menos longe o bastante para engendrar uma frustrada ou impactada sensação de estranheza”. Essa proliferação de correntes teóricas e métodos de leitura diversos implicando, muitas vezes, concepções diversas e mutuamente excludentes de seu objeto, escopo e procedimentos acaba por gerar a impressão de que, contemporaneamente, crítica literária “parece pouco mais do que a designação para a arena onde o ‘ágon’ ou disputa entre várias práticas discursivas tem sido particularmente intenso no passado recente” (Ibid., p. 97). Para complicar ainda mais a situação, essas diversas “práticas discursivas” em competição não se apresentam internamente puras ou homogêneas, não caracterizando nada como “comunidades interpretativas isoladas”, revelando, antes, “um alto nível de alteridade e dialogização internas” (Ibid., p. 98) – por exemplo: um crítico marxista hegeliano pode sentir-se mais hostil em relação a um marxista estruturalista ou desconstrutivista, apesar de supostamente pertencerem à mesma “comunidade marxista”, do que em relação a um crítico neo-aristotélico ou a um “reader-response critic”, pertencentes, de direito, a comunidades rivais à “marxista” (Ibid., p. 98). Daí, segundo LaCapra, o grande problema para o historiador da crítica: “como alguém escreve uma história de um ‘objeto’ radicalmente heterogêneo e internamente dialogizado?” (Ibid., p. 99). Duas décadas mais tarde, ao tratar dos “problemas e paradoxos na História da Crítica” na introdução a um volume coletivo dedicado ao assunto, Critical Pasts [Passados críticos] (2004), o professor e pesquisador britânico Philip Smallwood (2004, p. 2) constatará, com espanto, que “o comentário teórico sobre a História da Crítica tem sido surpreendentemente comedido, esparso e raro”, e que “[m]uitos grandes teóricos literários e críticos gerais têm sido relativamente silenciosos ou oblíquos sobre os peculiares e complicados problemas de forma levantados pela História da Crítica”. Ora, são exatamente esses “problemas de forma” da historiografia da crítica que nos mobilizam aqui. Ao longo dos quarenta anos que se passaram desde a indagação de LaCapra, sobretudo com a ascensão dos Estudos Pós-Coloniais, Étnico-Raciais e de Gênero, e com as “guerras culturais” em torno dos mesmos, o campo da crítica se complexificou ainda mais (cf. FASSIN; HARCOURT, 2019; D’ALLONNES, 2022), reforçando-se, com isso, a necessidade de formulação de respostas a como e a por que escrever histórias da crítica hoje. Os organizadores deste simpósio, que se dedicam a essa tarefa em sua atividade de pesquisa e de docência universitárias, tendo publicado nos últimos anos livros que dela se ocupam mais ou menos diretamente (ARAÚJO, 2019, 2020, 2022, 2025; CANARINOS, 2024; SILVA, 2022, 2025), convidam para a interlocução e o debate pesquisadores que queiram compartilhar suas reflexões, conclusões, indagações sobre a História da Crítica e seus “problemas de forma”, seja num viés propriamente teórico-metodológico, seja através de estudos de caso referentes aos mais diversos recortes temporais – crítica clássica, moderna, contemporânea, etc. – ou espaciais – crítica francesa, alemã, norte-americana, brasileira, hispano ou latino-americana, etc. –, com ênfase em aspectos também diversos do funcionamento do campo da crítica – epistemológicos, ético-políticos, institucionais, etc.
PALAVRAS-CHAVE: História da Crítica; historiografia; campo da crítica; metacrítica
Forms of Academic Work
EIXO: DESVENDANDO TEORIAS E MÉTODOS
SIMPÓSIO: Forms of Academic Work
COORDENADORES:
- FABIO AKCELRUD DURÃO (Unicamp) fadurao@yahoo.com
- Tim Lanzendörfer (Goethe Universität) tlanzend@em.uni-frankfurt.de
RESUMO: In recent years, humanities scholarship has turned intensively to considerations of its own various practices and infrastructures, the things the humanities do and the system in which they do them. One aspect that has received comparatively little attention is what this symposium will call the question of the “forms” of academic work. Most recently, “form” has been proposed as an overarching concept capable of finding homologies between disparate sets of things, both textual and practical. “Forms”, as the proposed symposium will understand it, designates the discrete things, objects, shapes, and configurations that emerge from and in interaction with academic practices and systems, from monograph books and journal articles to syllabi and keynote addresses to breakroom chats and email exchanges. It also takes the guise of “minor” forms, such as footnotes, epigrams, letters of recommendation, lightning talks, office hours, and so on. The reach of forms, their historical and contemporary valences and the ways in which new medial opportunities and systemic infrastructural changes shape and reshape them is what the symposium will take as its object of discussion and exploration. Academic work practices emerge to a great extent in particular forms, and the particular forms in which we work in turn shape humanities practices and humanities infrastructures, from our efforts to produce a certain size monograph to the need to write the prose of a funding application. But despite the fundamentality of these forms to our practices and professions writ large, the question of the relationship between form and academic work has been addressed only haphazardly, usually in individual examinations of specific forms and their work. The proposed symposium seeks to make amends in this situation by a discussion about the work of academic forms, understanding this symposium as both an initial critical inventory-making and as agenda-setting. Fundamentally, the persistence of such by-now almost transhistorical forms as the monograph, the journal article, the essay, the review, the grant application, the CV, and other more-or-less self-evidentially academic forms poses questions about how practices and forms interact with one another, how disciplines are shaped by historically persistent but by no means readily understood forms. At the same time, these transhistorical forms have been reshaped and revalued, resituated and sometimes fundamentally changed, by developments that also impact the larger infrastructures of academic work. Forms are, but have been taken to be, central to how we think and rethink our practices and the systems in which we labor, if often invisibly. Forms of qualification writing, for instance, are becoming awkward in a market interested in shorter monograph forms. Accustomed forms, such as the 7000 word essay, may come to appear less relevant against the backdrop of online publication of unlimited length. Digital teaching has created the need for new forms and revisions of the old; indeed, the affordances of the digital including the challenges of generative “AI” have barely been addressed in what they mean for academic work; and whether or not a lunch-break chat with a colleague is work or not is not clear. Indeed, not everything we do is readily perceivable as work, even though it generally takes recognizable form. Whether we are literary scholars reading Dickens, musicologists listening to Brahms, or sociologists going to football matches, often, the forms of our work are untransparently work, sometimes untransparently form. And that does not even address the fact that concrete forms which are the result of what is clearly work may be troubling in the larger system in which the humanities operate. Concrete forms of academic work meaningfully correlate with the perceived struggle against expressions of the academic humanities’ irrelevance: who but other humanities scholars read academic monographs, for instance? The insistence on greater public impact is often framed as concern over the forms of community engagement and outreach, including the role of social media and other forms of public presentation. The question of how forms are concretely distributed, often by international for-profit conglomerates, is ultimately about inclusivity, global barriers of access, and the appropriation of public value for private gain, a practice in turn afforded by the structure of academic work itself as understood largely for the production of objects in need of distribution. To understand these and other issues as problems of forms—bound up in the shapes and guises of our work—is a crucial step in rethinking what is possible in the humanities in the 21st century. The major intervention of this symposium is that a fundamental (re-)consideration of the concrete forms of academic work is absolutely necessary to progress in thinking perspectives for the humanities’ future. Our aim is to think about how to most productively utilize existing forms and how to prospectively reshape and repurpose them, even as it imagines the work of future forms.
PALAVRAS-CHAVE: Formas Acadêmicas; Universidade; Literatura
LITERATURAS, AFRICANIDADES E DESCOLONIZAÇÃO: TEORIAS (D)E PÁGINAS EM PRETO
EIXO: DESVENDANDO TEORIAS E MÉTODOS
SIMPÓSIO: LITERATURAS, AFRICANIDADES E DESCOLONIZAÇÃO: TEORIAS (D)E PÁGINAS EM PRETO
COORDENADORES:
- Felipe Fanuel Xavier Rodrigues (Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)) ffanuel@gmail.com
- Luiz Henrique Silva de Oliveira (CEFET MG) henriqueletras@yahoo.com.br
- Paulo Dutra (UNM) pdutra@unm.edu
RESUMO: Esta proposta dá seguimento a versões do simpósio que organizamos na ABRALIC entre os anos 2017 e 2022, as quais resultaram na publicação da obra bilíngue Literaturas, Africanidades & Descolonização/Literatures, African Heritage & Decolonization (LED/CEFET-MG, 2024). Com a contribuição de pesquisadores que participaram do simpósio, o livro apontou a necessidade de se aprofundar as reflexões críticas acerca da vida, obra e pensamento de autores e autoras de ascendência africana. Enfocando a imaginação literária que provém de vivências da afrodescendência em localidades formalmente descolonizadas — contextos em que a africanidade constitui um leitmotif de literaturas que se situam dialeticamente dentro e fora de sistemas literários hegemônicos —, apresentamos esta nova edição do simpósio, com realce nas teorias dessas literaturas e na sua relevância para as investigações em perspectiva comparatista. Nosso objetivo é explorar os contornos críticos e teóricos das produções literárias engendradas a partir das histórias, culturas e instituições de pessoas de ascendência africana, bem como o impacto dessas literaturas em situações de desigualdades e demandas sociais, reconhecendo o clamor de Gayatri Spivak por uma nova literatura comparada, que “de forma persistente e repetida, deva minar e desfazer a tendência definitiva do dominante de se apropriar do emergente” (SPIVAK, 2003, p. 100). Acolhemos comunicações dedicadas ao estudo dos “diferentes modos de teoria” (SODRÉ, 2017, p. 27) motivados por um pensar afroidentificado, cujas manifestações são plurívocas tanto em suas reescrituras criativas das tradições africanas quanto em suas novas interações com outras culturas. As textualidades derivadas da África, quer escritas, quer orais, se fundamentam em uma concepção de tempo espiralar, “um tempo que não elide a cronologia, mas que a subverte. Um tempo curvo, reversível, transverso, longevo e simultaneamente inaugural, uma sophya e uma cronosofia em espirais” (MARTINS, 2021, p. 42). Assim, as teorias de pele negra se configuram como “uma declaração de identidade”, nas palavras de Achille Mbembe, que acrescenta: “o Negro diz de si mesmo que é aquilo que não foi apreendido; aquele que não está onde se diz estar, e muito menos onde o procuramos, mas antes no lugar onde não é pensado” (MBEMBE, 2017, p. 59). A afirmação desse espaço epistêmico da teoria da literatura que (re)pensa as subjetividades negras implica “metodologias enegrecidas de prática intelectual” (NATÁLIA, 2020, p. 223), pois os (con)textos literários centralizam as idiossincrasias de vidas que (re)imaginam e transformam realidades. Em torno de “uma encruzilhada discursiva”, essa metodologia indica um fazer crítico e comparatista regido por Exu (não Hermes), o “trickster do discurso” (GATES, 1989, p. 65), cujos nós são desatados nos estudos de textos literários negros. Propomos, portanto, cartografias epistemológicas de processos de descolonização, entendidos como movimentos históricos em que sujeitos legatários do mal-estar colonial recriam a si mesmos como seres humanos, rompendo, portanto, com a conformidade à lógica de um mundo em que a discriminação racial perdura. Ao priorizar trabalhos que convoquem teorias desenvolvidas por autores e autoras da África e da Diáspora Africana e/ou com elas dialoguem, focalizaremos princípios e conceitos teóricos nos quais se fundamenta o trabalho da crítica literária do corpus negro. Em sua prática teórica, esses/as pensadores/as têm desafiado sistematicamente noções pré-estabelecidas de literatura com novos conceitos de escrita, leitura e interpretação que imbricam as contingências da verossimilhança e das sociedades nas quais os sujeitos teóricos operam. Ao vigor de concepções inovadoras para perscrutar a fenomenologia da obra literária e à ascensão de paradigmas alternativos de produção criativa e crítica junta-se o emprego de teorias transdisciplinares nos estudos da literatura per se. Por conseguinte, o escopo das teorias dedicadas ao “devir-negro do mundo” (MBEMBE, 2017, p. 18) permeia as mais diversas áreas do conhecimento, intersectando a existência das pessoas negras com preocupações que vão desde o fenômeno literário à complexidade das questões de raça, gênero e classe social. Nos estudos das teorias negras, reafirmamos, assim, a potencialidade das afrosubjetividades para a articulação de modos de pensamento cujos impactos são sentidos na literatura, como exemplifica a declaração “Eu sou o meu próprio fundamento”, de Frantz Fanon (2020, p. 241). A essa inscrição ontológica correspondem gestos de autorrepresentação e autodeterminação verificados nos discursos literários que, na perspectiva fanoniana, falam para “assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização” (FANON, 2020, p. 31). Ao convidar propostas de pesquisas em diferentes línguas da África e suas diásporas, ressaltamos a liberdade comparatista de “cruzar fronteiras nacionais e disciplinares”, bem como reforçamos “o grande interesse em uma perspectiva global emergente sobre os estudos literários” (DAMROSCH; MELAS; BUTHELEZI, 2009, p. ix).
PALAVRAS-CHAVE: Literaturas Afrodescendentes; Teoria da Literatura; Crítica Literária.
Teorias e modos de ler no pós-ditaduras
EIXO: DESVENDANDO TEORIAS E MÉTODOS
SIMPÓSIO: Teorias e modos de ler no pós-ditaduras
COORDENADORES:
- Rita Lenira de Freitas Bittencourt (UFRGS) rita.lenira@ufrgs.br
- Débora Cota (Universidade Federal da Integração Latino-americana) deboracota.lit@gmail.com
- Nilcéia Valdati (Universidade Estadual do Centro-Oeste) valdati@gmail.com
RESUMO: Em 2025, completa-se 40 anos do que oficialmente se considera o fim da ditadura militar brasileira. Aliás, os países do Cone Sul oficializam marcas de fim de suas ditaduras por estes anos: Paraguai em 1989, Argentina em 1983, Chile em 1990 e Uruguai também em 1985. No entanto, a teórica argentina Analia Gerbaudo (2016, p.104-105) comenta: “[…] uso el término «posdictadura» para dar cuenta del espesor de un tiempo transido por huellas de otros (la última dictadura pero también el onganiato), que, en Argentina, llega hasta los primeros años del siglo XXI”. Para a pesquisadora, trata-se de um termo que chama atenção para as microfísicas do poder que não são desarticuladas com a simples troca de regime governamental. Ou seja, assim como para o pós-colonialismo, a pós-ditadura, aqui, estaria indicando, de acordo com Gerbaudo, continuidades e não posteridade ou superação. Também Antonio Candido (1989, p.146), na década de 1980, revê sua hipótese de leitura do processo de formação da literatura brasileira como “consciência amena do atraso”, ao constatar que a aliança entre elites e progresso não resultou em outra situação que não fosse a da continuidade do processo autoritário e segregador da modernização com bases na inserção do país na lógica das metrópoles, não mais coloniais, porém, todavia, financeiras. Assim, a integração da literatura brasileira ao Ocidente moderno passa a ser vista pelo teórico como resultado de uma ambivalência: é ao mesmo tempo instrumento de inserção e de dominação, o que o faz concluir: “somos um continente sob intervenção” (Candido, 1989, p.146). Em torno dos nós teóricos resultantes desta condição, surgem algumas ponderações e perguntas, que mantêm vivas essas inquietações: De que forma a teoria e a crítica literária têm acompanhado as mudanças neste contexto, em busca de uma redemocratização, um retorno do livre pensamento, apontando metas futuras de reparações e inclusões? Qual o papel da teoria e como esta disciplina se encontra configurada e institucionalizada na América Latina, e quais seriam as retomadas e reformulações em relação aos modos de ler? No campo cultural, retomam-se categorias como “crítica democrática” (Said, 2007, Antelo, 2015), “ativismo cultural” (Ludmer, 2020), “intervenção” (Gerbaudo, 2016), “pedagogias da leitura” (Ximenes, 2024), “estar entre” e “reparação” (Vidal, 2019; 2015), ou ainda ganha destaque a noção de “pós-memória” (Figueiredo, 2022; Heineberg, 2020), a partir de um olhar “de fora”, distanciado espacial e temporalmente, sobre o contexto latino-americano, no pós-ditaduras, levando em conta, especialmente, uma crítica da “sobrevivência” (Vecchi, 2021). Simultaneamente, se observa o vínculo cada vez maior e indissociável da epistemologia crítica com as instituições de ensino superior e de suas práticas/atividades, o que também leva a indagações como: De que modo a prática crítica é compreendida no interior dos estudos literários? Quais categorias teórico-críticas têm interferido e direcionado os modos de ler neste período, que tem recebido a denominação de pós-ditadura? De que modos, por fim, neste contexto, o Brasil tem lido a América Latina, e vice-versa? Portanto, considerando tais pressupostos, sobretudo as questões levantadas acima, este simpósio intitulado “Teorias e modos de ler no pós-ditadura” acolhe propostas de trabalho que devem estar inseridas em discussões que partam da análise de arquivos e textos isolados referentes à institucionalização da disciplina de Teoria Literária/Literatura Comparada; dos modos de ler a literatura latino-americana em contexto pós-ditatorial, ou seja, da década de 1980 do século XX até seus efeitos, que perduram na cena contemporânea; da possibilidade da crítica literária tocar em pontos que outras disciplinas não conseguem, para dar conta de um passado e um presente em torno dos efeitos das ditaduras, no âmbito crítico e cultural; do acompanhamento histórico-crítico dos trânsitos, revisões e retornos epistemológicos; da literatura como leitura crítica ou dos modos e abordagens da ficção-crítico-teórica; do ensino universitário como crítica ou das relações entre a crítica e o ensino universitário, ou “pedagogias de leitura”, elaborados em resposta, considerando as possibilidades atuais de retomada dos regimes democráticos; da crítica em periódicos e em textualidades alternativas (revistas, blogs, clubes de leitura, espetáculos performáticos, etc.) como legitimação e difusão das teorias e seus modos de ler no espaço transmidiático e em outros espaços culturais, para além das instituições acadêmicas e de ensino. Esta proposta articula-se aos debates do grupo de pesquisa “Estudos de Poéticas do Presente: Literatura Comparada na América Latina”, vinculado ao CNPQ.
PALAVRAS-CHAVE: pós-ditaduras; literatura latino-americana; teoria literária; literatura comparada; modos de ler
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Entre a representação e a fabulação de outros mundos: maternidades na literatura contemporânea
- Jocelaine Oliveira dos Santos (IFS) - jocelaine.santos@ifs.edu.br
- Lúcia Osana Zolin (Universidade Estadual de Maringá) - luciazolin@yahoo.com.br
- Vania Maria Ferreira Vasconcelos (Universidade Estadual do Ceará) - vania.vasconcelos@uece.br
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ESCRITAS E VIDAS CONTEMPORÂNEAS: INCURSÕES, AVALIAÇÕES E DESAFIOS AO COMPARATIVISMO
- Adeítalo Manoel Pinho (Universidade Estadual de Feira de Santana) - adeitalopinho@gmail.com
- MARIA DE FÁTIMA GONÇALVES LIMA (PUC-Goiás) - fatimma@terra.com.br
- Denise Dias (IF Goiano/Amazonas) - denise.dias@ifgoiano.edu.br
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Figurações dos fins: fronteiras, cruzamentos e rupturas na América Latina
- André Cabral de Almeida Cardoso (Universidade Federal Fluminense) - andrecac@id.uff.br
- Marina Pereira Penteado (Universidade Federal do Rio Grande) - mahhhp@gmail.com
- Natalia López Rico (Universidad Diego Portales) - nlopezrico@gmail.com
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Haicai brasileiro: da tradição à reinvenção nos séculos XX e XXI
- Cacio José Ferreira (Universidade Federal do Amazonas) - caciosan@ufam.edu.br
- Norival Bottos Júnior (Universidade Federal do Amazonas) - norivalbottos@ufam.edu.br
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Limiares, traduções e transgressões nas artes e nas literaturas contemporâneas
- KARINA LIMA SALES (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB) - ksales@uneb.br
- GABRIELA FERNANDES DE CARVALHO (Universidade do Estado do Amazonas) - fcarvalho.gabriela@gmail.com
- LILIAN LIMA GONÇALVES DOS PRAZERES (Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB) - lilian.lima@ufsb.edu.br
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Literatura e crise ambiental: ecocrítica para histórias de ontem, hoje e amanhã
- Cristine Fickelscherer de Mattos (Universidade Presbiteriana Mackenzie) - cristinemattos@gmail.com
- MARIA CRISTINA CARDOSO RIBAS (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) - marycrisribas@gmail.com
Entre a representação e a fabulação de outros mundos: maternidades na literatura contemporânea
EIXO: ENFRENTANDO DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
SIMPÓSIO: Entre a representação e a fabulação de outros mundos: maternidades na literatura contemporânea
COORDENADORES:
- Jocelaine Oliveira dos Santos (IFS) jocelaine.santos@ifs.edu.br
- Lúcia Osana Zolin (Universidade Estadual de Maringá) luciazolin@yahoo.com.br
- Vania Maria Ferreira Vasconcelos (Universidade Estadual do Ceará) vania.vasconcelos@uece.br
RESUMO: Se a literatura ficciona para dizer alguma verdade, ao representar e problematizar o contexto em que emerge, o que autoras, sobretudo as contemporâneas, têm a dizer sobre corpos que maternam? Partindo dessa pergunta ampla e central, e considerando a enorme extensão de sua reposta, este simpósio temático pretende articular inquietações, debates e análises em torno da literatura e da escritura de outras maternidades, principalmente as que questionam e ironizam a representação das imagens e relações maternas edificadas sobre as bases do patriarcado. Interessa-nos pensar como a representação do corpo que gesta ou da pessoa que executa a função materna, marcada por uma sociedade misógina e insistente sobre os papéis de gênero, pode insurgir frente a um sistema de códigos, regras e scripts historicamente sedimentados no imaginário social. Enquanto tecnologia de gênero e de opressão das experiências de mulheres (Lauretis, 1994), sabemos que o discurso maternalista (Iaconelli, 2023) se espraia pelos objetos culturais, pelas práticas de vida e pelas formas de experienciar o mundo. O discurso sobre ser ou não mãe, sobre o que é uma mãe, ou sobre como deveria ser uma mãe, é uma experiência para todas as pessoas com útero, queiram ou não queiram, apontando para uma pedagogia dos afetos que nos coloniza pela eficácia dos seus dispositivos, sendo a maternidade, ao lado do casamento, do trabalho doméstico e do cuidado compulsórios, instrumentos por excelência rumo a essa empreitada (Zanello, 2018). Por isso, seguimos convivendo com a idealização da figura materna e seu mito do amor incondicional, intrinsecamente ligado a interesses sociais, econômicos e religiosos. Ao mesmo tempo, vemos despontar ou vir à tona uma literatura, sobretudo a produzida por mulheres, que enseja fabular outros mundos a partir do questionamento e da complexificação destes lugares. Se considerarmos desde os processos de representação da mãe Jocasta e seu filho Édipo, mitos fundadores explicativos de arranjos sociais e processos de subjetivação, por exemplo, e que servem como esteios fundamentais para pensarmos as literaturas ocidentais, veremos toda uma miríade de mães e filhos escritos ao longo dos séculos. Hoje, porém, inúmeras dessas representações no campo literário suspendem ideais hegemônicos-patriarcais de maternidade circulantes, sobretudo pela insistente tomada da voz e da escrita por mulheres na contemporaneidade que escrevem, sempre escreveram, mas que ainda seguem encontrando obstáculos para terem seus textos circulando e publicados na sociedade. Como a literatura é também um campo de produção cultural de sentidos que transcende o estético, se imiscuindo, anunciando e alargando as possibilidades de mundo enquanto processo de interpelação discursiva, é interessante pensar como os papeis sociais atribuídos às mulheres nas relações mães/filhos/as apontam hoje para maternidades polifônicas e que rompem com a histórica dicotomia “natural-biológico”, indo para além dos modelos socialmente hegemônicos da "boa-mãe", oposta à “mãe desnaturada”, ou seja a que vai de encontro a sua natureza. Esta temática nos motiva a pensar: pode a Literatura, sobretudo a Contemporânea, questionar o lugar social de "boa mãe" (Badinter, 2021) e tensionar o discurso maternalista para assim operar a possibilidade de outros gestos de interpretação sobre o tema? Por meio de investigações plurais, interessa-nos, assim, dialogar a partir dos inúmeros avanços dos feminismos e dos estudos literários, e debater o tema das maternidades num movimento triplamente estruturado de resgate, reinterpretação e revalorização das diferenças que apontem a uma necessária revisão crítica do patriarcado e suas distorções face ao tema das maternidades. Como é na instrumentalização do útero pela via da maternidade e pela sedimentação de regimes de desejo que se operam a manutenção do poder e a montagem de um dos mais fortes mecanismos de subjetivação feminina, com úteros transformados em territórios políticos, sendo a procriação colocada diretamente a serviço da acumulação capitalista (Federici, 2017), acreditamos que literatura pode fraturar imaginários e apontar para outros mundos. Se a queda do “anjo do lar”, descrito por Virgínia Woolf (2014) em "Um teto todo seu" e sua imputação da maternidade enquanto destino é uma realidade no tecido social para muitas, mesmo que seja preciso observar seus funcionamentos pela vida da interseccionalidade e da diferença, acreditamos que a literatura pode fazer circular o discurso de múltiplas maternidades e funcionar como transgressora à norma estabelecida, inclusive pelas rupturas narrativas, outras escrituras, a partir de representações que complexifiquem e instaurem a possibilidade de fabulações contra-hegemônicas.
PALAVRAS-CHAVE: maternidades; representação; literatura.
ESCRITAS E VIDAS CONTEMPORÂNEAS: INCURSÕES, AVALIAÇÕES E DESAFIOS AO COMPARATIVISMO
EIXO: ENFRENTANDO DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
SIMPÓSIO: ESCRITAS E VIDAS CONTEMPORÂNEAS: INCURSÕES, AVALIAÇÕES E DESAFIOS AO COMPARATIVISMO
COORDENADORES:
- Adeítalo Manoel Pinho (Universidade Estadual de Feira de Santana) adeitalopinho@gmail.com
- MARIA DE FÁTIMA GONÇALVES LIMA (PUC-Goiás) fatimma@terra.com.br
- Denise Dias (IF Goiano/Amazonas) denise.dias@ifgoiano.edu.br
RESUMO: Esta proposta é a continuação de simpósio realizado nos Congressos Abralic de 2015, Belém- PA, a 2024, em Manaus. Dado o êxito das apresentações e discussões naquelas oportunidades e por ser do âmbito do Projeto Procad/Capes PUC-Rio/UNEB/Salvador/UEFS-Bahia/PUC-Goiás, consideramos a continuação da proposta e realização do simpósio a consolidação de um grupo de trabalho multi-institucional e em instância nacional. Para delinear os desafios presentes no título deste Simpósio, e aqui propostos para seguir como um convite instigador a pesquisadores interessados na atualidade das práticas culturais, artísticas, ecocríticas e teórico-críticas, elegemos, no pequeno e exitoso ensaio de Giorgio Agamben, uma das postulações a O que é o contemporâneo: "Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro." A imagem potente de um "escuro" do tempo delineia metaforicamente a problemática a ser compartilhada pelos pesquisadores, em vertentes ou perspectivas compatíveis com seus objetos de investigação. Tal imagem se impõe quando se constata que, nas últimas décadas, na área dos estudos literários como nas ciências humanas, ocorreram alterações que reconfiguraram os pilares do território disciplinar, abalando o domínio de objetos previstos, o elenco de instrumentos, métodos e o corpo das proposições aceitas como horizonte teórico dos estudos de literatura, outras artes e da cultura. E em vista das últimas decisões sanitárias, políticas, ideológicas e tecnológicas, em escala mundial, tudo pode estar prestes a mudar novamente. Tais alterações repercutiram predominantemente na diluição de fronteiras entre as disciplinas, na multiplicação inovadora das questões e temas de investigação plausíveis para cada uma delas e na ampliação dos instrumentos conceituais e técnicas que as singularizam. Em paralelo às alterações no plano epistemológico, são expressivas também, nas últimas décadas, as alterações que ocorrem no âmbito da cultura e no campo artístico, especialmente no domínio do literário. No primeiro caso, a noção de "cultura" alargou-se, extrapolando a legitimidade que lhe atribuíram – igualmente, mas em circunstâncias diversas – o empreendimento civilizacional iluminista, o Estado nacional moderno e as elites cultas na alta modernidade estética, tornando a cultura e, principalmente, o valor cultural focos de instabilidade, conflito e disputa, por forças que saíram dos bastidores e passaram a disputar a significação cultural. Os dois eixos da significação e valor que atravessaram a área de Letras, afetando o âmbito dos estudos comparados: por um lado, problematiza-se a ligação mutuamente legitimadora entre literatura e nacionalidade, parte do processo de constituição dos estados modernos e matriz de toda a historiografia que por um século pautou os estudos da literatura; por outro, dá-se a contestação ao confinamento do valor cultural à esfera erudita, às artes canônicas e, consequentemente, à separação entre arte, cultura e o que pensadores como Edward Said e Stuart Hall designaram como a "mundanidade". Em grande parte, emanam deste cenário de mudanças epistemológicas e culturais o "escuro do tempo" ou os desafios do contemporâneo, que constituem o campo temático do debate aqui proposto, que deverá confrontar-se com o caráter intempestivo, insurgente da contemporaneidade, sistematizando e provendo instrumental teórico e crítico para lidar com as suas diversas dimensões ou concreções. O deslocamento ou a recusa de hierarquias instituídas tanto na dimensão epistemológica quanto na dimensão artístico criativa geram a oportunidade para que estejam sob o foco deste Simpósio – como desafios que emergem das zonas de sombras do contemporâneo – as formas, expressões e domínios de experiência resistentes, tais como: (a) o corpo, em sua materialidade e enquanto superfície de inscrição e energia ético-estética; (b) os afetos, enquanto força disruptora a dar ensejo a outras formas de representação das vivências; (c) o comum e o cotidiano enquanto categorias transversais da cultura, a mobilizar uma rede de significados que remetem a espaços periféricos, tanto no cenário político e sociocultural quanto nos cenários textuais e artísticos; (d) a violência, a exclusão e a cidade como figurações do presente que convulsionam os limites da representação ao instaurarem, em diversas linguagens artísticas; (e) a lógica do testemunho, do biográfico e do documental, em flagrante desafio à compreensão estabilizada do que seria próprio do domínio ficcional. Ao acolher as perspectivas dos estudos de literatura e de outras linguagens artísticas, bem como dos estudos de produções, práticas e políticas da cultura, incorporando as dimensões de materialidade, de performatividade e de insurgência, próprias das estratégias criativas da atualidade, este Simpósio ambiciona empreender não apenas uma discussão estética e política que possibilite a acolhida analítica das forças e das formas artísticas e culturais do presente, mas – e principalmente – acentuar uma potência inovadora e transformadora que possa afetar práticas investigativas, formativas e educacionais na sociedade brasileira contemporânea, que tanto carece combater as forças de desinformação e políticas de ódio.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Contemporaneidade. História. Identidade. Memória. Multidisciplinaridade.
Figurações dos fins: fronteiras, cruzamentos e rupturas na América Latina
EIXO: ENFRENTANDO DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
SIMPÓSIO: Figurações dos fins: fronteiras, cruzamentos e rupturas na América Latina
COORDENADORES:
- André Cabral de Almeida Cardoso (Universidade Federal Fluminense) andrecac@id.uff.br
- Marina Pereira Penteado (Universidade Federal do Rio Grande) mahhhp@gmail.com
- Natalia López Rico (Universidad Diego Portales) nlopezrico@gmail.com
RESUMO: A ideia de fim tem sido um motivo recorrente na história e na cultura da América Latina, com seu passado colonial compartilhado e vivências históricas muito semelhantes, caracterizadas pela exploração intensa dos recursos naturais, o extermínio de povos originários, a violência institucional e uma brutal desigualdade social, situações que evocam tanto encerramentos definitivos quanto aberturas para novos horizontes de possibilidade e de luto. Para além da história compartilhada, esse território também é considerado uma das áreas do planeta mais sujeitas a catástrofes naturais, incluindo terremotos, chuvas intensas e longos períodos de seca (CHEVRAND, 2015), para citar alguns desses fenômenos extremos. Sua geografia compartilhada – com a Amazônia ao norte, ligando as paisagens andinas e o imaginário coletivo da região, e ao sul com o Pampa, consolidando a identidade e a economia local – se liga a uma epistemologia particular, com paradigmas próprios e entrecruzada por diversos discursos e maneiras de entender o mundo que, com frequência, se voltam para as representações dos fins. Com a intensificação dos fenômenos climáticos extremos no Antropoceno, a crise atual tem sugerido uma nova experiência compartilhada latino-americana, rompendo as fronteiras dos diferentes territórios nacionais. Ao mesmo tempo, tem indicado que a ideia de fim não é singular e unidimensional, mas envolve múltiplas escalas e desafia a linearidade temporal e a concepção de uma história progressista (DANOWSKI, VIVEIROS DE CASTRO, 2017). Este simpósio propõe explorar as figurações dos fins na América Latina, integrando perspectivas literárias, artísticas e outros meios (cinema, quadrinhos etc.), abordando temas como os confins territoriais, as experiências de extermínio e sobrevivência de povos indígenas, as paisagens e os monstros do Antropoceno e o modo como a memória coletiva lida com esses processos. Através de uma abordagem transdisciplinar, examinaremos como as ideias de fim, sejam elas singulares ou compartilhadas, adquirem formas específicas nas narrativas, nos imaginários e nas estéticas que emergem desde e sobre a América Latina. São quatro as principais linhas que este simpósio projeta: primeiro, pensar a América Latina como um território dos confins. Tanto as regiões amazônicas, como os Andes, as zonas desérticas ou o extremo sul austral, são concebidos como espaços figurados dos limites da civilização e da alteridade radical, mas também como cenários de resistência e regeneração, onde as comunidades indígenas têm desenvolvido estratégias de sobrevivência frente à ameaça do extermínio. A literatura, a arte e o cinema permitem refletir sobre esses confins não apenas como horizontes extremos, mas como espaços liminares ou terceiros espaços (SOJA, 2010), onde temporalidades se entrelaçam e as narrativas lineares de progresso e fim são questionadas. Em segundo lugar, interessa-nos aprofundar a forma como o processo de colonização e os genocídios contemporâneos deixaram um rastro de “espaços e ideias de fim” marcados pelo extermínio. Nesse sentido, busca-se examinar como os relatos literários e as produções artísticas confrontam e transformam esses lugares em cenários de memória ativa. É o caso da recente obra de Bernardo Carvalho, Os Substitutos, ou das instalações da artista colombiana Doris Salcedo, onde os vestígios da violência não se apresentam como conclusões definitivas, mas como marcas abertas à reinterpretação e à ação. Em terceiro lugar, pretende-se analisar como a emergência do Antropoceno trouxe consigo um repertório de paisagens e monstros (e também paisagens monstruosas) (TSING et al., 2017), que encarnam os excessos e as consequências da atividade humana no planeta. Na América Latina, o Antropoceno assume formas particulares ao se entrelaçar com histórias de extrativismo, deslocamento e colonialismo. Nesse contexto, será relevante abordar como as artes visuais e a literatura representam essas paisagens e monstros como símbolos de uma crise que é ao mesmo tempo ecológica, social, política e cultural. Por fim, será fundamental refletir sobre como a memória se torna um espaço onde os finais são reescritos e ressignificados. Na região, a memória opera como uma força polifônica que confronta as narrativas oficiais de encerramento, propõe alternativas críticas e se transforma em um espaço de cruzamento e ruptura, onde passados e futuros se entrelaçam de formas inesperadas. Dessa forma, este simpósio busca gerar um diálogo interdisciplinar que, a partir da literatura, da arte, do cinema e outros meios de expressão, aborda as figurações do fim na América Latina como um prisma para analisar suas complexidades históricas, territoriais, políticas e estéticas. Na interseção dos confins, das memórias e das paisagens do Antropoceno, abrem-se novas possibilidades para compreender os “finais” como processos inacabados e em constante transformação.
PALAVRAS-CHAVE: América Latina; Fronteiras; Antropoceno
Haicai brasileiro: da tradição à reinvenção nos séculos XX e XXI
EIXO: ENFRENTANDO DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
SIMPÓSIO: Haicai brasileiro: da tradição à reinvenção nos séculos XX e XXI
COORDENADORES:
- Cacio José Ferreira (Universidade Federal do Amazonas) caciosan@ufam.edu.br
- Norival Bottos Júnior (Universidade Federal do Amazonas) norivalbottos@ufam.edu.br
RESUMO: O haicai (haiku) produzido no Brasil é um exemplo notável de como uma forma poética tradicional, originária do Japão, pode ser assimilada e reinventada em novas culturas, mantendo a essência, mas também adquirindo características singulares. Sua trajetória no Brasil, entre os séculos XX e XXI, reflete um processo de adaptação e reinvenção, que equilibra o respeito às convenções clássicas com inovações que dialogam com a realidade brasileira. Com raízes modernas no Japão do século XVII, foi transladado ao Brasil no início do século XX, principalmente por intermédio de imigrantes japoneses e intelectuais que se interessaram pela cultura japonesa. Tradicionalmente, o haicai consiste em um poema breve de três versos, com estrutura métrica de 5-7-5 sílabas poéticas, valorizando o uso de imagens sensoriais capturando a efemeridade do tempo. No Brasil, autores como Afrânio Peixoto e Guilherme de Almeida foram pioneiros na difusão do haicai. Almeida, em especial, adaptou o haicai à língua portuguesa, preservando a métrica tradicional e temas relacionados à natureza, mas incorporando elementos da paisagem brasileira e rima. Com o advento do Modernismo, o haicai brasileiro passou a se reinventar. Manuel Bandeira, por exemplo, explorou a liberdade formal, rompendo com a métrica rígida e introduzindo temas urbanos e existenciais. Essa abordagem modernista ampliou o horizonte do haicai no Brasil, permitindo que ele se tornasse veículo para expressar não apenas a natureza, mas também as experiências humanas cotidianas e as inquietações da vida moderna. Nos anos 1970 e 1980, Paulo Leminski emerge como um dos maiores representantes da reinvenção do haicai. Leminski adaptou a brevidade do haicai à linguagem coloquial, explorando a síntese poética com humor, crítica social e reflexões filosóficas. Manteve o espírito do haicai como a arte de cristaliza o instante, mas rompeu com suas convenções tradicionais, criando um estilo mais livre e experimental. No século XXI, o haicai brasileiro continua a se reinventar, abraçando tanto a tradição quanto novas possibilidades. As redes sociais, por exemplo, tornaram-se plataformas para a difusão do haicai, popularizando-o entre novos públicos. O formato breve e acessível do haicai é especialmente adequado ao ambiente digital, em que a comunicação é instantânea e concisa. Além disso, temas contemporâneos, como questões ambientais, urbanas e críticas sociais, têm enriquecido a produção do haicai brasileiro. Autores contemporâneos como Luiz Bacellar e Alice Ruiz exploram a interação entre tradição e modernidade, interagindo com a substância contemplativa do haicai, contudo introduzindo elementos que dialogam com a complexidade do mundo atual. Dessa forma, a trajetória do haicai no Brasil é um testemunho da capacidade de uma forma poética atravessar fronteiras culturais e se renovar sem perder a essência. Entre os séculos XX e XXI, o haicai brasileiro navegou entre a fidelidade à tradição japonesa e a experimentação criativa, resultando em uma produção que enriquece a literatura brasileira. Na obra O Ser e o Tempo da Poesia, Bosi destaca a capacidade da linguagem poética de transcender o tempo e capturar a essência do espírito humano, ao mesmo tempo em que a conecta com o contexto histórico e cultural em que foi produzida. Essa leitura da poesia combina sensibilidade estética e rigor teórico, valorizando tanto a dimensão formal quanto a força simbólica e ética dos poemas. Assim, a poesia, para Bosi, não é apenas um exercício de linguagem, mas também uma forma de engajamento com as complexidades e contradições da existência. O caminhar do haicai em solo brasileiro evidencia não apenas a adaptabilidade do haicai, mas também a inventividade da literatura brasileira em absorver influências externas e transformá-las em algo único. Diante desse panorama, o presente simpósio tem como propósito reunir trabalhos e pesquisas que explorem o estudo do haicai produzido no Brasil, investigando as relações entre imagens, paisagens, autores e a singularidade estética haicaísta na contemporaneidade. Busca-se abordar a poética do haicai como um efeito imagético que constrói a paisagem em múltiplas camadas. Na obra Estrutura da Linguagem Poética, por exemplo, Jean Cohen aponta que, apesar da simplicidade aparente, o haicai transforma a linguagem ao capturar instantes efêmeros por meio de imagens precisas, criando uma relação simbólica entre palavras, natureza e experiência humana. A análise de Cohen reforça a ideia de que, no haicai, o valor poético está na capacidade de dizer muito com pouco, rompendo com expectativas discursivas e promovendo uma conexão direta e imagética com o leitor. Nesse contexto, as discussões propostas para o simpósio podem lançar luz sobre novas formas de representação do real e sobre a ressonância do haicai, que transita entre imagem, paisagem e palavra, concebida como força imagética capaz e criadora, capaz de gerar novas substâncias e um novo olhar para a poesia brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Haicai no Brasil; poesia brasileira; poesia japonesa; poesia contempoânea.
Limiares, traduções e transgressões nas artes e nas literaturas contemporâneas
EIXO: ENFRENTANDO DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
SIMPÓSIO: Limiares, traduções e transgressões nas artes e nas literaturas contemporâneas
COORDENADORES:
- KARINA LIMA SALES (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB) ksales@uneb.br
- GABRIELA FERNANDES DE CARVALHO (Universidade do Estado do Amazonas) fcarvalho.gabriela@gmail.com
- LILIAN LIMA GONÇALVES DOS PRAZERES (Universidade Federal do Sul da Bahia - UFSB) lilian.lima@ufsb.edu.br
RESUMO: O Simpósio Temático Limiares, traduções e transgressões nas artes e nas literaturas contemporâneas tem por objetivo promover diálogos entre Literaturas, outras artes e diferentes perspectivas culturais da contemporaneidade. As propostas a serem submetidas podem estar pautadas no campo dos Estudos Comparados de Literaturas, Estudos Interartes e da Intermidialidade, Estudos culturais, debates sobre gêneros e sexualidades na literatura, literaturas negras, periféricas, interculturais, afro-brasileiras e indígenas em interação entre os estudos, fundamentados em direcionamentos teórico-metodológicos que possibilitem a navegação e imersão pelas redes, margens e rios caudalosos dos diálogos entre Literaturas, outras artes e diferentes perspectivas culturais da contemporaneidade, com suas semelhanças e dessemelhanças, intertextualidades, inovações, questionamentos, afetividades, rupturas e (re)construções. Assim, vastas e abundantes são as redes possíveis para as proposições que este simpósio abrigará. A perspectiva comparada de estudos da literatura, em si, já comporta uma ampla gama de tópicos que refletem sua diversidade, dialogicidade e complexidade. Desse modo, aceitam-se propostas que sinalizem para perspectivas comparadas inter, trans e indisciplinares das literaturas escritas, oralizadas, performatizadas e em diversos suportes. De igual maneira, aceitam-se proposições de discussões dos Estudos interartes e da intermidialidade que investiguem interfaces e diálogos entre a literatura e outras manifestações artísticas em diferentes suportes, para além de margens convencionais. As diferentes perspectivas culturais da contemporaneidade podem permear as águas dos rios a navegar desde os limiares, traduções e transgressões nas artes e nas literaturas contemporâneas. Entendemos os limiares como “pontos de partida” para os nossos diálogos, soleiras que permitem a entrada em um espaço de relação, encontro, comunicação, numa ótica de abertura e inclusão. As traduções carregam em si o ato de “conduzir para o outro lado” o que se expressa nas palavras únicas de um/a/e autor/a/e, mas também de coletividades, no esforço sempre titânico de construir pontes e tornar mutuamente compreensíveis idioletos e mundividências, culturas e cosmogonias. As transgressões, por fim, sempre deram ocasião à humanidade de ultrapassar os seus próprios limites, de rasgar barreiras, sendo as artes um dos meios privilegiados para canalizar o aflato de liberdade e ousadia que as transgressões pressupõem e fazer com que este chegue aos demais seres humanos. A articulação entre os três planos dos limiares, das traduções e das transgressões constitui o pano de fundo teórico desse simpósio. Como objetivos, espera-se ainda estimular a comunicação entre Universidades e pesquisadores do Brasil e de outros países; compartilhar pesquisas transdisciplinares realizadas a partir de possibilidades de interrelação entre literaturas, tradução e outras artes contemporâneas; fortalecer laços e redes de pesquisa com foco em literatura, artes contemporâneas e estudos culturais. A partir da experiência multicultural tanto das docentes que propõem o simpósio temático quanto de todes aqueles que possam vir a participar, acreditamos na importância de ampliar as nossas discussões de pesquisa e trazer pontos de vistas diferentes e distantes, embora entrelaçados. Assim, animades pela possibilidade de troca, buscamos apresentar um palco de conversas sobre limiares [fronteiras, lugares híbridos], traduções [pontes comunicativas, interpretações do mundo] e transgressões [visões marginais, vozes do futuro]. É nesse ínterim que esta proposta encontra as perspectivas teóricas de diferentes estudiosas e estudiosos da literatura periférica enquanto movimento e das artes e literaturas indígenas desconstrutoras de estereótipos e criadoras de mundos a partir da diversidade cultural dos povos; de autoras e autores como Conceição Evaristo (2020) que, ao cunhar a categoria escrevivência, possibilitou o encontro entre vida, arte e ancestralidade em sua potência poética, estética, fazendo da palavra e da conversa cotidiana pautas para os estudos literários; Leda Martins (2003), que nos leva refletir sobre as oralituras e sobre as performances abrigadas pelos corpos o quais são produtos e produzem memórias, rasuras no tempo, no espaço e no conhecimento dito hegemônico; Home Bhabha (2007) que, ao tratar da tradução cultural, reflete sobre as negociações culturais em torno das identidades e da produção de culturas híbridas; Saidiya Hartman (2020), que a partir do método fabulação crítica e de rearranjos possíveis nos faz refletir sobre narrativas recombinantes em que sujeito silenciados tomam a voz e enunciam suas versões das histórias; Claus Clüver, Irina Rajewsky, Solange Ribeiro de Oliveira, Marcia Arbex, Thais Flores Diniz, dentre outras/os teóricas/os dos estudos interartes e da intermidialidade, que propõem miradas sobre obras contemporâneas constituídas por textos em diferentes mídias (como espetáculos teatrais, transcriações / transmutações fílmicas, histórias em quadrinhos, écfrase, instalações, canções) pautadas por conceitos como sinestesia, tradução, hibridismos, dentre outros.
PALAVRAS-CHAVE: Interartes e intermidialidade; Limiares, traduções e transgressões; Artes Contemporâneas; Estudos comparados
Literatura e crise ambiental: ecocrítica para histórias de ontem, hoje e amanhã
EIXO: ENFRENTANDO DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
SIMPÓSIO: Literatura e crise ambiental: ecocrítica para histórias de ontem, hoje e amanhã
COORDENADORES:
- Cristine Fickelscherer de Mattos (Universidade Presbiteriana Mackenzie) cristinemattos@gmail.com
- MARIA CRISTINA CARDOSO RIBAS (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) marycrisribas@gmail.com
RESUMO: Segundo Elizabeth Kolbert, em seu premiadíssimo livro The Sixth Extinction: an Unnatural History (2014), nosso planeta já viveu cinco extinções massivas de espécies e estaríamos vivendo a sexta. Contudo, enquanto as anteriores teriam sido ocasionadas por agentes naturais, a atual se apresenta como resultado da ação humana. Nas palavras de Puchner, “a consciência de que [...] somos o novo meteorito está nos forçando a considerar não apenas as histórias dos últimos quatro mil anos, mas também quais histórias deveríamos contar no futuro” (PUCHNER, 2022, p. 64). O líder indígena e pesquisador Aílton Krenak, nascido na região do Vale do Rio Doce, lugar profundamente afetado pela extração mineira (desastre da Samarco em 2015), critica a ideia de humanidade como algo apartado à natureza. Uma “humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também nosso avô” (KRENAK, 2019, p.47) seria uma das causas do desastre não só ambiental, mas também social da nossa era. Na mesma direção, em 1978, William Rueckert, publicou “Literature and Ecology: An Experiment in Ecocriticism”, texto que deu origem à área de pesquisa hoje conhecida como Ecocrítica. Contudo, a reflexão de Rueckert só veio a gerar frutos na década de 1990, com trabalhos como o de Lawrence Buell, The Environmental Imagination (1995) e o volume organizado por Cheryll Glotfelty e Harold Fromm, The Ecocriticism Reader: Landmarks in Literary Ecology (1996), que republicou o trabalho de Rueckert junto a outros textos importantes. No mesmo período, do interior da floresta amazônica, o líder indígena conhecido hoje como Davi Kopenawa, começava a ganhar voz por meio do antropólogo francês Bruce Albert, com quem conviveu por anos. Dessa convivência, nasceu em 2010 a obra A queda do céu, do gênero literatura de testemunho que, com uma crítica contundente ao modelo de desenvolvimento ocidental e à separação entre homens e natureza, nos alerta para o fato de que a destruição - gradual ou definitiva - das florestas significa também a destruição de todos e de tudo. Um dos pontos em comum entre todos os autores citados pode ser resumido pela ideia de que na natureza tudo é interconectado, nada deve ser individual, mas sistêmico, integrado, em comum e, logo, coletivo, social e global. Um segundo ponto em comum diz respeito a não extrair e esgotar, mas respeitar o princípio da natureza que, ciclicamente, tudo renova ou, como se convencionou dizer, recicla, pois a natureza gera sua própria energia, como as plantas verdes o fazem a partir do sol. De maneira semelhante, “a literatura em geral e as obras individuais em particular são um entre os muitos sóis humanos” (RUECKERT, 1996, p. 109), pois em contextos diversos e em leituras infinitas, um mesmo texto faz-se fonte inesgotável de vida para os leitores. Como um correlato da reciclagem ambiental, as releituras transmidiáticas, tão em voga ultimamente, assim como as tradicionais adaptações da literatura para o cinema dão vida nova a conteúdos já consumidos por inúmeros leitores. Gêneros, estruturas, topoi, desde os primórdios da criação humana, estão a gerar pensamentos e sentimentos. Assim, o fazer literário pode detectar as raízes do tipo de relação dos seres humanos com a natureza que desembocou na situação atual: extinções massivas e até mesmo alterações geológicas do planeta. Tais mudanças drásticas foram apontadas, dentre outros pesquisadores, por Paul J. Crutzen e Eugene F. Stoermer (2000), ao designarem, pelo termo “antropoceno”, a era em que o ser humano - antropos -, com sua razão e sua ação - seu logos e sua praxis -, se sobrepôs ao planeta terra - ao geo- ou a gaia -, deixando sobre ele irremediáveis rastros. Há razões históricas, de ordem político-sociais, que solaparam e seguem solapando a autorregulação dos ecossistemas: o pós-colonialismo, questões étnico-raciais e de gênero, visões cosmogônicas e espirituais. Enfim, a comparação intramidiática e intermidiática das configurações textuais pode abrir espaço para que possamos captar, imaginar e formular novas maneiras de conceber a presença humana na terra, outras perspectivas sobre o mundo natural, outras cosmogonias, outras trocas, outra comunicação, outros modelos de sociedade. Para facilitar o planejamento das participações, listamos a seguir eixos em que devem se encaixar os trabalhos (pelo menos em um dos eixos): 1. análises de obras literárias tidas como canônicas, lidas a partir de uma perspectiva ecocrítica atual; 2. análises de obras literárias contemporâneas que, a partir do presente, repensem ecocriticamente o passado; 3. análises de obras literárias que imaginem um presente e/ou um porvir diferente, não distópico e com outra relação entre o humano e o não humano; 4. análise de obras televisivas, fílmicas e artísticas que, intermidiática e ecocriticamente, que releiam obras literárias ou determinados aspectos literários; 5. análise de releituras intramidiáticas ou intermidiáticas que trabalhem a ecocrítica por um dos vieses: história, etnia, gênero, raça, religião; 6. proposta inovadora de ensino da literatura para situar o debate em torno da ecocrítica.
PALAVRAS-CHAVE: Ecocrítica; intramidialidade; intermidialidade; literatura comparada